Ex-democrata, astro da TV e falas polêmicas: a trajetória de Donald Trump, republicano prestes a ser eleito presidente dos EUA


Com cinco filhos, Trump entrou na política já pela presidência. Antes, expandiu negócios imobiliários do pai e ficou famoso ao estrelar ‘O Aprendiz’ na TV. Foi processado 5 vezes e acusado outras 18 de crimes sexuais. Ele nega.
Foi com Roy Cohn, o polêmico advogado que representou mafiosos de Nova York e é considerado o grande mentor de Donald Trump, que o ex-presidente dos Estados Unidos aprendeu o lema que desde então vem guiando sua trajetória: “sempre clame vitória, jamais admita a derrota”. Prestes a ser eleito para um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, conforme aponta projeção da Associated Press desta quarta-feira (6).
Trump, de 78 anos, aplicou o ensinamento não só ao contestar sua derrota nas urnas na eleição presidencial dos Estados Unidos em 2020, que perdeu para Joe Biden, mas também quando conseguiu convencer credores a perdoarem a maior parte de uma dívida de US$ 900 milhões que fez na década de 1990.
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Hoje, o republicano tem uma fortuna estimada em cerca de US$ 6,5 bilhões (cerca de R$ 32 bilhões), fruto de seu conglomerado de empresas que inclui redes de hotéis, resorts, cassinos e campos de golfes dentro e fora dos Estados Unidos. E de uma carreira como personalidade da TV, que o alçou à fama antes de se tornar presidente dos EUA, em 2017.
Mas a trajetória de Trump para voltar à Casa Branca na eleição presidencial da terça-feira (5) também abarca processos judiciais, 18 denúncias de crimes sexuais, três casamentos, cinco filhos, dez netos, uma mudança de partido e muitas falas polêmicas — só nesta campanha eleitoral, ele disse que deve prender adversários políticos e colocar o Exército atrás de cidadãos dentro e fora dos EUA e prometeu a maior deportação de imigrantes na história de seu país.
Candidado republicano Donald Trump dança durante comício em 2024.
AP Photo/Alex Brandon
Relembre, abaixo, parte da trajetória:
Ao contrário do que já disse algumas vezes, Donald Trump não construiu sua fortuna do zero. Seus primeiros passos e milhões de dólares foram proporcionados por seu pai, Fred Trump, filho de um imigrante alemão que investiu no incipiente mercado imobiliário de Nova York na década de 1950.
Fred Trump escolheu Donald, o quarto dos cinco filhos que teve, como seu sucessor na carreira. Descartou as duas filhas meninas, e o filho mais velho, Fred Jr., morreu de um ataque cardíaco associado ao alcoolismo.
Donald Trump (ao centro), com amigos de faculdade em imagem de arquivo.
Reprodução/TV Globo
Após se formar em economia na Universidade da Pensilvânia, em 1968, ele assumiu oficialmente a imobiliária da família.
Seu primeiro passo foi tentar ampliar os negócios do pai, focados em residências para famílias brancas no Queens, bairro de Nova York onde o ex-presidente nasceu, em 1946, viveu durante a infância e a adolescência.
Trump filho queria construir prédios altos em Manhattan e hotéis, campos de golfe e cassinos fora dos EUA. Para isso, pegou um empréstimo de cerca de US$ 500 milhões de seu pai, segundo o jornal “The New York Times”, e foi se firmando no mercado imobiliário da cidade ao longo da década de 1970 com construções que ele sempre batizava com o sobrenome da família.
Em 1980, veio seu primeiro processo judicial: foi acusado de discriminar famílias negras em aluguéis de apartamentos em um de seus prédios. Trump, que herdou uma empresa focada em famílias brancas, negou, mas o caso ganhou repercussão, e ele foi, então, em busca de um nome forte para sua defesa.
Bateu na porta do advogado Roy Cohn, uma das figuras mais polêmicas da história recente dos Estados Unidos que acabou por se tornar o grande mentor de Trump e responsável por moldar a personalidade política do então jovem empreendedor.
“Ele me procurou dizendo: você parece ser maluco como eu e também é ‘antiestablishment'”, disse o próprio Cohn.
Roy Cohn foi advogado de grandes mafiosos de Nova York, sempre defendendo seus clientes em entrevistas à imprensa, o que o tornou um rosto conhecido. Também muito influente entre artistas, políticos e empresários, ele respondeu como réu em processos por acumular dívidas milionárias e manipular provas e comprar falsos depoimentos em julgamentos.
Um dos casos mais emblemáticos foi o do casal Ethel e Julius Rosemberg, judeus nova-iorquinos que foram para a cadeira elétrica acusados de serem espiões da União Soviética durante a Guerra Fria. A testemunha-chave do processo depois confessou ter sido forçada por Cohn a mentir.
O advogado também assessorou o senador Joseph McCarthy na caça aos comunistas que marcou a década de 1950 nos EUA. E liderou ataques e caças a homossexuais.
