Brasil retoma voos diretos para a Venezuela e expectativa é fomentar economia e turismo

Brasil e Venezuela anunciaram nesta segunda-feira (28) a retomada dos voos diretos entre São Paulo e Caracas a partir de 5 de agosto. Ao todo, serão 4 voos semanais de ida e volta. A medida representa a retomada da conexão aérea entre os dois países depois de 8 anos.

A retomada foi celebrada pela diplomacia brasileira. Para diplomatas brasileiros em Caracas, a volta da conexão aérea representa não só uma melhoria nas relações comerciais entre os dois países, mas ajuda também nas relações políticas.

Para o advogado venezuelano Rodolfo Ruiz, especialista em direito aeronáutico, a retomada dos voos é uma medida “positiva” já que vai ampliar a conexão dos venezuelanos com outros países, especialmente na América do Sul.

“A Venezuela tem hoje uma carência muito grande de conexão, principalmente com o sul do continente. Não temos voos para Argentina, Chile, Paraguai e Brasil, países com uma comunidade venezuelana muito grande. Isso leva a uma demanda expressiva que até agora estava reprimida. É uma medida muito positiva, porque São Paulo tem essa conectividade importante com esses outros países”, afirmou ao Brasil de Fato.

A Venezuela hoje é um dos destinos mais isolados do mundo. O país tem voos diretos para Cuba, Bolívia, Colômbia, Santa Lúcia, Curaçao, Turquia, Portugal, Espanha, Rússia e China.

Essa conexão foi impactada pelas eleições presidenciais do ano passado. Em julho, a Venezuela fazia cerca de 181 voos internacionais por semana, tanto de entrada como de saída. Depois do pleito que teve Nicolás Maduro como vitorioso para um terceiro mandato, passaram a ser 98 voos a menos, tendo um total de 83 voos por semana. Isso representou uma queda de 15 mil passageiros por semana. A companhia aérea Latam, que na época deixou de operar no país, voltou em 2025 a ter voos para Bogotá, o que fez a média de voos semanais subir para 100 em maio.

Depois das eleições, um bloco de 10 países governados pela direita criticou a divulgação dos resultados. Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai passaram a emitir notas para contestar o pleito, o Ministério das Relações Exteriores venezuelano chamou essa articulação de “novo Grupo de Lima” e anunciou o rompimento das relações e a suspensão dos voos para esses países. 

A Venezuela cancelou esses voos por meio de um Notam (Notice to Airman, na sigla em inglês). A medida tinha validade de 1 mês a partir de 31 de julho e foi renovada no final de agosto. Em resposta, o Panamá também emitiu um Notam, mas com validade de 3 meses, até o final de novembro. Os voos entre os países ainda não foram retomados.

O Notam é uma mensagem que pode ser emitida pelas autoridades de aviação dos países para determinar mudanças temporárias nas operações aéreas. A restrição sobre voos é uma das medidas que pode ser usada por um país. Essas determinações são válidas por até três meses.

Para Ruiz, o retorno dos voos para o Brasil dá também uma sinalização para outras companhias aéreas que pretendem retomar os voos para a Venezuela. De acordo com ele, a Gol é uma empresa reconhecida fora do país, e a atuação no país dá “credibilidade e confiança” de que as operações podem ser feitas de maneira formal.

“Essa retomada passa uma mensagem positiva e isso incentiva outras companhias, já que as empresas acabam usando umas às outras como referência. Há uma restrição para um ou outro país ainda, mas, de resto, é uma medida que parte muito das companhias aéreas”, disse.

A retomada dos voos atende a uma demanda de venezuelanos que vivem no Brasil. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mais de 500 mil venezuelanos vivem em território brasileiro hoje.

Outro ponto importante para a Venezuela é o impulsionamento do turismo. No caso brasileiro, os voos serão reabertos justo no período de alta temporada, agosto, férias escolares venezuelanas. Para o lado de Caracas, haverá como principal vantagem o recebimento de brasileiros que têm interesse em fazer viagens para o Caribe e a amazônia venezuelana.

Ruiz indica que, para isso, é preciso um trabalho mais forte do governo venezuelano em promover locais turísticos nacionais. Segundo ele, há uma visão muito negativa da Venezuela em outros países e o turismo não é visto como uma opção.

“A tendência é registrar um aumento no turismo, mas há um estigma muito forte em torno da Venezuela. As pessoas pensam que a situação do país é uma, mas a realidade é completamente diferente. Reverter essa ideia vai demandar muito trabalho do governo venezuelano, mas é importante e tem resultado no turismo”, afirmou.

Alguns destinos turísticos que antes eram muito frequentados por brasileiros vivem a expectativa de retomar esses voos. O arquipélago de Los Roques, no mar do Caribe, e o Parque Nacional de Canaima, na amazônia venezuelana, são dois dos roteiros mais visitados por turistas na Venezuela e podem aumentar a frequência com os brasileiros.

A ilha Margarita é um dos destinos com maior interesse e já teve uma forte presença de brasileiros no passado. Agora, o local recebe turistas russos e árabes, principalmente pela facilidade dos voos diretos que existem entre Moscou e Caracas.

As operações serão feitas pela companhia aérea brasileira Gol e os voos terão duração de 6 horas. No site da empresa, as passagens estão custando em média R$ 3.700 reais, ida e volta. Outro benefício para a Venezuela é a arrecadação de impostos. O aeroporto Internacional de Caracas cobra uma taxa para passageiros paga pelas companhias aéreas. Cada bilhete comprado para sair do país tem uma taxa extra de US$ 72 (R$ 400), incluídas nas passagens. Com 4 voos semanais, o valor arrecadado pelas empresas aéreas que fazem essa operação será maior.

Histórico de voos

Os dois países tinham uma frequência de voos até 2016. Aquele ano ficou marcado pelo golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, que deu lugar para Michel Temer assumir. Com ele, as relações diplomáticas entre Caracas e Brasília foram rompidas. Maduro não reconheceu o governo de Temer e a tensão se agravou depois da eleição do chavista em 2018. O Brasil não reconheceu os resultados e fechou a embaixada brasileira em Caracas. Em resposta, o governo venezuelano também fechou a sua representação diplomática em Brasília.

Com isso, companhias aéreas como a Gol e a Latam, que já operavam poucos voos, suspenderam totalmente a conexão. A estatal venezuelana Conviasa manteve alguns voos para Boa Vista, a capital brasileira mais próxima da fronteira. Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, a tensão entre os países aumentou e, no ano seguinte, os Estados Unidos aplicam sanções contra a Conviasa, o que dificultou ainda mais as operações internacionais da empresa.

A partir desse momento, as viagens do Brasil para a Venezuela passaram a depender de escalas no Panamá, Colômbia, Peru, Chile e até Estados Unidos a partir de empresas como a Copa Airlines e a Avianca. Depois da pandemia de covid em 2020, todos os voos foram interrompidos e a retomada parcial se deu em 2021.

A partir daquele momento, a Conviasa passou a operar voos que ligavam Puerto Ordaz a Manaus. Em 2023, o governo Lula retomou as relações com a Venezuela e colocou a retomada dos voos como um dos objetivos nas relações com Caracas. Naquele ano, a estatal venezuelana abriu voos de Caracas a Boa Vista, mas de maneira irregular, sem uma periodicidade.

Nos últimos dois anos, as opções foram voos para Peru, Chile, Panamá e Colômbia, que faziam uma ligação com Caracas.

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