O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) cobrou explicações à Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) sobre o “agravamento preocupante” das condições de atendimento do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP). O ofício do MP, enviado na última sexta-feira (25), destaca que o hospital psiquiátrico localizado em Taguatinga, região administrativa do DF, registrou duas ocorrências de morte de pacientes nos últimos quatro meses: Raquel França, de 24 anos, que morreu no hospital na noite da Natal, e Eva de Oliveira, de 52 anos, encontrada morta no banheiro da instituição na madrugada do dia 22 de abril.
O documento também aponta recorrentes falhas na triagem de pacientes, acolhimento inadequado de pessoas com comorbidades não compatíveis com a estrutura do hospital, uso indevido de contenções físicas e precariedade nas condições de internação. A Secretaria tem 10 dias para prestar esclarecimentos sobre as mortes, informar sobre o perfil clínico e o tempo de permanência de todos os pacientes internados no HSVP e apresentar um plano de ação detalhado para a construção de 15 novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e um relatório técnico sobre a eficiência da implementação do protocolo de atendimento psiquiátrico da instituição.
O MPDFT afirma que as mortes das pacientes internadas no hospital sugerem “falhas no protocolo assistencial, na avaliação clínica inicial e na supervisão das condutas adotadas pela equipe de saúde”.
“É obrigação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial o seguimento rigoroso de protocolos de triagem e classificação de risco clínico, garantindo a adequada avaliação da condição física dos pacientes no momento do acolhimento, especialmente quando houver sinais de intercorrência médica. A manutenção de internações em desacordo com tais parâmetros compromete a segurança e a dignidade dos pacientes, além de expô-los a riscos evitáveis”, afirma o ofício enviado à SES-DF.
Raquel França morreu no HSVP após ser medicada em razão de uma crise convulsiva. Relato obtido pelo Brasil de Fato DF afirma que a jovem foi amarrada à cama e não foi monitorada adequadamente após a medicação. De acordo com relatório de inspeção realizada no hospital em janeiro, há “fortes indícios” de que Raquel foi vítima de “condutas prejudiciais e desassistência”.
Já Eva de Oliveira foi encontrada morta por outra paciente em um banheiro do HSVP, quatro dias após dar entrada na instituição com um quadro de desequilíbrio de potássio e de inanição. Apesar de ser uma condição potencialmente grave, o hospital considerou que a paciente poderia continuar sendo monitorada no local, sem encaminhamento para emergência. A causa da morte ainda está sendo investigada.
Para justificar os pedidos à SES-DF, o MPDFT ressalta que os princípios da reforma psiquiátrica brasileira, instituída pela Lei nº 10.216/2001, vedam o funcionamento de instituições manicomiais e determinam a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por serviços comunitários e territorializados, a exemplo dos CAPS, residências terapêuticas e leitos psiquiátricos em hospitais gerais. A internação psiquiátrica só deve ser considerada caso todos os recursos extra-hospitalares sejam insuficientes.
O DF tem uma das piores coberturas de Caps do país, contando com apenas 18 serviços desse tipo. Segundo a 13ª edição do relatório Saúde Mental em Dados, divulgado pelo Ministério da Saúde neste ano, o indicador de cobertura de Caps por 100 mil habitantes no Brasil é de 1,17, enquanto no DF esse índice é de 0,55, o segundo pior do país, ficando atrás apenas do Amazonas (0,49).
Além disso, o DF conta com apenas uma Residência Terapêutica – moradia destinada ao tratamento assistido de pacientes que necessitam de suporte contínuo à saúde mental, para onde, segundo o relatório de diligência do HSVP, Raquel França deveria ter sido redirecionada, já que residia no hospital.
TCDF acata pedido de auditoria no HSVP
Na quarta-feira (24), um dia após a segunda morte no HSVP, o Tribunal de Contas do (TCDF) acatou a um pedido de auditoria na instituição. O pedido foi feito pelos deputados distritais Gabriel Magno (PT-DF) e Fábio Felix (Psol-DF) e pela federal Erika Kokay (PT-DF).
Em março, os mandatos entregaram o relatório de diligência realizada no hospital ao TCDF. O pedido de auditoria pede que o tribunal apure irregularidades, indícios de negligência e falhas assistenciais no HSVP.
O relatório apresentado ao órgão aponta que no hospital há manutenção de modelo manicomial com práticas de contenção física, medicalização excessiva e institucionalização prolongada; descaso estatal quanto à implementação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e à desinstitucionalização; e condições de atendimento indignas e violação reiterada de direitos fundamentais das internas.
“É inadmissível que, em pleno 2025, ainda se mantenha um hospital psiquiátrico funcionando sob a lógica manicomial, segregadora e desumana. Seguiremos cobrando respostas! O cuidado em saúde mental deve ser feito com dignidade, liberdade e respeito à vida!”, defendeu Magno.
:: Receba notícias do Distrito Federal no seu Whatsapp ::