O que deveria ser uma noite de festa e diversão, aos poucos foi se tornando um momento de dor e angústia. Em 20 de julho de 2014, enquanto retornava de uma noite de programação da tradicional Exposição Centro Nordestina de Animais e Produtos Derivados, a Expocrato, o jovem Eduardo Vieira David Dutra, conhecido como Eduardo Café, foi brutalmente assassinado. De acordo com informações divulgadas na época do crime, o jovem teria sido vítima de três disparos, que saíram de dentro de um carro modelo Hilux.
Segundo as investigações, Eduardo havia sido seguido pelo veículo até sua casa, quando foi interceptado pelo mesmo e o crime foi realizado. Mesmo sendo encaminhado para o serviço de emergência, o jovem não resistiu aos ferimentos e foi a óbito pouco tempo depois de ser atingido. Além de Eduardo Café, outro jovem identificado como Luesley Alencar Santos, que pilotava a moto no momento dos disparos, também foi atingido, mas sobreviveu. Nenhuma das vítimas tinha qualquer antecedente criminal, de acordo com informações da polícia.
Em 2020, quase seis anos após o ocorrido que tirou a vida do jovem de 19 anos, o acusado pelo crime teve sentença de impronúncia, ou seja, não haviam elementos suficientes de provas para comprovar a responsabilização do crime e levar o acusado a Júri Popular. No mesmo ano, em junho de 2020, a assistência de acusação do Ministério Público entrou com recurso de apelação, julgado somente quatro anos depois, em setembro de 2024, quando a 2ª instância reverteu a decisão de 1º grau e pronunciou o acusado do crime, Ismael Almeida de Oliveira.
Em entrevista ao Brasil de Fato Ceará, Lívia Nascimento, advogada responsável pelo caso informou que após o recurso de apelação contra a sentença de impronúncia de 2020, em 2024 a segunda instância reverteu a situação de impunidade. “Os desembargadores reconheceram que as provas nos autos são indícios suficientes de autoria para ensejar o julgamento do réu Ismael Almeida de Oliveira perante o Tribunal do Júri, que tem competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida”, aponta.
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Com a sentença de pronunciamento do réu, os advogados dos acusados recorreram na justiça por meio de embargos de declaração, quando foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE). Já este ano, o réu apresentou o Recurso Especial para ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que segue ainda sem o julgamento do órgão máximo do Poder Judiciário do Brasil. Após o julgamento do recurso, se mantida a decisão de pronunciamento do caso, o réu segue para o Tribunal do Júri Popular, onde pode ser condenado por homicídio, juntamente dos demais réus envolvidos, que por sua vez, deverão ser condenados pelo crime de falso testemunho.

Depois de quase 11 anos do crime, ainda se ouve o clamor por justiça de quem nunca deixou a memória de Eduardo se perder no tempo dos arquivos judiciais. “É revoltante saber que quem fez isso com ele ainda continua vivendo a sua vida enquanto destruiu uma família toda. A justiça não o trará de volta, mas irá aliviar um pouco os nossos corações”, ressalta Maria Eduarda, irmã da vítima. Desde 2014, a família de Eduardo Café juntamente com populares, amigos e movimentos sociais realizaram diversas manifestações reivindicando justiça pelo assassinato do jovem e clamando para que as autoridades competentes pudessem resolver o caso da forma mais rápida possível e sentenciando os acusados.
Lorena Lima, prima da vítima, relembra o dia do ocorrido, e conta a dor angustiante vivida pela família no momento em que receberam a notícia, ainda durante a noite e o luto nos dias que se seguiram. “A gente lembra que o pai do acusado do assassinato de Eduardo foi ao velório dele, e já estávamos vivendo um trauma gigantesco e fomos violentados ainda mais com a presença de quem estaria acobertando um crime naquele momento. Então ficamos muito assustados com esse nível de crueldade dessa figura”, relata.
Em outro momento da entrevista, Lima destaca que por diversas vezes o caso do jovem esteve próximo do arquivamento, e por meio de mobilização externa a partir da construção de um pedido formal de anulamento do arquivamento entregue diretamente para a Ouvidoria do Estado do Ceará, o caso foi reaberto novamente e as investigações continuadas.
Já organizada em movimento social e militante do movimento negro na cidade e região naquela época, Lima ressalta ainda que já tinha consciência do genocídio da população negra, mas ver acontecer com Eduardo, seu primo, era como se estivessem tirado um pedaço de si. “A gente tem fé que a partir da mobilização, que a partir da nossa resistência dentro desses 11 anos, a gente vai ser vitorioso no que diz respeito à punição desses crimes. Chega de genocídio, chega de escravização contemporânea”, declara.
Motivação do crime
De acordo com as investigações, durante a festa naquela noite, o grupo de amigos formados por Ismael Almeida de Oliveira – acusado pelo homicídio, Renan Oliveira Nunes, Alisson Hondinelle Oliveira Amorim, Rafael da Silva Sousa, Francisco Bruno Caçula da Câmara, Yara Barros Muniz, Brunna Ferreira de Alencar, Renatha Ferreira Bezerra de Carvalho, todos acusados de falso testemunho, entraram em conflito com o grupo de amigos de Eduardo. Na tentativa de separar o conflito e apaziguar a relação entre os grupos, o jovem Eduardo foi retirado do evento pela segurança, juntamente do acusado pelo crime.
Após ser retirado do evento, na volta para casa, na companhia de Luesley, foi quando os disparos ocorreram. Toda a investigação envolve documentos que mostram fotos do carro de um dos acusados no mesmo percurso e horário feito por Eduardo. O rastreio telefônico dos acusados também demonstra o trajeto e horário realizados por Ismael e seu amigo. Há ainda diversos registros telefônicos entre Ismael, sua companheira e amigos entre os horários próximo ao óbito de Eduardo e após. Ainda foi comprovado que a Hilux recentemente comprada na época pelos pais do acusado que deu carona a Ismael, foi vendida logo após a denúncia. Tudo isso e outras questões foram levantadas pelo Ministério Público, enquanto órgão acusador, e reforçados pela assistência à acusação, representado pelo pai da vítima.
Genocídio da juventude negra
O Atlas da Violência 2024, que apresenta os dados de mortes por homicídio no país em 2022, revelou que 46.409 pessoas foram assassinadas no Brasil naquele ano. Desse total, 49,2% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos, cerca de 23 mil jovens que tiveram suas vidas ceifadas prematuramente, uma média de 62 jovens assassinados por dia no país. Além disso, outro dado alarmante é de que entre as 46.409 mil vítimas, 76,5% são de pessoas negras.
O alto índice de morte de jovens negros é uma das grandes preocupações do movimento negro nacional, por isso a reivindicação por direitos básicos inclui a valorização da vida da população negra por meio de políticas públicas que garantam o exercício pleno da cidadania e uma vida digna, além da luta por justiça e reparação.
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