Motorista que denunciou Sindicato dos Transportes de Sorocaba é demitida e alega represália após assinatura de acordo


Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado em agosto e demissão ocorreu em outubro. Advogados ouvidos pelo g1 dizem que trabalhadores da categoria foram penalizados duas vezes com acordo. Motorista que denunciou Sindicato dos Transportes de Sorocaba (SP) é demitida e alega represália após assinatura de acordo
Reprodução/TV TEM
Uma motorista que denunciou o Sindicato dos Transportes de Sorocaba (SP) ao Ministério Público do Trabalho (MPT) foi demitida e alega represália. De acordo com ela, a demissão ocorreu após pressão do sindicato e depois do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em agosto entre a entidade e o MPT.
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Esse acordo, assinado pelo MPT e pelo sindicato, ocorreu três anos após denúncias sobre má gestão na entidade. O sindicato terá de pagar uma multa de R$ 300 mil, dividida em 24 vezes. Especialistas ouvidos pelo g1 e pela TV TEM criticaram o acordo, alegando que não puniu os membros da entidade e ainda fez que com que os trabalhadores pagassem pela má gestão.
Karen Cristina de Faria, de 36 anos, foi demitida ao retornar de um afastamento de tratamento de saúde. A demissão ocorreu em 16 de outubro. Ela trabalhava em uma empresa de fretamento com operações em Sorocaba.
“Fui retaliada. Fui uma das últimas. Todos os envolvidos nessa denúncia sofreram retaliação. Todos foram dispensados”, afirma.
Ainda conforme ela, teria ocorrido uma ameaça de dentro do sindicato de que os autores de denúncias seriam desligados de seus trabalhos.
“Todos iriam ser demitidos e sofrer as consequências. Eu era a última”, comenta sobre o fato de ser a última do grupo a ser demitida. “Foi perseguição, foi represália, sim, e é a mando do sindicato”, garante.
“Participei de todo o processo, desde o início, de todas as denúncias. Participei de tudo e só não tinha sido demitida ainda porque eu estava afastada por problema de saúde.”
Ela ainda acredita que o TAC assinado em agosto já foi descumprido, uma vez que teria ocorrido, conforme ela, pressão contra a empresa para que a demissão ocorresse.
Karen atuava na empresa de fretamento desde 2016.
O que diz o sindicato
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes afirmou que não vai se manifestar sobre esta questão. “Quem teria que se manifestar seria a empresa que efetuou a referida demissão. O sindicato não tem autonomia de demitir nem contratar funcionário”, afirma.
A empresa onde a motorista atuava também foi procurada para comentar a questão, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Entenda o caso
Sindicato dos Transportes de Sorocaba assina TAC com o Ministério Público do Trabalho
Reprodução/Google Street View
O Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba foi multado em R$ 300 mil por uso irregular de bens e outras irregularidades cometidas por membros da diretoria.
A investigação começou em 2021, quando o MPT passou a apurar denúncias contra a entidade, presidida por Paulo Estausia, conhecido como Paulinho do Transporte (PT), candidato derrotado à Prefeitura de Sorocaba nas eleições de 6 de outubro.
Ao longo da investigação, foram descobertas graves irregularidades praticadas pelos atuais membros da diretoria sindical. O MPT citou, por exemplo, abuso das prerrogativas sindicais: atuar fora do que determina o estatuto da entidade e a legislação, perseguição política de empregados, ingerência nas contratação e demissões de trabalhadores pelas empresas de transporte urbano de Sorocaba.
O MPT não optou por outras medidas, como uma ação judicial, e ofereceu ao Sindicato dos Rodoviários o Termo de Ajustamento de Conduta, acordo firmado com a empresa ou entidade que viola direitos trabalhistas para impedir a situação de ilegalidade e reparar os danos, sem envolver a Justiça.
Com o TAC firmado, o Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba foi multado em R$ 300 mil pelas irregularidades. O valor foi parcelado em 24 vezes de R$ 12,5 mil.
Empresa de parentes
O MPT apontou que o sindicato contratou empresas de parentes de membros diretoria. “As apurações revelaram indícios de malversação do patrimônio social, como a inclusão dos dirigentes sindicais, seus familiares e terceiros, nos convênios médicos mantidos e custeados pelo sindicato, a formalização de contratos com familiares ou pessoas ligadas aos membros da atual diretoria.”
