A deputada estadual Paula Nunes (Psol-SP) denunciou nesta terça-feira (13) o uso de violência pela Polícia Militar durante uma operação na favela do Moinho, no centro de São Paulo. Segundo a parlamentar, a ação foi conduzida pelo Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep), sob justificativa de apoio à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) na demolição de casas. Nunes afirma que moradores resistiram à remoção e foram reprimidos com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, mesmo após tentativas de negociação.
“Jogaram bomba de gás lacrimogêneo do meu lado e começaram a atirar balas de borracha em direção a todo mundo. Estava colada no batalhão enquanto eles jogavam bomba e atiravam. […] Foi muito cruel o que aconteceu”, relatou a deputada em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “Existe uma tentativa de causar um terror gigante na comunidade da favela do Moinho para obrigar essas pessoas a saírem”, complementou.
Ela afirma que chegou ao local por volta do meio-dia, acompanhada da deputada Ediane Maria (Psol-SP), e que tentaram dialogar com representantes da CDHU e da PM. No entanto, as parlamentares não foram recebidas pela CDHU, e o comandante da operação policial se recusou interromper a operação. Em resposta à sua tentativa de diálogo pelo WhatsApp, o presidente da CDHU, Reinaldo Iapequino, teria dito: “Agora não” e, ao ser questionado se a operação seria paralisada, respondeu: “Claro que não”.
“A resposta que o presidente da CDHU me deu, de que não vai paralisar a operação mesmo com criança tendo sido ferida, mostra que eles estão muito turbulentos. Eles querem a todo custo remover as pessoas, violar direitos para remover as pessoas, isso é inaceitável”, protestou.
Favela sitiada e creche em funcionamento
A operação aconteceu em um momento de grande circulação de pessoas na favela, incluindo crianças. “A comunidade ficou sitiada por muito tempo. […] A creche da favela do Moinho funcionava, crianças estavam dentro da creche. Eu fiquei profundamente sensibilizada com isso”, falou Nunes.
A deputada afirma que a justificativa apresentada pela CDHU para a demolição se baseia em um ofício do governo federal que trata de “descaracterização”, e não de remoção total das casas. Segundo ela, esse documento tem sido interpretado de maneira distorcida pelas autoridades estaduais.
“Descaracterizar não é demolir as casas. Pode ser retirar ou lacrar uma janela, uma porta… há várias formas de fazer, mas eles querem demolir as casas”, disse.
Quebra de acordo com o Governo Federal
Paula Nunes lembra que existia um compromisso firmado com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e o governo federal, a quem a área pertence: as famílias só deixariam o local após estarem realocadas em novas moradias. “Essa política não só nunca chegou como estão removendo as pessoas dessa forma tão truculenta”, lamentou.
“Na verdade, o que há é uma política de financiamento, de uma carta de crédito como solução de moradia definitiva. Como famílias que ganham menos que um salário mínimo, que muitas vezes vivem só com o dinheiro do Bolsa Família, vão pagar o financiamento de 30 anos de um apartamento, que muitas vezes nem fica no centro de São Paulo?”, questionou.
A deputada ressalta que o valor do auxílio-aluguel, de R$ 800, é insuficiente para manter uma moradia na região central. “Na prática, isso significa que essas pessoas vão para a rua porque elas não vão conseguir arcar com uma dívida desse tipo e o auxílio é muito insuficiente.” A análise é semelhante à da pesquisadora Amanda Amparo, do grupo Cóccix da Universidade de São Paulo (USP), que também esteve na Favela do Moinho nesta manhã.
Pressão por negociação e fiscalização
Após a ação violenta, Nunes participou à tarde de uma reunião com representantes da SPU, proprietária do terreno onde está a favela. De acordo com ela, houve um pedido formal do superintendente da secretaria em São Paulo, Celso Santos Carvalho, para a suspensão imediata da operação e abertura de diálogo com o governo de São Paulo. “Estamos cobrando que o pedido seja oficializado por meio de um ofício, para garantir proteção aos moradores e evitar novas ações como essa”, afirmou.
No final da tarde desta terça, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) informou que interromperá a cessão da área onde está a favela do Moinho para o governo de São Paulo. “O governo federal não compactua com qualquer uso de força policial contra a população”, informou o ministério. “Diante da forma como o Governo do Estado de São Paulo está conduzindo a descaracterização das moradias desocupadas na favela do Moinho, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) vai expedir, ainda nesta terça-feira, 13 de maio, uma notificação extrajudicial paralisando o processo de cessão daquela área para o governo do Estado”, diz a nota publicada pela pasta.
A deputada também informou que será solicitada atuação do Ministério Público na fiscalização das ações da CDHU e da PM. Segundo ela, há risco iminente para as famílias que permanecem na comunidade, diante do uso de tratores e da destruição das casas ainda habitadas.
Ao fim da entrevista, Paula Nunes criticou a forma como a favela do Moinho é retratada pela imprensa tradicional. “Insistem em dizer que só tem bandido, que é reduto do tráfico. Mas ali moram crianças, idosos.” Para ela, é fundamental que a sociedade saiba o que está acontecendo. “Precisamos furar esse bloqueio”, defendeu.
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