Com contratos milionários de aluguel de veículos, Saúde de Sorocaba mantém carros e ambulâncias empoeirados e sem uso em pátio


Também há veículos com trincas no para-brisa e lanternas e ausência de frisos laterais. Motoristas reclamam de condições de trabalho. Recentemente, os problemas foram levados ao MP e também ao Poder Legislativo. Prefeitura nega irregularidades. Ambulâncias estacionados no Mercado Distrital, em Sorocaba (SP)
Marcel Scinocca/g1
O gerenciamento da frota da Secretaria de Saúde de Sorocaba (SP) apresenta indícios de irregularidades, principalmente com aluguéis. Os servidores públicos municipais que atuam como motoristas também reclamam das condições de trabalho, escala de horário e salários.
Recentemente, as denúncias foram feitas ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), ao Poder Legislativo e também à prefeitura, que nega irregularidades (confira abaixo).
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O MP-SP recebeu denúncia anônima sobre problemas na gestão da frota em junho de 2023. A instituição não informou se o procedimento foi concluído. O caso chegou à Câmara de Sorocaba, em uma denúncia feita à vereadora Fernanda Garcia (PSOL). Os motoristas também afirmam que denunciaram a situação ao 156, ouvidoria da prefeitura.
O g1 acompanha a situação desde agosto de 2023. Neste período, a reportagem colheu depoimentos de servidores, além de ter recebido registros e flagrado irregularidades com a frota. Há veículos com o para-brisa trincado, trincas nas lanternas, ausência de frisos laterais, alem de estarem empoeirados e sem uso (veja abaixo).
Para-brisa, lanterna e barra de proteção: veículos alugados pela Prefeitura de Sorocaba (SP) precisam de manutenção
Arquivo Pessoal
“(…) A questão da manutenção dos veículos alugados que não fazem nem coisas básicas, como trocar lanternas quebradas, limpadores de para-brisa, pneu furado. Leva dias para consertar”, afirma um servidor.
Há ainda diversos registros de veículos com pouco ou nenhum uso. É o caso, por exemplo, de um carro, no valor de aproximadamente R$ 100 mil, que está parado na garagem, que fica em uma área anexada ao Mercado Distrital. Em um dos registros, o automóvel pode ser visto coberto por poeira. Alugado em junho do ano passado, o veículo chega a ficar meses sem rodar.
Mas ele não é o único. O local também guarda uma van, que custa mais de R$ 200 mil. Ela está parada no pátio desde outubro de 2023. O veículo foi doado para a Prefeitura de Sorocaba.
Veículo alugado pela Prefeitura de Sorocaba (SP) parada em galpão, sem uso
Arquivo Pessoal
Documentos obtidos pelo g1 mostram ainda que outros veículos alugados pela pasta ficam foram do espaço. Ao menos cinco desses veículos rodaram, em média, menos de 500 quilômetros no mês cada um. Eles têm custo unitário médio mensal de R$ 2,5 mil aos cofres públicos. Há casos em que esses carros ficam até dois meses sem serem abastecidos.
O g1 também teve acesso a documentos internos da Secretaria de Saúde de Sorocaba demonstrando que as escalas de trabalho beneficiam vans alugadas, enquanto que veículos doados ou próprios ficavam parados, ou rodam bem menos do que poderiam.
Essas vans ficam estacionadas no chamado “paredão”, no espaço que fica na lateral do Mercado Distrital. É o mesmo local onde ambulâncias do Samu ficaram paradas, sem uso, por pelo menos seis meses, em 2023, época em que estavam sem seguro.
“São ambulâncias doadas para nós. Elas estão no paredão, não estão usando elas e usando as terceirizadas, porque a terceirizada tem que usar porque está no contrato. Quanto paga o aluguel diário de uma ambulância dessa, sabendo que nós temos ambulância doada parada no paredão?”, questiona outro servidor.
Van parada em galpão da Prefeitura de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Licitação com aluguel de usados
Em 19 de julho de 2023, a Prefeitura de Sorocaba assinou um contrato de R$ 14,4 milhões, para 12 ambulâncias. Vários pontos chamam atenção na documentação do processo. Entre eles, o fato da permissão de as empresas fornecerem veículos usados.
Em um dos itens que fala sobre as especificações dos veículos, há expresso que seria permitido carros com até quatro anos de fabricação ou 200 mil quilômetros rodados. A substituição só deveria ocorrer após esses veículos apresentarem seis anos anos de fabricação ou 400 mil quilômetros de uso.
