
Uma pesquisa conduzida pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com universidades da Dinamarca e do Rio de Janeiro, indicou que o consumo de uma porção de biscoito recheado pode reduzir até 39,7 minutos de vida saudável. O estudo foi publicado na revista científica International Journal of Environmental Research and Public Health. Ele analisou os alimentos mais consumidos no Brasil, calculando seu impacto para a saúde e para o meio ambiente.
A metodologia utilizada baseou-se no Health Nutritional Index (HENI), um indicador que estima quantos minutos de vida saudável são ganhos ou perdidos com a ingestão de determinado alimento. Mas antes de interpretações precipitadas, é importante compreender as limitações do estudo. Também é crucial considerar os dados apresentados e, principalmente, como essa informação pode ser usada de forma útil e equilibrada na rotina alimentar.
O que é o índice HENI?
O HENI é uma ferramenta que traduz dados nutricionais em uma métrica mais acessível: minutos de vida saudável. A pontuação considera a composição do alimento — como teor de gordura saturada, sódio, açúcares adicionados, fibras e micronutrientes. Essa pontuação associa esses elementos à carga de doenças crônicas relacionada ao consumo alimentar.
Por isso, alimentos com perfil nutricional desfavorável tendem a “reduzir” minutos de vida, enquanto aqueles considerados mais saudáveis “adicionam” tempo de vida com qualidade.
O que o estudo revelou
A pesquisa avaliou mais de 1.100 alimentos com base nos hábitos alimentares da população brasileira. Os dados mostraram uma distinção clara entre alimentos ultraprocessados e opções naturais ou minimamente processadas.
Alimentos com HENI negativo (vida saudável reduzida por porção):
- Biscoito recheado: –39,7 minutos
- Carne suína: –36,1 minutos
- Margarina: –24,7 minutos
- Carne bovina: –21,9 minutos
- Biscoitos salgados: –19,4 minutos
- Salsicha cozida: –13,6 min
- Refrigerante com açúcar: –11,3 min
Alimentos com HENI positivo (vida saudável aumentada por porção):
- Peixe de água doce: +17,2 minutos
- Banana: +8,1 minutos
- Feijão: +6,5 minutos
- Laranja: +5,4 minutos
- Alface: +4,6 minutos
- Arroz integral: +3,7 min
- Tomate cru: +3,4 min
Interpretação com cautela: limites do estudo
Apesar de ser um recurso interessante para ampliar a compreensão pública sobre alimentação e saúde, o próprio estudo reconhece limitações importantes.
A mais relevante é o fato de que o HENI analisa os alimentos de forma isolada, fora do contexto da dieta como um todo. Isso significa que consumir um alimento com pontuação negativa, como o biscoito recheado, não implica automaticamente em prejuízo à saúde. Isso é especialmente verdade se inserido em uma rotina alimentar equilibrada.
Além disso, o índice não considera fatores individuais, como atividade física, sono, genética, equilíbrio emocional e combinações alimentares, que influenciam diretamente nos desfechos de saúde.
Outro ponto relevante é que os dados utilizados são baseados em médias populacionais e estimativas. O modelo não representa, por si só, uma prescrição alimentar ou um diagnóstico individual.
Carnes na lista dos “vilões”?
Embora carnes como a bovina e a suína tenham aparecido com HENI negativo, elas não podem ser equiparadas a ultraprocessados como biscoito recheado. O índice atribui a pontuação com base em aspectos como teor de gordura saturada, teor de sódio em preparações comuns e impactos ambientais. No entanto, não considera o valor nutricional completo e nem a densidade de nutrientes.
Um filé magro, sem adição de gordura ou sal, preparado de forma saudável, tem impacto diferente de um hambúrguer industrializado com muito sal, gordura e aditivos.
Carnes frescas são fontes importantes de proteínas de alto valor biológico, ferro, zinco e vitamina B12. Elas podem fazer parte de uma alimentação saudável quando consumidas com moderação e variedade.
Como aplicar o estudo na prática
Estudos como este reforçam a importância de reduzir o consumo frequente de alimentos ultraprocessados e priorizar alimentos in natura ou minimamente processados. No entanto, isso não significa proibir alimentos isolados ou tratá-los como “vilões”.
Consumir um biscoito recheado de forma ocasional não representa um risco significativo à saúde, desde que a base da alimentação seja composta por alimentos nutritivos, variados e ajustados à sua realidade.
O índice HENI é uma ferramenta educativa que estimula o debate sobre saúde pública, sustentabilidade e escolhas alimentares. Contudo, não substitui o olhar profissional e individualizado sobre o que você come.
Em vez de medo ou culpa, a mensagem que fica é: valorize a constância dos bons hábitos e encare os alimentos de menor valor nutricional como exceções, e não regra.