O tempo da arte, o tempo do desejo: tudo pode perder-se

Foto: Flávia Dalla Bernardina

Eu estava na sala de espera, aguardando meu filho numa atividade extracurricular. Computador no colo, celular na mão. Preciso aproveitar esse tempo em que o aguardo para responder mensagens, liberar e-mails, despachar pendências. Não devo deixar nada para amanhã, porque outras demandas virão e o acúmulo se torna angústia.

O uso das horas é otimizado para a manutenção da produtividade nas salas de espera dos consultórios, na hora da “pausa” para o café, no engarrafamento do fim do dia. Não há tempo a perder, pois ao que parece o tempo já está perdido, o dia já tem menos que 24 horas e as horas da semana se confundem.

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Tempo e a busca por ser produtiva

A busca por ser produtiva, denuncia que nos tornamos o produto empacotado pelos algoritmos e entregue às superfícies das telas. E o pior, pagando por isso com dinheiro e saúde mental.

Nessa mesma sala de espera, aguardando meu filho e respondendo mensagens pelo celular, encontro uma pessoa que há tempos não via.

Conversamos rapidamente sobre projetos e o tempo para alcançar algumas coisas. E ela, que também é psicanalista e atende mulheres com dificuldades de engravidar – para falar de espera e angústia – me solta essa: “o tempo do desejo é outro”.

Essa frase me encontra como uma flecha apontada para esse lugar que busco cultivar: o tempo da arte, que não nega, nem adere, mas propõe um outro caminho possível, que sabe esperar e ver uma certa beleza nisso.

Que se reconhece no processo de fazer e, portanto, não busca reconhecimento, não esse de holofotes ou prêmios, mas aquele encharcado de sentido e da possibilidade de elevar a frequência do meio.

O tempo da arte, assim como o tempo do desejo é um longo caminho curto, parafraseando o rabino Nilton Bonder, fundado por um pavimento que se materializa no movimento desvinculado de fórmulas, métricas ou resultados. Um chão que se faz presente, na medida em que se caminha.

Ele é sofisticado não porque é melhor, mas porque exige verticalidade, profundidade e uma certa insatisfação, para assim dar o próximo passo.

Nem tudo é para ontem, nem mesmo para amanhã. Estar em dia, hoje, com o tempo da arte, já está de bom tamanho. O desejo agradece e nossa saúde também.

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