A prefeitura de São Paulo e o governo estadual fazem uma política “desastrosa, desumana e higienista” em relação à Cracolândia, no centro da capital, denuncia o sociólogo Marco Maia, conhecido como Marquinhos Maia, fundador do Pagode na Lata, coletivo que atua com cultura, geração de renda e redução de danos junto à população usuária de drogas da região. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele denuncia ações marcadas por violência e violações de direitos humanos em meio a dispersões forçadas.
Segundo o sociólogo, o grupo recebe denúncias recorrentes de usuários da Cracolândia sendo jogados dentro de furgões e levados, sem consentimento, para clínicas no interior do estado de São Paulo. “Isso não pode acontecer. Nós estamos vivendo um estado de exceção na cidade de São Paulo, com esse governador e esse prefeito seguindo a linha do fascismo”, protesta.
“Espalham as pessoas da Cracolândia na porrada, então elas começam a andar e não podem nem parar, sequer para tomar água, comer e ir ao banheiro, porque tem carros acompanhando esse movimento”, relata. Para ele, essa é uma “tática avançada de tortura”, que visa propaganda política.
A Cracolândia amanheceu vazia no início desta semana. Nos últimos dias, ações da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar têm deslocado compulsoriamente pessoas em situação de vulnerabilidade do entorno da Praça Princesa Isabel e da rua Helvétia, reduto histórico da Cracolândia. A dispersão, segundo o sociólogo, não resolve o problema, apenas o espalha por outras áreas da cidade.
Conforme Maia, essa dispersão é um problema grave porque dificulta a ajuda aos usuários. “Tanto o assistente social, quanto os agentes de saúde não conseguem fazer o atendimento dessas pessoas, porque eles não sabem onde elas estão. […] É uma política higienista”, caracteriza o sociólogo.
Maia relata que, nos últimos meses, o coletivo Pagode na Lata tem enfrentado dificuldades para continuar atuando na região. “Estávamos sendo barrados de entrar. Parece que é uma estratégia para ninguém saber o que está acontecendo lá dentro”, sugere. Ele conta que diversas pessoas usuárias relataram agressões policiais. “Conheço várias com costelas quebradas de tanta porrada que tomaram para sair da Cracolândia”, revela.
Nesta quarta-feira, (14), o prefeito Ricardo Nunes disse ter ficado surpreso com o esvaziamento da Cracolândia.”Ficamos surpresos em imaginar que Nunes está surpreso, sendo que é uma política que ele vem aplicando há muito tempo”, ironiza.
“A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), tanto quanto a do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é desastrosa. É parecida com a do ex-prefeito e hoje secretário do governo do estado Gilberto Kassab (PSD) na chamada ‘Operação Dor e Sofrimento’.
A alternativa que funcionou
O modelo atual contrasta com o programa “De Braços Abertos”, implementado na gestão do ex-prefeito e agora ministro Fernando Haddad (PT), que foi extinto em 2017. A política se baseava na estratégia do Housing First, que parte da garantia de moradia como condição para o tratamento e cuidado.
“Eu trabalhei nesse programa. As pessoas tinham um lugar para ficar, uma casa, um CEP. Com isso, é possível fazer o tratamento dessas pessoas e não as obriga a parar de usar droga para poder cuidar delas. A internação compulsória não é uma estratégia razoável para as pessoas que fazem esse uso radical de drogas. […] Ao internar de forma compulsiva, a pessoa não consegue se cuidar da sua própria maneira. Ao tratar com cuidado, em liberdade, se discute com a pessoa de que forma ela quer ser cuidada, se trabalha com ela”, explica Maia.
No Pagode na Lata, usuários participam de atividades culturais e musicais. Alguns seguem em uso, mas com redução significativa. “A pessoa passa a ter compromisso, horário, rotina. Isso ajuda muito mais que uma internação forçada”, afirma.
Continuidade de uma política desumana
Para Maia, a gestão atual dá continuidade a uma lógica de repressão e violência que já vinha das administrações de João Doria (PSDB), tanto como prefeito quanto como governador.
“De lá pra cá, o que temos visto é só porrada”, lamentou. “Ao contrário do que essa propaganda eleitoreira tenta propagar, a Cracolândia não acabou. Ela não pode ser resolvida nessa situação de tiro porrada e bomba. Tem que ser resolvida pela pela saúde, pela moradia, pela assistência social, não dessa forma desastrosa e desumana, que maltrata as pessoas”, destaca.
Para ouvir e assistir
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