Quem é Andrónico Rodríguez, senador que tem a meta de unificar a esquerda da Bolívia

Com o anúncio do atual presidente, Luis Arce, de que não tentará a reeleição e a inabilitação do ex-mandatário Evo Morales, o nome forte da esquerda na Bolívia hoje é o de Andrónico Rodríguez. Faltando pouco menos de 3 meses para o pleito, o presidente do Senado boliviano assume o protagonismo, em contexto de incerteza sobre o futuro eleitoral do país.

Com apenas 36 anos, Andrónico chama atenção entre a nova geração de políticos da Bolívia, que representam os movimentos populares, com parte dos analistas bolivianos considerando-o “sucessor natural” de Evo Morales. Essa relação está muito vinculada ao fato de o jovem ter tido uma formação política como dirigente cocalero, assim como o ex-presidente.

Favorito para ganhar as eleições caso Evo não possa concorrer, Andrónico nasceu em 1988 em Sacaba, no estado de Cochabamba. Filho de produtores agrícolas do movimento sindical cocalero, testemunhou e participou de diversas reuniões de intenso debate político.

Andrónico foi crescendo no movimento sindical ao longo do tempo enquanto desenvolvia outros trabalhos, como a participação em um programa musical de rádio. Com 18 anos, se mudou para Cochabamba para estudar Ciência Política na Universidade Mayor de San Simón. A região é berço político de Evo e tem forte produção cocalera, o que o aproximou do partidoMovimento al Socialismo (MAS), o qual integravam tanto Evo como Arce.

Se tornou presidente de juntas universitárias das Seis Federações Cocaleiras do Trópico de Cochabamba e, depois, se tornou vice-presidente das federações, o que alçou Andrónico a um posto de evidência na região.

Em março de 2019, ele ganhou ainda mais projeção depois que Morales citou Andrónico como um dos nomes capacitados para liderar o MAS. Naquele mesmo ano, ele se candidatou a senador por Cochabamba, mas o resultado foi anulado depois do golpe da ex-senadora Jeanine Añez. Com a saída de Evo do país, ele assume as Seis Federações do Trópico e ganha ainda mais destaque no movimento sindical.

Ele encabeçou a luta contra o golpe e mobiliza trabalhadores para irem às ruas contra Añez. O governo da ex-senadora o chamou para participar de um “Acordo de Pacificação”, mas, ao invés de participar do encontro, Andrónico foi até El Alto, cidade da região metropolitana de La Paz, para visitar os familiares das vítimas do Massacre de Senkata – repressão militar contra os protestos que pediam o fim do golpe – Isso impulsionou ainda mais a popularidade do líder cocalero na esquerda boliviana.

Ele chegou a ser cotado como um possível nome para compor a chapa com Luis Arce na disputa presidencial de 2020, mas a sua indicação não foi adiante por decisão do próprio Evo, então exilado na Argentina. Naquele pleito, ele foi eleito senador.

Se tornou presidente da Casa Alta e teve um papel de negociação e conciliação com a oposição, além de manter distância considerável do presidente Luis Arce. Andrónico também se afastou nos últimos meses de Evo Morales, depois que o ex-presidente foi acusado de “estupro e tráfico de pessoas” por manter relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente.

Andrónico é pré-candidato à presidente da Bolívia pelo MAS, em uma indicação feita pelo próprio presidente da sigla, Grover García.

Desistência e racha no MAS

Arce anunciou nesta terça-feira (13) que não vai concorrer à reeleição em 2025. O mandatário disse que não quer ser um “fator de divisão popular”. Ele e o ex-presidente Evo Morales têm disputado a candidatura e o protagonismo na esquerda boliviana.

O cientista político e professor da Universidade Católica de La Paz Marcelo Arequipa afirma que a desistência de Luis Arce muda todo o tabuleiro político boliviano para as eleições. De acordo com ele, mesmo com todo esse movimento, a oposição segue desarticulada.

“Mudou o tabuleiro político porque ele está jogando uma responsabilidade muito mais importante para as oposições, que, até agora, não conseguiram se unir em torno de uma candidatura. Mas esse movimento não fortalece Evo por causa da decisão da Justiça. A população está distante da política tradicional e tem evitado esse tipo de discussão, justamente pela tensão no MAS”, disse ao Brasil de Fato, se referindo à inelegibilidade de Morales.

