Há 10 anos, PLACAR conheceu os métodos e a filosofia de Fernando Diniz

Há 10 anos, PLACAR conheceu os métodos e a filosofia de Fernando DinizFoto: Reprodução

Em sua edição de novembro de 2023, PLACAR exaltou a vitória do Dinizismo, como ficou conhecida a filosofia de jogo do técnico Fernando Diniz, campeão da Libertadores pelo Fluminense. Há dez anos, em março de 2014, a revista registrou seus primeiros passos na nova função, pelo Grêmio Osasco Audax. “Ex-jogador mediano, Fernando Diniz encontra a felicidade, se reinventa como treinador… E pode tirar o futebol brasileiro da mesmice”, anunciava o texto do repórter Breiller Pires. Na ocasião, aos 39 anos, Diniz fez uma promessa que seria cumprida: “Se eu for para um time grande, vou aplicar minha filosofia. Vou tomar porrada pra caramba se der errado, mas, por outro lado, o clube de ponta oferece mais estrutura e tem capacidade maior de seleção de jogadores. Não vejo nenhum fantasma.””

Na reportagem, Diniz se mostrava completamente entusiasmado na nova função. “O dia em que botei o apito na boca pra dar meu primeiro treino eu senti um prazer que a vida de jogador não me deu”, contou. “Eu valorizo a estética, o jogo bonito. Minha ideia sempre foi montar um time que jogasse bem e fosse competitivo.” Dois anos depois, ele levaria o próprio Audax ao vice-campeonato paulista de 2016.

Recém-formado em psicologia, Diniz negava relação entre a sua forma de vivenciar o jogo com qualquer tipo de frustração. “Já fui expulso mais de dez vezes. Falo muito palavrão”, contou. “Mas, quando estou irritado, não estou infeliz. Nunca pensei em largar a profissão.”

Dois atletas do Audax que foram ouvidos por Breiller Pires sobre Diniz acabariam também tendo sucesso na carreira: o volante Camacho, ex-Corinthians e Santos, hoje no Guarani, e o goleiro Felipe Alves, que passou pelo São Paulo e defende justamente o Fluminense de Diniz. “Nos outros times em que joguei, se um atleta recuava a bola para o goleiro, o técnico mandava parar o treino e dava esporro. Aqui é diferente.”, contou Alves,

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz o texto na íntegra, abaixo:

A lei de Diniz

Carrossel holandês ou tiki-taka? Audácia ou roleta-russa? Alegria com a bola no pé. Ex-jogador mediano, Fernando Diniz encontra a felicidade, se reinventa como treinador… E pode tirar o futebol brasileiro da mesmice

Breiller Pires

Bicões, sarrafos, chuveirinhos na área, mais força, menos técnica. Essa é a tônica dos jogos que marcam os campeonatos estaduais e o início de temporada no Brasil. Em São Paulo, porém, há uma exceção. Com toque de bola, ousadia, jogadas ensaiadas, rotatividade e ojeriza aos chutões, o Grêmio Osasco Audax desperta comparações – do carrossel holandês ao tiki-taka do Barcelona. Os jogadores apelidaram o estilo de “roda-gigante”, mas o mentor da revolução tática em Osasco rejeita paralelos. “Não copiei ninguém”, diz o técnico e ex-meia-atacante Fernando Diniz, 39. “Eu valorizo a estética, o jogo bonito. Minha ideia sempre foi montar um time que jogasse bem e fosse competitivo.” O Barça como espelho? Talvez o contrário… “Quando eu me lancei como treinador no Votoraty, o Guardiola estava começando no Barcelona. Meus times sempre jogaram dessa maneira.”

Diniz foi revelado pelo Juventus-SP, onde surgiu aos 9 anos, no futsal. “Fui melhor na quadra do que no campo”, conta. “O futebol de salão é mais tático. A margem para correção de erros é menor e a colaboração entre os jogadores, maior.” Embora tenha sido campeão paulista, carioca e mineiro nos gramados, Fernando Diniz realizou-se somente ao pendurar as chuteiras, cinco anos atrás. “O dia em que botei o apito na boca pra dar meu primeiro treino eu senti um prazer que a vida de jogador não me deu.”