No processo em que foi acusado de discriminar famílias negras, Trump chegou a um acordo, mas, seguindo o lema de Cohn, declarou vitória alegando que em nenhum momento reconheceu culpa e acusou o governo de perseguição, seguindo a estratégia de ataque que marcaria o resto de sua carreira profissional e política.
Foi também com a ajuda de Cohn que o hoje candidato republicano construiu a Trump Tower, sua famosa torre residencial em Manhattan onde tem uma de suas residências, nos três últimos andares — atualmente, Trump vive com a família em uma mansão de 126 quartos no complexo residencial de Mar-a-Lago, na Flórida, do qual também é o dono.
A torre de Nova York foi construída parcialmente com aço, uma indústria dominada na época por mafiosos que Roy Cohn representava.
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Embates na Justiça
Veja em quais processos Donald Trump é réu nos EUA
Mas este não foi o único embate de Trump com a Justiça. Décadas mais tarde, depois de o magnata virar presidente e deixar a Casa Branca, começou sua maior batalha com os tribunais.
Em 2023, ele virou réu em quatro processos diferentes, com 91 acusações no total. E mesmo que seja reeleito este ano, o republicano não se livrará dos casos — ele continuará tendo de ir a julgamento e pode até governar atrás de grades, se for condenado à prisão em algum deles.
Se reeleito, ele será o primeiro presidente já condenado na Justiça da história dos EUA.
Apenas um dos processos já foi julgado, e o republicano foi condenado. Em maio de 2024, Trump se tornou o primeiro ex-presidente a ter uma condenação.
No caso, cuja sentença ainda não foi definida, a Justiça considerou Trump culpado de fraude contábil ao declarar como gasto de campanha um pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels. O dinheiro, segundo a acusação, foi pago para comprar o silêncio de Daniels, com que Trump teria tido um caso extraconjungal durante a campanha presidencial de 2016, da qual ele saiu vencedor.
Daniels prestou depoimento durante o julgamento e não só confirmou que, de fato, teve um “encontro sexual” com Trump, o que o ex-presidente nega, como também deu uma enxurrada de detalhes sobre o episódio.
No relato, a ex-atriz-pornô contou que aceitou ter a relação sexual, mas afirmou que havia um “jogo de poder”. Disse que o então empresário encostou, sem roupas, contra a porta do quarto do hotel e lhe falou: “Esta é a única forma de você conseguir sair do estacionamento de trailers”, onde Daniels morava à época.
O processo não envolveu crime de natureza sexual, mas Trump foi acusado por outras 18 mulheres de crimes sexuais — três deles estupros — segundo um levantamento da rede de TV norte-americana ABC. Ele nega todos.
Em um dos casos, a suposta vítima era uma menina de 13 anos, que relatou ter sido estuprada na década de 1990 por Trump e pelo bilionário Jeffrey Epstein, acusado de tráfico sexual e que morreu na prisão enquanto aguardava julgamento.
A denúncia foi retirada meses depois, e a menina nunca mais falou com a imprensa.
Três casamentos, cinco filhos
Donald Trump ao lado da mulher, Melania, e dos filhos Tiffany, Donald Jr., Eric e Ivanka, em entrevista à TV americana.
Reprodução/Youtube/CBS Evening News
Não foi a primeira vez que o republicano foi acusado de estupro. Sua primeira esposa, Ivana Trump, de quem ele se divorciou na década de 1990, disse logo após a separação ter sido estuprada pelo ex-marido.
No entanto, Ivana, que nasceu na República Tcheca e morreu em 2022 em Nova York, também não levou a acusação adiante e nunca mais mencionou o caso, e a investigação foi arquivada. Promotores de Nova York suspeitam que houve um acordo secreto entre os dois, que foram casados por 13 anos e tiveram três filhos: Donald Jr., Ivanka e Eric.
Donald Trump e sua primeira mulher, Ivana, no dia em que adquiriu cidadania americana, em 1988
AP
Trump tem outros dois filhos, frutos de duas relações diferentes: Tiffany, do casamento com sua segunda esposa, a atriz e modelo Marla Maples, e Barron Trump, seu caçula e único filho com sua atual esposa, a ex-modelo Melania Trump.
De origem eslovena, Melania é casada há mais de 20 anos com Trump. Os dois se conheceram durante uma festa em Nova York em 1998. Ela participou pouco da campanha do marido, e ficou na residência da família em Nova York a maior parte do tempo.
Como primeira-dama, durante a gestão de Trump entre 2017 e 2021, também manteve a discrição e deu poucas entrevistas, embora acompanhasse com frequência o marido em eventos e viagens internacionais.
Personalidade da TV
“O Aprendiz” mostra como Donald Trump se transformou em um grande empresário
Foi também com a ajuda de seu mentor Roy Cohn que o então magnata migrou para a TV, já nos anos 2000.