Aluguel mais caro que compra
A Prefeitura de Sorocaba foi questionada se ainda vê vantagens no aluguel ao invés de comprar ou adquirir esses veículos por meio de outras modalidades. Segundo a prefeitura, a ação é baseada em um parecer do Tribunal de Contas atestando a locação de veículos pelo serviço público como vantajosa.
Veículos da frota da Secretaria da Saúde de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
O questionamento levou em consideração algumas questões, como valor do aluguel em comparação com o preço de aquisição dos automóveis, tendo em vista que o processo licitatório teria de ser feito nos dois casos.
Ocorre que o contrato de locação de 12 vans, sendo seis delas com motorista, custou R$ 14,4 milhões por 24 meses. Com esse valor, daria para comprar 41 vans da mesma marca utilizada em Sorocaba, com 16 lugares.
No contrato de locação, a própria empresa apresentou gasto mensal de R$ 172 mil por mês com mão de obra. Ou seja, gasto total do contrato de R$ 4,1 milhões em dois anos. Ainda assim, daria para comprar 30 vans novas, avaliadas em R$ 350 mil cada.
Entre tantos outros contratos de aluguel, a prefeitura tem outra contratação para veículos de passeio, usado para o transporte de pacientes e de funcionários. O contrato é de dois anos, com valor de R$ 4,7 milhões, para 68 veículos.
Com esse valor, daria para comprar 53 veículos zero quilômetro. Em média, cada veículo alugado custa para a Prefeitura de Sorocaba R$ 2,5 mil por mês.
Veículos da frota da Secretaria da Saúde de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Servidores reclamam
Motoristas das ambulâncias brancas, que transportam pacientes até unidades de saúde ou mesmo de um local para outro, relatam que, em muitos casos, eles são obrigados a remover e acomodar os pacientes sem condições de mobilidade ou enfermos.
Em várias situações, são os munícipes que auxiliam os motoristas. “Nós tínhamos enfermagem que acompanhava, mas por conta da pandemia tirou e não voltou mais”, conta um motorista.
Outra reclamação está relacionada à escala de trabalho implantada pela gestão atual, o que, em tese, não permitiria a realização de horas extras. Segundo os motoristas, a situação se complica quando se observa os salários dos funcionários contratados por empresas terceirizadas, que chega a ser 80% maior.
Outro ponto relatado é que, enquanto os motoristas terceirizados realizam o transporte dos pacientes, os funcionários concursados ficam, em muitos casos, ociosos.
“Sabendo que os terceirizado da (…) que fazem os mesmos serviços nosso estão ganhando o dobro do nosso salário mais benefícios. Enquanto nós não dá nem R$ 2.600. É um absurdo”, reclama um dos motoristas.
Eles reclamam ainda sobre o gerenciamento dos itinerários, falta de organização no atendimento da Central de Ambulâncias e problemas com atendimento por telefone.
Ambulâncias da frota da Secretaria da Saúde de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
O que diz a Prefeitura de Sorocaba
Em nota, a Secretaria da Saúde de Sorocaba informou “que segue rigorosamente os trâmites administrativos e legais para o uso dos veículos, assim como realiza manutenções regularmente, conforme contrato, com o devido acompanhamento de fiscalizadores, com informação e notificação de qualquer desconformidade, sendo mensalmente encaminhado aos setores responsáveis”.
Quanto aos veículos alugados, a pasta alega que todos são utilizados e estão assegurados, além de passarem por manutenções. “Conta, inclusive, com parecer do Tribunal de Contas atestando a locação de veículos pelo serviço público como vantajosa”.
Ainda segundo a Saúde, mais de cinco mil pacientes utilizam os veículos mensalmente e os itinerários são planejados para proporcionar um transporte igualitário.
Referente à contratação de motoristas terceirizados, a secretaria afirma que foi optado pelo serviço devido à especificidade da categoria profissional de condutor de Transporte Coletivo de Passageiros, que não consta na atribuição dos motoristas da Prefeitura de Sorocaba.
Em relação à obrigação de motoristas terem de carregar pacientes, disse que desconhece a situação. Quanto à atribuição de motorista de ambulância Tipo A (Transporte Sanitário Eletivo) está na atribuição do profissional além de dirigir, fazer o translado do paciente da maca para cama ou leito, em que realmente se faz necessária ajuda do familiar.
Ana Paula Pereira de Melo, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Sorocaba, disse que há várias pautas relacionadas aos motoristas, não só da área da saúde. “Inclusive temos ofícios protocolados junto a prefeitura cobrando melhorias para categoria.”
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