O recente caso da queda de 23% nas ações da Raia Drogasil, uma das maiores redes de farmácias do Brasil, vai muito além dos números do mercado financeiro. Ele escancara uma dura realidade das empresas brasileiras: a criminalidade se tornou um componente direto do ambiente de negócios.
E o caso dos furtos em massa de Ozempic e medicamentos similares revela como o crescimento de um mercado pode ser sufocado por falhas estruturais, que vão desde segurança pública até a ausência de políticas eficazes de enfrentamento ao crime organizado.
Conforme os relatórios divulgados, metade da queda nas margens da Raia Drogasil veio do aumento de furtos. A provisão da empresa para perdas com roubos cresceu impressionantes 671% em apenas um ano. O impacto foi tão severo que a margem líquida da companhia caiu para 1,6%, um patamar muito baixo para um setor que já opera com margens apertadas.
Esse tipo de perda vai muito além de um prejuízo pontual: ele compromete a capacidade de investimento, reduz a confiança do investidor e obriga o empresário a tomar decisões difíceis, como reduzir estoques de produtos visados ou investir em segurança privada.
O caso do Ozempic se destaca por reunir duas características que o tornam um alvo preferencial para o crime: alta demanda e alto valor agregado. O medicamento, inicialmente usado no tratamento de diabetes tipo 2 e que passou a ser procurado em massa por seu efeito emagrecedor, teve um crescimento explosivo nas vendas, saltando para R$ 3,7 bilhões no Brasil em 2024.
Com uma única caneta custando mais de R$ 1.000, tornou-se um produto visado por quadrilhas, principalmente para revenda no mercado ilegal. Conforme os dados da Anvisa, o desvio de canetas de Ozempic dobrou entre 2023 e 2024, o que confirma que se trata de um fenômeno em ascensão. Esse tipo de criminalidade não só representa um prejuízo direto para farmácias, mas também alimenta um mercado paralelo que opera sem qualquer controle sanitário ou tributário, colocando em risco a saúde pública e o comércio formal.
Ozempic e o Mercado Global
Em contraste com a realidade brasileira, a fabricante do Ozempic, a dinamarquesa Novo Nordisk, vive um momento de valorização e destaque global. Com ações que se valorizaram mais de 400% nos últimos cinco anos e um valor de mercado acima dos US$ 500 bilhões, a empresa tornou-se a mais valiosa da Europa.
Na Dinamarca, o impacto positivo da empresa sobre o PIB é tão relevante que o governo local passou a divulgar dois tipos de dados: com e sem o setor farmacêutico, isolando o chamado “efeito Ozempic” para ter uma visão mais clara da economia nacional.
Essa comparação ajuda a entender o quanto o ambiente institucional de um país influencia como as empresas crescem e geram valor. Em países com segurança pública eficiente, respeito à lei e estímulo ao empreendedorismo, o crescimento de um setor produtivo é uma oportunidade coletiva.
No Brasil, infelizmente, ele se transforma em um problema a ser gerenciado com custos adicionais e riscos operacionais. O caso da Raia Drogasil reforça um padrão já conhecido por empresários que atuam no Brasil: onde há valor, há ameaça.
O Custo Invisível do Crime
A presença do crime organizado, a impunidade e a lentidão na resposta estatal criam um “custo invisível” que corrói margens, afasta investimentos e prejudica a criação de empregos. Não se trata apenas de uma questão de policiamento ou de reforço de segurança. O que está em jogo é a viabilidade de manter um negócio saudável em um ambiente que pune quem gera riqueza.
Quando uma empresa precisa escolher entre reforçar seus sistemas de segurança ou deixar de vender produtos muito demandados, algo está errado. Não se trata de má gestão, mas de um sistema que penaliza o sucesso. Essa dinâmica cria um ciclo vicioso: menos investimento, menos expansão, menos empregos e, no fim, menos crescimento econômico.
O caso Ozempic é um retrato fiel do que acontece quando o empreendedorismo não é protegido. Ele mostra que o crime não só existe às margens da sociedade, mas muitas vezes atua como um agente econômico que interfere nas decisões das empresas e nos resultados dos investidores.
Para mudar esse cenário, é preciso muito mais do que operações pontuais ou respostas reativas. É necessário um compromisso duradouro com a melhoria do ambiente de negócios, o fortalecimento das instituições e o combate sério à criminalidade econômica. Proteger quem empreende, investe e gera valor deve ser uma prioridade de qualquer nação que aspire ao desenvolvimento sustentável.
Enquanto isso não acontecer, o Brasil continuará um país onde, infelizmente, o crescimento de um setor pode se transformar em mais um capítulo do seu velho problema: o custo de se fazer negócios em um ambiente hostil à prosperidade.