Explica-se: “No futebol, os valores que eu prezo, meritocracia, lealdade, honestidade, oscilavam em torno do resultado. Treinador que cedia à pressão e cometia uma injustiça, a falta de interesse em ajudar as pessoas, jogadores tratados como máquinas… Isso me feria por dentro”. Um desses episódios Diniz viveu em fim de carreira, de volta ao Juventus, em 2008. No duelo contra o América de Rio Preto, o técnico José Carlos Fescina já havia feito duas mexidas quando o volante Vampeta, inconformado com a reserva, chamou o auxiliar, disse que entraria no lugar de Fernando Diniz e processou a substituição. Foi o último jogo de Vampeta como profissional. Ele e Diniz romperam a amizade dos tempos de Corinthians. E se reencontraram no time de Osasco, que é dirigido pelo pentacampeão, sem ressentimentos. “Minha primeira decisão como presidente foi mantê-lo como técnico para a série A do Paulistão. Confio no trabalho dele”, diz Vampeta.

No treino que PLACAR acompanha, depois do empate em 1 x 1 com o Palmeiras, no Pacaembu, Fernando Diniz dá bronca em Camacho, o jogador que mais distribui passes no campeonato. “Vai lançar pra quê? O que ele ia fazer com a bola lá do outro lado, sozinho? Toca perto, p…!” No dia a dia, os goleiros não jogam na linha só em rachão. Participam dos trabalhos táticos e dos coletivos. Uma posição crucial no esquema do técnico.

Felipe Alves, 25, o titular, jogou ao lado de Diniz pelo Paulista de Jundiaí, em 2007. Já mostrava habilidade com os pés – no treino, anotou gol de cavadinha da entrada da área. Em uma carona com o então meia-atacante, ouviu a promessa: “Se eu me tornar treinador, você vai ser o meu goleiro”. Na equipe de Diniz, o camisa 1 raramente dá chutão em tiro de meta e sempre é opção para a saída de bola. Os zagueiros sobem, os atacantes marcam e não há quem tenha receio de arriscar.

“Ninguém quis ser jogador pra ficar rebatendo bola. Para ter se tornado profissional, o cara um dia foi o melhor da escola, o melhor da rua, inclusive o defensor. Eu tento resgatar a pureza lá da origem, o sentimento de criança, que, no meu time, ele tem liberdade de reviver”, afirma o técnico. Trocando passes dentro da própria área, a roda-gigante de Diniz pode soar como roleta-russa ao torcedor mais afobado. “Existe o risco, assim como em tudo na vida. Mas tenho convicção de que é o melhor jeito de se alcançar a vitória.”

Formado em psicologia há um ano, Fernando Diniz começou a fazer terapia ainda na época de jogador. “Se não fosse técnico, eu seria psicólogo”, diz, retomando a crítica ao meio. “As pessoas não veem o lado humano no futebol, que é muito mais complexo que um sistema tático.” Para ele, seu mérito não é a audácia ou o método de treinamento, mas sim a capacidade de mergulhar na mente do atleta. “Time sem confiança é time fraco. Tenho uma comunicação íntima com os jogadores, vontade de estar perto, de ajudá-los. Quando um deles consegue melhorar como jogador e como pessoa, eu me sinto realizado.”

Apesar da terapia, Diniz nunca foi de engolir desaforo. Como jogador, não raro se desentendia com técnicos e colegas. Em 2001, no Fluminense, trocou socos em campo com o palmeirense Galeano. No ano passado, após ter sido expulso na vitória do Audax sobre o Noroeste, quebrou telhas do estádio Alfredo de Castilho, em Bauru. Seu histórico recente ainda inclui confusões com treinadores rivais, árbitros e repórteres. “Já fui expulso mais de dez vezes. Falo muito palavrão”, conta. “Mas, quando estou irritado, não estou infeliz. Nunca pensei em largar a profissão.”

