Escolha de papa dos EUA representa afronta a Trump, sugere cientista político

A escolha do novo papa Leão 14, primeiro estadunidense a ocupar o posto máximo da Igreja Católica, representa uma sinalização política contrária ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por parte do Vaticano. É o que avalia o cientista político Paulo Nicoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Segundo ele, a nomeação pode ser lida como uma resposta direta às políticas ultraconservadoras do seu governo.

“Eu tenho impressão de que a escolha de um norte-americano foi exatamente para fazer uma afronta ao presidente Donald Trump”, sugere Ramirez. “Hoje, o mais importante norte-americano deixa de ser Trump e passa a ser o novo papa. É uma forma de de colocar em pauta temas contrários às suas políticas anti-migração , às suas visões conservadoras, reacionárias, e à guerra de Gaza também, que de alguma forma tem o patrocínio norte-americano”, explica.

Ramirez lembra que, em momentos históricos anteriores, a escolha de líderes religiosos já foi usada como estratégia geopolítica. “A própria Igreja, durante a Guerra Fria, elegeu o Papa João Paulo 2º com a intenção de fazer uma afronta à União Soviética, já que ele era polonês, e a Polônia era um foco de resistência ao regime soviético devido ao forte catolicismo presente no país”, compara.

Na visão do cientista político, “a Igreja fez um posicionamento antifascista”. Mesmo com o receio de que o novo pontífice represente um consenso moderado entre alas conservadoras e progressistas, a ligação próxima com o papa Francisco e sua trajetória indicam uma continuidade da linha mais aberta ao diálogo, aos direitos humanos e à justiça social.

Robert Francis Prevost, o novo papa, já se posicionou contra a política anti-imigrantes do presidente dos EUA, Donald Trump. “Sua consciência não está perturbada?”, perguntou ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, parceiro de Trump na política de deportações em massa, com quem se encontrava na Casa Branca.

Apesar disso, Trump comemorou o resultado. “Que emoção e que grande honra para o nosso país”, publicou o presidente nas redes sociais. Antes do conclave, o presidente postou uma imagem sua, feita por inteligência artificial, vestido de papa. A provocação teria causado indignação dentro da Igreja.

Em guerra contra STF, bolsonaristas preparam terreno para 2026

Durante a entrevista, o cientista político também comentou o novo episódio da crise entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), iniciado com a aprovação, por parte dos parlamentares, da suspensão do processo contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), investigado por participação na trama golpista de 8 de janeiro de 2023.

Para Ramirez, trata-se de mais uma tentativa da bancada bolsonarista de blindar seus aliados e criar obstáculos ao avanço das investigações sobre os ataques à democracia. “Eles tentam jogar esses políticos para instâncias inferiores, para retardar decisões. Estão preparando terreno para 2026, criando discurso de vitimismo, como se fossem ingênuos, quando na verdade são responsáveis pela tentativa de golpe”, pontua.

Segundo o professor, o julgamento desses casos precisa ser feito pelo STF justamente por envolver a soberania nacional e a estrutura do Estado. “Não faz sentido querer retirar a prerrogativa do STF. É preciso que o Estado se faça soberano e proteja as suas próprias instituições de modo que penas pesadas são merecidas aos bolsonaristas”, disse, ao criticar propostas de anistia.

Ele afirma que o bolsonarismo representa mais que uma posição política. “É uma distorção da realidade, um distúrbio psicológico mental. […] É preciso que o bolsonarismo seja criminalizado porque ele põe em risco a harmonia do funcionamento da democracia, a existência de grupos minoritários, do jornalismo livre”, defende.

Extrema direita domina redes e governo Lula falha na comunicação

Ramirez ainda falou sobre os recentes ataques digitais ao governo do presidente Luz Inácio Lula da Silva (PT), como o vídeo publicado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que acusa o Executivo de “roubar aposentadorias”, ao espalhar desinformações relacionadas ao esquema de fraudes em descontos de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“É uma hipocrisia tremenda. Esse mesmo Nikolas, que ovaciona [o ex-presidente Jair] Bolsonaro, esquece de dizer que essas práticas começaram no governo anterior”, rebate. “A extrema direita é muito hábil nas redes sociais. Mesmo quando não diz a verdade, consegue emplacar narrativas”, afirma. Para o professor, o que o deputado faz são “molecagens virtuais”, apoiadas pelo algoritmo das redes sociais.

Ele ressalta que os problemas detectados em ministérios, como os descontos indevidos em aposentadorias, não podem ser diretamente atribuídos à figura do presidente, mas são utilizados politicamente pela oposição. “É uma estratégia da extrema direita que Nikolas Ferreira usa a fim de tentar concorrer à presidência no futuro, provavelmente em 2030”, sugere.

Para o cientista político, o governo precisa reagir com mais agilidade na comunicação. Ele vê uma demora nas respostas e um desconhecimento de como lidar com as redes. Se continuar assim, acredita que a gestão corre o risco de ver cada vez mais a sua popularidade corroída por fake news e manipulações.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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