2ª Conferência Estadual do Povo de Terreiro acontece a partir desta segunda-feira (12)

Após 11 anos de espera, será realizada a 2ª Conferência Estadual do Povo de Terreiro, em Porto Alegre (RS). No estado, 68 cidades já realizaram suas conferências municipais e escolheram seus delegados para participarem do evento que acontecerá no Hotel Embaixador (Rua Jerônimo Coelho, 354, Centro Histórico). O Rio Grande do Sul figura como um dos estados com a maior concentração de terreiros e casas de matriz africana do país (livre estimativa contabiliza 65.000).

A 2ª conferência acontece no mês que marca o maior desastre climático e sócioambiental do estado. De acordo com o Ministério da Igualdade Racial, aproximadamente 1,3 mil comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros foram afetados pelo desastre climático e ficaram sem acesso à água, energia e alimentos. Outros chegaram a ficar destruídos. Um mapeamento realizado pelo  Núcleo de Estudos de Geografia e Ambiente (Nega) e pelo Curso de Aperfeiçoamento Uniafro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) aponta que 650 terreiros tiveram perdas totais.

“A segunda conferência terá a função de, através das propostas e diretrizes, amenizar os impactos gerados durante os seis anos de golpe de Estado, que agravou com o crescimento do fundamentalismo religioso. Depois de muita luta conseguimos comprometer o governo com a pauta e, mesmo após seis adiamentos, conseguiremos realizar nossa segunda conferência, que promete ser tão histórica quanto a primeira”, afirma o babalorixá no Ilê Asé Iyemonjá Omi Olodô e coordenador nacional da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), Baba Diba de Iyemonjà.

Em entrevista ao programa Sobre nós, da TVE, a diretora de igualdade étnico-racial da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul, Sanny Figueiredo, afirmou que a realização da conferência, após mais de uma década de espera, é uma vitória. Ela explica que quando a atual gestão assumiu em 2023, a conferência já estava sendo articulada administrativamente. “Municípios se auto-organizaram porque tiveram conferencias que foram muito difíceis de acontecer. Porque a gente sabe da resistência de entender que quando se fala de povo de terreiro, se fala para além da religião, se fala de política pública para uma população inviabilizada”, expõe.

De acordo com a gestora, foi identificada uma série de situações, dentre elas a falta do previsão financeira para a conferência, o que acabou também travando o processo. “Não se faz política pública sem investimento financeiro. Precisamos pensar sério sobre isso e começarmos a correr atrás. Foi um processo sofrido, com várias etapas, adiamentos, até que entendêssemos como essa coisa pública é feita”. Segundo informou Figueiredo, duas emendas parlamentares, uma da deputada estadual Luciana Genro, e outra do deputado estadual Matheus Gomes, ambos do Psol, auxiliaram na organização da conferência.

“A conferência é um momento fundamental para os povos de terreiro, de discussão de políticas públicas e debate sobre o combate à intolerância religiosa. Tenho acompanhado muitos casos de racismo e intolerância com religiões de matriz africana, e inclusive venho realizando audiências públicas em diversas cidades sobre isso”, destaca Genro.

A parlamentar lembra, em 2023, o governo anunciou o cancelamento da conferência que ocorreria em dezembro naquele ano, faltando poucos dias, de forma arbitrária. “Então, em 2024 eu decidi destinar o valor para garantir que o evento iria acontecer, e finalmente irá ocorrer agora”, finaliza.

De acordo com levantamento cerca de 650 terreiros tiveram perdas totais, muitos ainda não se reergueram – Foto: Arquivo Pessoal

A luta contra o racismo religioso

Segundo aponta Baba Diba de Iyemonjà, a barreira a enfrentar sempre será o racismo institucional. “A falta de priorização da pauta racial e do racismo religioso impediram que as duas gestões governamentais de Ivo Sartori e Eduardo Leite sucessivamente considerassem a realização da Conferência do Povo de Terreiro como essencial para o enfrentamento do racismo estrutural e as diferenças e barreiras de acesso a direitos que ele traz”, aponta.

Para Yá Patrícia do Xangô, também conhecida como Mãe Patrícia, que teve seu terreiro em Feliz atingido pela enchente histórica, a importância dessa conferência está em construir políticas afirmativas e políticas públicas para a população de terreiro. “Construir políticas dentro da educação, da saúde, políticas sociais. Somos uma população invisibilizada, que gira dentro do mercado econômico no nosso estado. Somos uma população de um número muito expressivo, mas, ao mesmo tempo, não temos essa força que deveríamos ter em função de todo o racismo religioso”, avalia.

Conforme descreve a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, a conferência marca o início do processo de eleição do Conselho Estadual do Povo de Terreiro e tem como objetivo acolher as demandas das comunidades tradicionais de matriz africana e afro-umbandista, contribuindo para a formulação de políticas públicas voltadas a essa população.

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