‘PL da Devastação’ avança no Senado com aprovação em comissões; maior retrocesso em 40 anos, criticam ambientalistas

As comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovaram, nesta terça-feira (20), por votação simbólica, o projeto de lei (PL) 2.159, que altera as regras para o licenciamento ambiental de empreendimentos causadores de impactos, como hidrelétricas, estradas e barragens de rejeitos. 

O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e segue em regime de urgência para votação no Plenário do Senado nesta quarta-feira (21). Se aprovado, volta para nova análise da Câmara já que o Senado alterou o texto original. 

Apelidado de “PL da devastação” e “mãe de todas as boiadas”, o projeto faz parte do pacote da destruição, um conjunto de propostas contrárias à proteção ambiental, apresentado pela bancada ruralista. Se aprovado, o texto permitirá que algumas empresas mensurem, elas mesmas, os impactos ambientais resultantes das suas atividades.

O licenciamento ambiental é um mecanismo pelo qual órgãos municipais, estaduais e federais avaliam o potencial de devastação de um empreendimento ou atividade. Grandes obras de mineração, por exemplo, são submetidas ao crivo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), para que tenham ou não continuidade, a depender dos danos causados ao ambiente.

Se aprovado, o PL da Devastação delega às empresas responsáveis por algumas categorias de empreendimentos a responsabilidade por essa avaliação. Assim, uma empresa poderá preencher um documento autodeclaratório informando se a duplicação de uma estrada próxima a uma Unidade de Conservação (UC) irá ou não afetar matas protegidas. Para algumas modalidades de pecuária e agricultura, fica dispensada da apresentação da licença, o que pode acelerar o desmatamento vinculado a essas atividades.

Ribeirinhos, indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais que historicamente já sofrem com a exploração dos seus territórios ficarão ainda mais expostas a essas ameaças. Isso porque o texto a ser votado no Plenário do Senado restringe a participação das autoridades que respondem pela proteção dos direitos dessas populações aos casos em que os seus territórios estiverem formalmente homologados ou titulados.

Além disso, a proposta estabelece que a manifestação das autoridades vinculadas à proteção desses povos e territórios, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), não terá interferência efetiva no resultado do licenciamento. 

Grande retrocesso

Ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) questionam a possibilidade de autolicenciamento das empresas para obras de pequeno e médio portes, além da isenção de licença para determinadas atividades agropecuárias. 

Para organizações ambientais, o projeto representa o maior retrocesso em matéria de legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição de 1988. A coordenadora do Observatório do Clima, Suely Araújo, reconhece a existência de problemas de licenciamento, mas avalia que as mudanças propostas pelo Parlamento não resolvem as questões operacionais.

“Temos problemas? Temos. Os processos demoram e poderiam ser mais previsíveis. A gente pode discutir uma série de melhorias procedimentais. No lugar de garantir mais pessoal para realizar os licenciamentos, você começa a transformar o licenciamento em um apertar de botão. Essa é a distorção”, respondeu.

O MMA concorda que o projeto é um grande retrocesso e viola princípios fundamentais da Constituição, que garante um meio ambiente equilibrado. “O projeto viola, da forma como está, alguns princípios fundamentais que já foram trazidos pelo Supremo [Tribunal Federal (STF)] para resolver outras inúmeras questões ocorridas, principalmente, no governo anterior”, afirma o secretário executivo do ministério, João Paulo Capobianco.

“O Supremo adotou o princípio do não retrocesso como um princípio basilar nas suas decisões e esse projeto de lei, evidentemente, traz um conjunto grande de retrocessos.”

Críticas na votação

Os senadores do PT e a senadora Eliziane Gama (PDS-MA) foram os únicos a se manifestar contra o texto. Eliziane argumentou que o texto apresentado no Senado é melhor do que o da Câmara, mas que ainda está “muito ruim”. Segundo a senadora, a lei é inconstitucional por liberar autolicenciamentos para obras de médio porte. A parlamentar lembrou que o STF já derrubou leis estaduais com esse teor.

O relator do PL na comissão, Confúcio Moura (MDB), disse que fez os ajustes possíveis para reduzir as divergências. O parlamentar informou que o projeto, que tinha 80 pontos de discordâncias entre os senadores, ficou com apenas seis divergências ao final.

“Não ficou nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ficou o que foi possível. Sobre Brumadinho ser médio porte. Nós temos agora as condicionantes que o poder ambiental vai usar para decidir o porte de cada empreendimento, como localização e natureza do empreendimento. Isso fica a cargo do órgão licenciador”, justificou.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), criticou a transferência do poder de definir o porte ou impacto ambiental das obras e empreendimentos no Brasil para estados e municípios. Para ele, a mudança é “extremamente arriscada”.

“Nós estamos correndo risco de ter uma guerra ambiental. Quem facilitar mais o formato do licenciamento conseguirá atrair [o empreendimento]. Eu já fui governador, conheço a estrutura de prefeitura. Imagine, por exemplo, uma cidade pequena. A pressão de um grande empresário sobre o prefeito é muito grande. E eu acho que, às vezes, ele não tem estrutura para resistir a isso”, afirmou.

O líder do governo criticou ainda a decisão de desconsiderar órgãos técnicos no processo de licenciamento ambiental. “Desconsiderar órgãos técnicos, como a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], que podem ser ouvidos, mas não são obrigados a ser acompanhados, eu acho que é fragilizar demais esse processo porque são órgãos técnicos, não políticos”, disse.

“[A barragem que se rompeu] em Brumadinho era de médio porte. Nós temos vários outros empreendimentos, não apenas em Minas Gerais, mas em outros estados, que são de médio porte. Se não considerarmos todo o processo de licenciamento ambiental como tem que ser, nós poderemos, em função do lucro e da competitividade, infelizmente, ceifar novas vidas”, afirmou a parlamentar.

Apoiadores do projeto

A matéria é apoiada pela bancada ruralista e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Segundo eles, as regras atuais são contraditórias e burocráticas, o que paralisa obras e empreendimentos em todo o país, prejudicando o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, sustentam que a matéria mantém a fiscalização ambiental.

A relatora do projeto na CRA, senadora Tereza Cristina (PP-MS), disse que o texto não é perfeito, mas que precisa ser aprovado para destravar obras e empreendimentos no Brasil.

“As regulações [atuais] confundem e paralisam os processos e, muitas vezes, sobrepõem competências entre a União, os estados e os municípios. Isso causa insegurança jurídica. O licenciamento precisa ser visto e analisado com calma, só que, às vezes, são demoras sem necessidade, que atravancam o desenvolvimento. É claro que o meio ambiente precisa ser preservado, mas a lei que estamos discutindo não revoga nenhuma punição por crime ambiental”, comentou.

Já o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que o projeto seria um “presente para o presidente Lula” por destravar obras e criticou a legislação ambiental no país.

“É a solução de continuidade nas obras que não andam nesse país. Lá no meu estado, temos uma mina de potássio, de ureia e temos o fósforo, que fazem os fertilizantes E não querem que a gente aprove isso aqui porque o meio ambiente não permite que a gente trabalhe. Hoje, a gente vive refém de uma política ambientalista que não interessa à nação brasileira”, afirmou Aziz.

*Com informações da Agência Brasil

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