O temperamento, segundo ele, não atrapalha seu relacionamento com os jogadores. Antes de abrir o treino à PLACAR, reuniu o grupo no vestiário e, aos berros e socos na porta, cobrou mais atitude. “Jogamos mal”, afirma, referindo-se ao empate com o Palmeiras, fora de casa. Diniz sonha alto. Quer levar o time pelo menos à segunda fase do Paulista. Nos primeiros dez jogos da competição, o Audax teve posse de bola superior a todos os seus adversários, incluindo Palmeiras e Santos, como visitante e dono de um elenco bem mais modesto. “Pouquíssimos times nos pressionam, porque a gente consegue sair da marcação da maioria.”

Oswaldo de Oliveira, amigo de Diniz desde o período em que o comandou por Fluminense, Flamengo e Santos, elogia: “Sempre conversei sobre futebol com o Fernando Diniz. Contra a gente [Santos], o empate de 1 x 1 foi injusto, ele mereceu ganhar. É um time que desgasta o adversário com o domínio de bola”. Mas também faz uma ressalva ao estilo de jogo que só admite o chutão como último recurso. “Uma forma inteligente de jogar, mas é mais fácil fazer isso no Audax, que não tem pressão. A `chinelada” lá não arde tanto como em nossos jogadores.”

Diniz discorda do técnico santista. “Futebol é resultado em todo lugar. Aqui não tem pressão da torcida, mas tem a de um cara que gasta um montão de dinheiro pra bancar o time”, diz, em alusão ao empresário Mário Teixeira, que comprou o Audax por 30 milhões de reais em 2013. “A maneira mais fácil de chegar ao gol é sair tocando a bola. Para mim, é o melhor pro futebol. Se eu for para um time grande, vou aplicar minha filosofia. Vou tomar porrada pra caramba se der errado, mas, por outro lado, o clube de ponta oferece mais estrutura e tem capacidade maior de seleção de jogadores. Não vejo nenhum fantasma.”

Antes do Audax, o mineiro de Patos de Minas comandou – além do Votoraty – Paulista, Botafogo e Atlético Sorocaba, todos do interior de São Paulo, arrebatando três títulos e dois acessos à série A. Recusou propostas de outros estados para terminar a faculdade e não se afastar da mulher e dos quatro filhos, um deles recém-nascido. Já chegou a estudar biologia e vestiu várias camisas. Preferia ganhar menos em time grande a ser estrela no baixo clero, até se encontrar com a prancheta na mão. “Queria que todo mundo sentisse o que eu sinto como treinador.” Sob a lei de Diniz, o bom futebol se sente acolhido.

Camacho – Volante “Na primeira semana de treino, com esse negócio de sair jogando atrás, eu vi aquilo e pensei: vai dar merda. Mas hoje a gente acredita plenamente na filosofia do professor Diniz. Fui formado no Flamengo, mas eu nunca tinha treinado tanto numa pré-temporada como treinei aqui. Com prática se chega à perfeição.”

Felipe Alves – Goleiro “Nos outros times em que joguei, se um atleta recuava a bola para o goleiro, o técnico mandava parar o treino e dava esporro. Aqui é diferente. Eu sempre tive qualidade pra jogar com os pés, mas hoje participo mais do jogo. Não fazemos nada na loucura. Nossa `roda-gigante” é reflexo de treinamento à exaustão.”

Roda gigante lidera nos fundamentos

Média do Audax Posse de bola (min.) – 18,5 Dribles – 24 Passes certos – 472 Faltas cometidas – 13

Média do Paulistão Posse de bola (min.) – 12,7 Dribles – 16 Passes certos – 258 Faltas cometidas – 19

Fonte: Footstats

Os segredos do Audax Como Fernando Diniz arma seu time em nome da “estética do futebol”

1. Atrai o adversário para o campo de defesa e aposta em enfiadas de bola. 2. Time arrisca muitos chutes de fora da área, ao contrário do barcelona. 3. Adianta a linha de defensores. “quanto mais rápido roubar a bola, melhor”, afirma diniz. 4. Zagueiros, volantes e laterais não têm medo de driblar. “rebatedor não joga comigo.” 5. Goleiro participa ativamente e desafoga o jogo com defensores bem abertos pelas pontas. 6. Jogadores trocam de posição a cada 10 minutos, em média, menos o goleiro…

Teoria da evolução Como jogador, ele gostava de time graúdo. Hoje, é mais feliz no banco do Audax

 

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