A Polícia Civil realizou, nesta quinta-feira (30), a prisão do segundo acusado de participar do ataque armado ao assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Tremembé (SP). Ítalo Rodrigues da Silva estava foragido desde a noite do crime, no dia 10 de janeiro de 2025. O ataque resultou na morte de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, de 52 anos, e Gleison Barbosa de Carvalho, de 28 anos. Outras seis pessoas foram baleadas.
“Ele foi ouvido e está preso preventivamente”, informa o delegado Vinicius Garcia, titular do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) de Taubaté (SP), unidade responsável pela investigação do caso. O acusado estava acompanhado de um advogado quando se apresentou à polícia.
Silva é filho de Antônio Martins dos Santos Filho, conhecido como Nero do Piseiro, o prim;beiro a ser identificado pela polícia. Nero foi detido em 11 de janeiro, um dia após o crime. Os outros dois envolvidos, Geonatas Martins Bispo e Gilson da Silva Santos, seguem foragidos. Todos são moradores da região de Tremembé.
O caso
Por volta das 23h do dia 10 de janeiro de 2025, um grupo de homens armados chegou perto da cerca de um dos lotes do assentamento Olga Benário. Quando os sem-terra se aproximaram, foram alvejados por diversos disparos. De acordo com as vítimas, os agressores estavam em pelo menos cinco veículos.
Valdirzão, uma das vítimas, era o coordenador do assentamento Olga Benário e uma das mais importantes lideranças do MST na região do Vale do Paraíba.
Em novembro de 2024, ele recebeu em seu lote a visita de Ítalo Rodrigues da Silva, filho de Nero do Piseiro. Na conversa, Silva teria dito a Valdirzão que “comprou” uma área vaga dentro do assentamento e iria ocupá-la. O terreno é um dos 45 lotes do Olga Benário e tem cinco mil metros quadrados. De acordo com o movimento, a área pode valer até R$ 7 milhões.
O coordenador do MST teria explicado que a área não pode ser comercializada e nem ocupada por terceiros, pois pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que o movimento aguardava um parecer do órgão sobre quem deveria ocupar o terreno.
O artigo 189 da Constituição Federal estabelece que os lotes em assentamentos da Reforma Agrária não podem ser negociados pelo prazo de dez anos, mesmo que o beneficiário já tenha recebido título de posse da área. A venda de forma irregular pode ser considerada crime de estelionato e infração administrativa.
No dia 9 de janeiro deste ano, a coordenação do assentamento foi alertada por alguns assentados de que havia uma movimentação inesperada dentro do lote. Valdirzão convocou um grupo de integrantes do MST para ir ao terreno e notou que a bomba e o encanamento do poço artesiano que abastece o assentamento e irriga as lavouras haviam sido furtados.
Além do furto, os sem-terra notaram que a casa que ficava no lote estava sendo reformada. Novas janelas já tinham sido instaladas e havia entulho de obra espalhado pelo terreno.
O grupo de assentados, formado por 15 pessoas, entre elas crianças e mulheres, decidiu esperar o invasor para cobrar explicações. No dia seguinte, passava das 16h quando Silva surgiu em uma caminhonete e subiu o barranco que separa a cerca da propriedade da casa onde estavam os sem-terra.
Quando se encontram, segundo os sem-terra, a conversa foi tensa. Mais uma vez, Valdirzão avisou Silva sobre o lote não poder, por lei, ser ocupado sem a indicação e supervisão do Incra e o questionou sobre o furto da bomba que deixou o assentamento sem água. Irritado, o invasor partiu, mas prometeu retornar.
Diante da ameaça, os sem-terra mantiveram vigília no local. Horas depois, por volta das 23h, ocorreu o ataque. Os sobreviventes relatam aos policiais que entre os homens armados estavam Ítalo e Nero do Piseiro, que foi detido em flagrante no bairro Santa Tereza, em Taubaté (SP), cidade vizinha a Tremembé.
No dia 18 de janeiro, oito dias após o ataque ao assentamento, o MST organizou um ato em homenagem às vítimas, no Centro de Eventos de Tremembé. Com intervenções lúdicas, falas de militantes, autoridades políticas e religiosas, o ato ressaltou que o episódio não é um fato isolado, mas uma expressão “vil e covarde” de um cenário amplo de invasões criminosas de assentamentos da reforma agrária com interesses imobiliários.
Na ocasião, Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, demostrou a insatisfação com as investigações até aquele momento. “Nós queremos não só a celeridade no processo, mas que se investigue a fundo os principais responsáveis, os mandantes daquilo que ocorreu aqui”, disse.