“No me voy. Estoy llegando.” A frase estampada em camisetas e faixas parece resumir o que significa a partida de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai. Após mais de 3h de cortejo pelas ruas de Montevidéu, milhares de pessoas enfrentaram filas imensas a partir das 15h até meia-noite para o último adeus, no velório no Palácio Legislativo.
O presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, está sendo esperado nesta quinta-feira (15). Inclusive foi alterado o protocolo para dar tempo de sua chegada. Mujica será velado durante mais de 24 horas no Palácio Legislativo, e depois será cremado na empresa Martinelli. Por pedido seu, suas cinzas serão enterradas em seu sítio, ao lado de sua cachorrinha Manuela. O Palácio Legislativo foi reaberto às 10h desta quinta-feira (15) e o velório deve ir até o final da tarde.
Em coletiva à imprensa, o presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, disse ter ficado muito impactado com o afeto demonstrado nas ruas. “Muita gente se aproximando para render homenagem. Pessoas de diversas origens, gente humilde, trabalhadoras do comércio, idosos, crianças e jovens muito emocionados”, destacou.

Para Orsi, todo esse afeto é fruto da forma como o ex-presidente se relacionava com o povo. “Os maiores momentos de felicidade de Mujica era quando se rodeava de gente comum, afastado da atividade política. Ele se sentia em casa em contato com as pessoas, especialmente no interior.”
Ao ser questionado como encontrou a companheira de Mujica, Lucía Topolansky, após a notícia de sua morte em casa, Orsi disse que ela estava serena e que eles haviam se preparado para esse momento.
“A relação de Pepe com Lucía foi de muita cumplicidade ao longo da vida e até o momento final. Quando cheguei, Lucía relatou os últimos acordos e deveres que haviam sido estabelecidos, o que me pareceu uma ‘bela passagem’. Pepe viveu com muita intensidade até o final, e Lucía continua com entusiasmo para terminar as coisas que ele lhe encarregou”, relatou.

Sobre o principal legado político que Mujica lhe deixa, Orsi afirmou que é a capacidade de diálogo e negociação. Segundo ele, Mujica possuía uma visão muito antropológica, buscando sempre a origem das coisas, o que é correto fazer. “Fundamentalmente, ele ajudava a entender ou sentir o verdadeiro sentido da vida. Pepe transmitia essa essência de forma tão simples que inspirava admiração.”
Popularidade, empatia e afeto

O presidente também destacou a popularidade e a empatia de Mujica, sentida nas ruas. “Em um país que valoriza a ideia de que ‘ninguém é mais que ninguém’, ele a encarnou de forma maravilhosa, algo muito difícil de reproduzir ou imitar. Seu contato era comum, fazendo as pessoas o verem como um igual. No entanto, ele tinha a grandeza de dialogar de igual para igual tanto com um rei quanto com um peão de tambo.”
Sobre o que representa a perda de José Mujica no contexto político atual, Orsi acredita que o desafio é “pescar” nas diversas vertentes de seu pensamento e ação, que incluem a simplicidade, mas também a visão geopolítica e regional que o tornou um latino-americanista muito particular. “A mensagem das pessoas é clara: ‘Hay que honrar su memoria’, e a melhor forma de fazer isso é fazer as coisas bem”, concluiu.

Orsi também lembrou se seu sonho de unir a América Latina, propondo um hino comum, a união dos líderes e a gestação de uma “pátria grande”. “Chegou a sugerir que o continente se chamasse Amazonas. Embora possivelmente soubesse que essas ideias eram difíceis de concretizar, ele as propunha propositalmente, de maneira quase provocadora, para obrigar a ter uma atitude de união e influenciar outros líderes, como Lula, com quem tinha uma visão bastante comum.”
Por fim, o presidente disse que espera que Mujica seja estudado na história, não só nacional, mas mundialmente, devido a suas ideias, como o seu discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2013.
“Mujica mudou a política do nosso país”

Em entrevista ao Brasil de Fato, o ministro de Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, Alfredo Fratti, única indicação de Mujica ao atual governo da Frente Ampla, disse que o ex-presidente foi um homem extraordinário. “Ele marcou época, mudou a política do nosso país, tirou a gravata de nós, parlamentares e ministros. Digo isso como algo supérfluo, mas esse foi o impacto que, sem querer, influenciou até mesmo a maneira como nós, deputados, senadores e ministros, nos vestimos.”
Segundo ele, que se se formou em Medicina Veterinária no Brasil, Pepe sempre dizia: “Para sair pelo mundo, temos que viajar no estribo brasileiro”. Fratti afirmou ter um apreço e uma relação muito especial com os brasileiros e com o país que lhe acolheu. “Foi o momento em que realmente encontrei um lugar na minha vida para continuar estudando.”
Emoção e respeito marcaram cortejo

O cortejo fúnebre com o caixão puxado por cavalos saiu por volta das 10h da Plaza Independencia. Foram mais de três horas de caminhada pelas principais ruas do centro da capital uruguaia até o Palácio Legislativo. Por todo o percurso, além das pessoas que caminhavam, as calçadas se enchiam de populares. Nos rostos, a emoção era visível. Nos olhos, as lágrimas de quem perde um amigo, uma grande referência.
O professor de uma escola técnica Pablo Miranda expressou sua gratidão aos governos de esquerda de Pepe Mujica e Tabaré Vázquez. “Sou um professor que se beneficiou do governo de Mujica e Tabaré, governos de esquerda que se importavam conosco, o povo. É por isso que as pessoas estão aqui, a cidade está aqui, os trabalhadores estão aqui, os professores estão aqui, os alunos estão aqui, e nós estaremos o tempo todo.”
A diretora do Protocolo do Poder Legislativo, Andrea Barreto, informou que o pedido que fez a esposa de Mujica, Lucía Topolansky, foi que “os uruguaios que queriam se aproximar para se despedir pudessem fazê-lo, com a melhor comodidade, e nisso estamos trabalhando”.