O MPT ainda pediu no TAC que o sindicato anule, em 60 dias, o contrato com as empresas ligadas ao sindicalistas. Outro apontamento está no uso de veículos oficiais do sindicato para uso pessoal.
No documento, o sindicato concordou em se abster de várias ações na entidade. Entre as medidas, o sindicado não deve perseguir trabalhadores por razões político-partidárias e, de qualquer forma, de exercer ingerência na contratação/demissão/recontratação dos empregados das empresas vinculadas à sua base territorial.
Também não deve controlar ou exigir, sobretudo sob ameaças veladas de demissão, que empregados, de seus quadros e das empresas de transporte e não deve exercer qualquer tipo de monitoramento/controle sobre a vida pessoal dos empregados.
Ainda não deve realizar qualquer tipo de checagem em aparelhos telefônicos dos empregados, de seus quadros e das empresas de transporte e deve abster-se da prática de atos capazes de configurar assédio sexual.
Categoria penalizada duas vezes
Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba é multado em R$ 300 mil por irregularidades
Paulo Renato Fernandes, professor da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, analisou o TAC assinado pelo sindicato e pelo MPT.
“O que me surpreendeu foi o TAC ter sido assinado com a manutenção desse pessoal no sindicato. Pelo que consta no TAC, são informações tão graves que eu acho que o Ministério Público deveria ter tomado outra providência, como, por exemplo, o afastamento da diretoria do sindicato e não fazer um TAC para mantê-los lá.”
“Não só para mantê-los lá, mas também fazer com que a categoria pague essa conta, pague esses R$ 300 mil de dano moral coletivo. Não foi a categoria que fez isso. Você fala em penalizar o sindicato, mas quem vai pagar é a categoria, os filiados. O que acontece é que, quando a entidade paga, quem paga é a categoria.”
Advogado Alexsandro Santos afirma que TAC assinado em Sorocaba (SP) puniu categoria duplamente
Reprodução/g1
O advogado Alexsandro Santos, com extensa atuação em direito sindical, também diz que, com o TAC, a categoria foi penalizada duas vezes.
“O relatório pericial e a própria fundamentação que serviu de embasamento do TAC, ela deixa claro que há ali indícios graves de desvio de finalidade, de irregularidades quanto à gestão de patrimônio do sindicato. E o TAC, sendo firmado pelo sindicato, ele viola o disposto de número nove, da Coordenadoria Nacional de Liberdade Sindical (Conalis), porque pune duplamente a categoria.”
O que dizem os citados
Em nota, o MPT afirma que o TAC firmado encontra-se totalmente dentro do padrão de normalidade de atuação do órgão.
“A elaboração da minuta do TAC não foi apenas de iniciativa do procurador oficiante, mas passou pelo crivo de outros profissionais do direito que integram a sua assessoria jurídica, todos eles imbuídos do princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual há o dever do servidor público de agir na sociedade seguindo elevados valores éticos e morais.”
O MPT também diz que a responsabilização pessoal dos dirigentes deve acontecer apenas quando houver elementos para tanto, “algo que não aconteceu no inquérito em questão, haja vista o laudo pericial ter se mostrado inconclusivo no que se refere aos possíveis desvios de recurso por parte dos dirigentes sindicais”.
Já o Sindicato dos Transportes disse que foi investigado pelo Ministério Público do Trabalho, “no qual concluiu-se com inconformidades administrativas que deveriam ser corrigidas sob pena de multa”.
“O sindicato aceitou a proposta de transação proposta pelo Ministério Público, sendo que, então, tomou todas as providências para sanar os equívocos administrativos. Entre as obrigações do sindicato, estão o pagamento a título de dano moral coletivo a ser revertido para entidades assistenciais do município de Sorocaba.”
A entidade garante que vem cumprindo com as obrigações do TAC.
Demissões em maio
A suposta pressão do sindicato sobre a empresa, e que teria motivado a demissão, já foi tema de reportagem do g1 e da TV TEM.
Em maio de 2024, mais de dez trabalhadores alegaram pressão da entidade sindical após serem contratados e, pouco dias depois, serem desligado por uma empresa de transporte coletivo de Sorocaba.
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