Mais de 97% do desmatamento no Brasil nos últimos anos é resultado de pressão do agronegócio, aponta estudo

Nos últimos seis anos, as atividades agropecuárias foram responsáveis por mais de 97% do desmatamento no Brasil. Os dados foram extraídos da plataforma MapBiomas, por meio da iniciativa MapBiomas Alerta, que identifica e qualifica pontos de supressão florestal em todo o país. O levantamento, divulgando nesta quinta-feira (15), indica queda da devastação em todos os biomas brasileiros em 2024.

A fronteira agrícola do Matopiba, que abrange o Tocantins e parte do Maranhão, do Piauí e da Bahia, concentrou 75% do desmatamento do Cerrado e cerca de 42% de toda a perda de vegetação nativa no país no ano passado. Esses números, no entanto, representam uma queda de 40% em relação a 2023.

“O Matopiba pega essa região mais do Cerrado e Caatinga, que é onde está sendo feita, principalmente no Cerrado, essa nova expansão da frente agropecuária”, explica Marcos Rosa, professor da pós-graduação da geografia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador técnico do MapBiomas.

De 2019 a 2024, o Brasil perdeu uma área de mata nativa equivalente ao tamanho da Coreia do Sul: foram mais de 9 milhões de hectares. Desses, mais de 6 milhões, ou dois terços do total, ficam na Amazônia Legal.

As ações de fiscalização, reforçadas nos últimos anos, apresentaram resultados favoráveis para a floresta tropical. O levantamento do MapBiomas revela a migração dos pontos de desmatamento, da região amazônica para o Cerrado, com concentração na faixa da fronteira agrícola.

Alertas de desmatamento, em vermelho, migraram e passaram a se concentrar no Matopiba – Fonte: MapBiomas

“Essa região do Matopiba concentra mais desmatamento do que todo bioma Amazônia”, ressalta Roberta Rocha, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora técnica da equipe Cerrado do MapBiomas.

Em 2023, a derrubada da floresta na Amazônia já estava em queda, enquanto no Cerrado a área devastada aumentou em 67%. Agora, mesmo com queda, a região que abriga a fronteira agrícola do Matopiba ainda lidera o ranking de desmatamento, não só na categoria bioma, mas também entre os estados.

Mesmo com redução de 34,3% na área desmatada, o Maranhão lidera, pelo segundo ano consecutivo, a lista das unidades federativas mais desmatados. Mais de 36% de toda a área é ocupada por atividades agropecuárias. Em 2003, as plantações de soja ocupavam cerca de 268 mil hectares. Em 2023, esse monocultivo já domina uma área de mais de 1 milhão de hectares no estado.

Em segundo lugar está o Pará, outro estado onde as plantações de soja avançam e tomam o lugar da floresta. Somado às atividades agropecuárias, o garimpo é um vetor de desmatamento nesse estado, onde está Itaituba, município com a maior área de garimpo do Brasil. Tocantins, Piauí e Bahia aparecem na sequência dos estados líderes de desmatamento em 2024.

As áreas de atividades agropecuárias ocupam cerca de 35% de todo o território do Matopiba. São mais de 15 milhões de hectares de pastagens e quase 5 milhões de hectares de soja, principal atividade agrícola da região.

É possível produzir no campo sem desmatar

O Cerrado concentra 52% de toda a derrubada de mata nativa registrada no Brasil em 2024. A ampla permissão para desmatamento nesse bioma está entre os principais fatores para a devastação.

De acordo com o que estabelece o Código Florestal, os donos de propriedades rurais no Cerrado precisam manter apenas 20% de reserva florestal. Na Amazônia, a reserva legal em propriedades rurais deve ocupar 80% da área total do imóvel.

De acordo com Rosa, o desmatamento em áreas privadas no Brasil ficou concentrado em 0,9% dos imóveis identificadas pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público, obrigatório e autodeclaratório de propriedades rurais.

“O que a gente está dizendo é 99% dos imóveis registrados no CAR não tiveram o desmatamento em 2024. Mesmo assim, teve aumento da produção agropecuária”, diz. Para ele, esses dados são indicativos de que é possível produzir no campo sem desmatar.

“A gente tem esse setor agropecuário mais moderno que percebeu que o desmatamento afeta a chuva, vai afetar a qualidade do solo, então, que é ruim desmatar”, afirma. Considerando a meta de zerar o desmatamento até o ano de 2030, estabelecida no âmbito do Acordo de Paris, Rosa avalia que só será possível se os representantes do setor do agronegócio tiverem representantes alinhados ao segmento que ele define como “mais moderno”.

“Porque esse é um dos problemas. O diálogo é mais difícil porque a gente ainda está com representantes do agro que estão pedindo anistia para os desmatadores, estão pedindo redução das leis de proteção. Mas é possível, sim, a gente continuar com uma meta e perseguir essa meta”, diz.

Embora os números de desmatamento ainda sejam preocupantes, os dados de 2024 trazem algum otimismo: pela primeira vez em seis anos, o Brasil registrou queda no desmatamento em todos os biomas.

Maior desmatamento foi na Caatinga

Pela primeira vez desde o início do monitoramento do MapBiomas, o maior foco único de desmatamento foi registrado no bioma Caatinga. Em três meses, foram derrubados mais de 13 mil hectares em um único móvel rural, no estado do Piauí.

Trata-se de um desmatamento autorizado e destinado à atividade agropecuária, como explica Diego Costa, pesquisador do MapBiomas Caatinga.

“A atividade em si, a gente não consegue identificar. Mas o vetor de pressão apontado pelos analistas foi de que é um uso de agropecuário”, diz. A área fica em uma região de fronteira com o Matopiba.

A proporção da devastação naquele ponto, que representa mais de 13 mil campos de futebol, chama a atenção do pesquisador por fugir do padrão de desmatamento no bioma.

“Na Caatinga (…) os nossos desmatamentos são majoritariamente pequenos. O tamanho médio do alerta de desmatamento no bioma tem aproximadamente 9,8 hectares”. Ele também representa o maior alerta já publicado pela iniciativa MapBiomas Alerta nesses seis anos de projeto.

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