Remoção da Favela do Moinho em SP é desumana e pode deixar famílias na rua, alerta pesquisadora

A remoção das famílias da Favela do Moinho, no centro de São Paulo, tem sido conduzida de forma “desumana” e “arbitrária”, segundo a pesquisadora Amanda Amparo, do grupo Cóccix da Universidade de São Paulo (USP), que estuda a relação do corpo com a cidade. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela denuncia que os acordos feitos entre moradores e o Estado têm sido sistematicamente descumpridos, expondo a comunidade a riscos sociais graves, inclusive a situação de rua.

Na segunda-feira (12), moradores protestaram contra a demolição de casas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), sob ordens do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). A movimentação dos tratores surpreendeu a comunidade, que tinha negociações em curso com representantes do governo estadual. Nesta terça (13), a CDHU voltou à favela com a Polícia Militar, que atacou os moradores com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

“O estado toma essa decisão de demolir as casas, mesmo tendo feito um acordo prévio com a Associação de Moradores de que não faria”, afirma Amparo. Segundo ela, o pacto previa que as casas dos moradores que aceitassem sair seriam descaracterizadas, com marcações ou janelas retiradas, por exemplo, mas não demolidas, justamente para preservar a integridade estrutural das moradias vizinhas e evitar problemas sanitários.

“Quando se retira uma casa, se compromete necessariamente a estrutura da outra porque torna o espaço super inabitável. Vai trazer mais ratos, ter entulho muito grande dentro do espaço. É muito ruim também para saúde pública, que é um dos argumentos do Estado [para a retirada dos moradores]. Na verdade, não faz nenhum sentido, porque uma vez que você deixa um espaço com muito entulho, obviamente vai gerar problemas também com contaminações e várias coisas desse tipo”, explica.

Além da destruição física, o processo tem sido marcado por repressão. “É uma forma de tirar a dignidade das pessoas. Carros não estão conseguindo entrar na comunidade. Uma pessoa passou mal e não conseguiu que a ambulância entrasse. As peruas escolares não estão conseguindo pegar as crianças para que elas vão à escola de manhã. Há uma tentativa de minar a sobrevivência, o bem-viver das pessoas para que elas aceitem esse acordo e saiam”, denuncia Amparo.

Acordos frágeis e financiamento inviável

O governo estadual oferece aos moradores unidades habitacionais da CDHU ou um auxílio-aluguel de R$ 800. Para a pesquisadora, essas propostas são completamente desconectadas da realidade das famílias do Moinho, e até da cidade: “simplesmente não existe essa oferta no centro de São Paulo”, ressalta.

“As condições para se obter essa moradia, essa habitação através do programa da CDHU, é muito acima das possibilidades das pessoas que estão ali e que vivem no Moinho. […] Inclusive, uma das denúncias dos moradores é que as pessoas foram assediadas a assinar contratos e a por já rendas que elas não têm”, afirma.

“Há um atropelo, uma vontade muito acelerada do estado de retirar essas pessoas dali em qualquer condição, sem realmente fazer um plano de habitação que seja interessante para uma demanda social. Essa necessidade de retirada imediata das pessoas é muito desumana e irresponsável, inclusive do ponto de vista da gestão pública”, sugere.

Amparo destaca que, além das dificuldades financeiras, o deslocamento dos moradores do centro de São Paulo tem impactos profundos em suas vidas. “A comunidade do Moinho ainda está acontecendo, as pessoas têm aquele território como seus lares, como seu espaço de convivência. Não faz sentido que eles entrem lá e comecem a demolir casas”, destaca.

Ela conclui com um alerta: “Acompanho a população em situação de rua, e é muito comum ouvirmos exatamente que as pessoas perderam suas casas porque não tiveram como fazer a sua manutenção”, diz. “A médio prazo, acredito que existe uma probabilidade gigantescas de boa parte dessa população acabar em situação de rua”.

Localizada na região central de São Paulo, entre os bairros da Luz e Campos Elíseos, a Favela do Moinho é uma das poucas comunidades ainda existentes na área central da capital. Há anos, enfrenta ameaças de remoção por conta de interesses imobiliários e projetos urbanísticos. A proposta mais recente do governo de Tarcísio é transformar o terreno em um parque, a cerca de um quilômetro de onde a gestão pretende transferir a sede administrativa do governo.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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