Cohn, bem relacionado com a mídia local, intermediou para que o então magnata conseguisse fechar um contrato para estrelar o programa “O Aprendiz”, reality show no qual Trump escolhia um participante para trabalhar com ele — os outros todos eram “demitidos”.
E, apesar de que imprimia o sobrenome de seu pai em todas as suas construções, o nome Trump se consolidou como marca empresarial com o programa, que durou 14 temporadas e foi exportado para diversos outros países, inclusive o Brasil.
Além de alçar seu nome de forma nacional, a carreira na TV também salvou Trump de dívidas que ele havia acumulado em suas empresas, apesar dos milhões que herdou do pai.
Ele mesmo disse, em uma entrevista à apresentadora norte-american Ellen DeGeneres, que, antes do contrato com o reality show, estava negativo em US$ 900 milhões (cerca de R$ 5,1 bilhões).
“Um dia estava na rua com minha esposa e apontei para um morador de rua e disse: ele tem mais dinheiro que eu”, disse o republicano.
Carreira política
Pode ser difícil de acreditar, mas Donald Trump já foi um militante do Partido Democrata, que hoje enfrenta nas urnas.
O atual candidato republicano não só mudou de lado à medida em que foi se envolvendo mais com temas políticos como também empurrou sua atual sigla ainda para uma direita mais radical.
“Em Nova York, praticamente todo mundo era democrata”, explicou o agora republicano em uma entrevista à CNN em 2015, um ano antes de se tornar presidente. Trump entrou na política em 2016 já no posto máximo de seu país — a presidência foi seu primeiro cargo.
O presidente Barack Obama cumprimenta o presidente eleito Donald Trump durante a cerimônia de juramento e posse no Capitólio, em Washington
Carlos Barria/Reuters
Trump venceu a eleição presidencial de 2016 contra a candidata democrata Hillary Clinton usando mensagens populistas de direita que repercutiram nos estados indecisos do centro-oeste dos EUA.
Quando assumiu o governo, transformou parte do discurso radical em ação: logo no começo de sua gestão, iniciou a construção de um polêmico muro em algumas áreas da fronteira entre EUA e México — mas o projeto foi abandonado e ainda está sem conclusão.
Ele também retirou os EUA de uma série de tratados e acordos internacionais.
Um deles foi o acordo nuclear histórico entre EUA e Irã que seu antecessor, o democrata Barack Obama, havia conseguido costurar. Trump aplicou uma série de sanções ao país rival, que retomou seu programa nuclear e, atualmente, ameaça usá-lo para fins militares, em meio às tensões com Israel.
Ele também repetiu, ao longo dos quatro anos, ameaças de que retiraria os EUA da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), alegando que outros países membros, principalmente os europeus, deveriam aumentar seus gastos militares para engordar o arsenal da aliança.
Esse é um argumento que o republicano mostrou não ter abandonado: em um ato de campanha neste ano, disse que não defenderá um país membro da aliança caso ele seja atacado pela Rússia — a Otan prevê defesa imediata a qualquer país membro que seja atacado ou invadido.
Trump usou o mesmo pressuposto, o de que os EUA pagam mais que outros países, para também abandonar o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, alegando que as metas impostas aos norte-americanos eram muito altas. A retirada do acordo do clima foi uma das maiores polêmicas da gestão do republicano, que passou a presidência negando o aquecimento global.
Em paralelo, o ex-presidente conseguiu entregar uma série de vitórias para a ala mais conservadora do Partido Republicano no período. Ele nomeou três juízes da Suprema Corte, impulsionou cortes de impostos favoráveis a empresas e revogou uma série de regulamentações governamentais.
Seus quatro anos à frente da Casa Branca foram permeados ainda por dois impeachments — processo que, nos EUA, não significa que o presidente deve deixar seu cargo —, críticas por sua gestão na pandemia e, nos últimos dias, uma insurreição no Capitólio dos EUA.
Invasão ao Capitólio
Manifestantes pró-Trump invadem o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Saul Loeb/AFP
A cartada final da gestão de Trump ocorreu depois das eleições de 2020, quando ele perdeu para Joe Biden. O republicano — repetindo o lema de seu mentor de “sempre clamar vitória” — contestou o resultado das urnas, que disse ter sido fraudado.
Meses antes do pleito, ele já vinha falsamente semeando dúvidas sobre a integridade da eleição de 2020, diante da indicação de pesquisas de que estava atrás do democrata.
Em 6 de janeiro de 2021, dias antes da posse de Biden, ele fez um discurso em Washington em que incitou apoiadores a impedirem a certificação do novo governo. Horas depois, centenas de pessoas invadiram o Capitólio — o prédio onde funciona o Legislativo dos Estados Unidos, em um episódio que ficou conhecido como um dos principais golpes contra a democracia norte-americana.
Trump depois negou ter incitado a invasão e disse que a invasão representou um “dia do amor” em que “nada de errado” aconteceu.

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