A Justiça da Bolívia decretou em dezembro de 2023 que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não, dando fim à uma lacuna que já existia na Constituição boliviana. Antes, a Carta Magna afirmava que o presidente não poderia exercer o cargo por mais de dois mandatos, mas não especificava se eram seguidos ou não. Com a sentença judicial 1010, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.

Para Arequipa, o novo candidato terá dificuldade pela falta de experiência para lidar com um momento de grande pressão. De acordo com ele, o que ajudaria Andrónico é ser um nome de consenso no partido.

“Andronico ganha com esse racha, mas o desafio é se vai unir a esquerda. É difícil, porque ele tem um rótulo, jovem sem experiência para assumir em um contexto de tamanha pressão e dificuldade de unir a esquerda em torno de um projeto. Ainda assim, o fenômeno do MAS na Bolívia é muito enraizado e vai depender do partido fechar consenso em um nome”, afirmou.

Em publicação nas redes sociais nesta quarta, Andrónico reafirmou sua candidatura e com uma “unidade verdadeira e transparente”. Ele também propõe “mudança radical” e denuncia a prisão de camponeses e o abuso político. Sem citar Evo ou Arce, o pré-candidato fala também da necessidade de participação das organizações populares e não de “liderança política que perdeu o contato com as bases”.

“Hoje é necessária uma mudança radical. Infelizmente, a prepotência, o abuso de poder, a corrupção, a prisão de irmãos camponeses, as acusações e ataques incessantes, a divisão de organizações sociais e as mobilizações a favor e contra corroeram a credibilidade organizacional, política e institucional, levando-nos a uma profunda crise econômica”, disse.

Outros pré-candidatos do MAS são o ministro do Governo, Eduardo del Castillo, o governador de Chuquisaca, Damián Condori, o líder sindical Mario Seña e o deputado Deysi Choque.

Arce x Evo: racha da esquerda

A disputa com Evo Morales foi determinante para a desistência de Arce. O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo, também de esquerda, depois de voltar do exílio na Argentina em 2020. Morales começou a criticar algumas decisões de Arce e seus apoiadores e disputar espaço pela candidatura do MAS nas próximas eleições presidenciais, do ano que vem.

O estopim da desavença, na corrida pela liderança do MAS, se deu em outubro de 2023, quando apoiadores de Morales organizaram um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é seu berço político e reduto eleitoral. No evento, ele chamou os apoiadores de Luis Arce de “traidores”. Neste mesmo evento, o MAS determinou a expulsão de Arce do partido, já que ele, como representante da sigla no Executivo, não compareceu ao congresso.

Arce citou Morales ao pedir que o ex-presidente também renuncie à candidatura. Ele justificou o “desafio” afirmando que o líder cocaleiro está impedido de concorrer pela Justiça e disse que “a fragmentação do voto só favorece a direita”. Ele concluiu seu discurso mencionando que o presidente do Senado, Andronico Rodríguez, é uma peça-chave para articular uma unidade do povo e das forças progressistas. 

Evo foi eleito presidente do MAS em janeiro de 1999 e na liderança da sigla chegou à Presidência do país em 2006, ocupando o cargo até 2019, quando foi destituído por um golpe. O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia já havia reconhecido em novembro Grover García como presidente do MAS. Com isso, Morales perdeu a liderança da sigla depois de 25 anos.

A decisão ocorreu depois do congresso realizado pelo MAS na cidade de El Alto. O evento foi organizado em maio por grupos ligados a Arce e deu a vitória ao atual presidente na disputa pelo partido. A decisão foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) só em 14 de novembro. A partir disso, o TCP orientou a decisão da Justiça Eleitoral. Evo rebateu a decisão e disse que se trata de uma apropriação do movimento indígena e que isso é “um sequestro que leva a um genocídio político”.

Em resposta, apoiadores de Evo anunciaram no fim de março a criação do partido Evo Pueblo. A ideia é fazer com que o líder histórico boliviano possa disputar as eleições mesmo após sair da sua antiga sigla e de ser impedido de disputar as eleições pela Justiça do país.

O grupo foi formado por indígenas e camponeses e terá de ser reconhecido legalmente para poder disputar as eleições de 2025 em agosto. Para isso, o Evo Pueblo terá que buscar ao menos 109.500 assinaturas, cerca de 1,5% do eleitorado.

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