‘Perdemos um avô, mas herdamos sua esperança’, diz sacerdote do Recife que prevê papa moderado

O Vaticano divulgou, nesta segunda-feira (28), que o conclave para a escolha do próximo papa da Igreja Católica terá início na quarta-feira da próxima semana, 7 de maio. O próximo pontífice precisará de dois terços (89 votos) dos 135 cardeais que participarão do encontro, que não tem prazo para terminar. O conclave acontece pouco mais de duas semanas após a morte do argentino Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, único sul-americano a ocupar o posto máximo na Igreja.

No Recife, o padre Fábio Potiguar, integrante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Instituto Dom Hélder Câmara (Idhec), acredita que o próximo papa não será um conservador. “A maioria dos cardeais foram escolhidos por Francisco, então acho que vai ser um perfil mais próximo ao dele. O tradicionalismo dos conservadores não conseguiria formar uma maioria entre os caderais”, avalia o padre, em entrevista ao Brasil de Fato. “Somos a Igreja da pluralidade. Essa diversidade para mim é muito nítida”, completa.

Potiguar ressalta a importância de que o novo papa mantenha o compromisso com o Concílio Vaticano 2º, encontro realizado em 1962 pelo papa João 23 com o objetivo de modernizar a Igreja Católica. Os concílios eram espaços que produziam documentos focados em condenações morais sobre heresias, mas o Vaticano 2º deu centralidade em orientar a Igreja para assumir um papel mais ativo na sociedade, buscando atuar sobre problemas sociais e econômicos. “Acho que virá alguém moderado. E quem sabe seja alguém que faça avançar nas pautas do Concílio Vaticano 2º, como fez o papa Francisco”, diz o padre.

Ainda sobre o perfil que pode ser escolhido no novo conclave, Fábio Potiguar pondera. “Se for um conservador, é um papa. Se for progressista, é um papa. Vamos orar e pedir a Deus ilumine os nossos cardeais para que tenhamos um papa fiel à Igreja e ao concílio vigente”, disse o sacerdote.

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Mas ele não nega a preferência por cardeais com perfis tão avançados como o do argentino. “Temos alguns bem alinhados com a ideologia de Francisco e sua visão de mundo”, diz ele, que preferiu não declarar apoio explícito a nenhum nome. Mas o cardeal filipino Luís Antônio Tagle é um dos favoritos da ala progressista do catolicismo.

O Brasil tem sete cardeais com direito a voto no conclave: Paulo Cezar Costa (57 anos, arcebispo de Brasília), Jaime Spengler (64, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB), Sérgio da Rocha (65, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil), Leonardo Steiner (74, arcebispo de Manaus), Orani Tempesta (74, arcebispo do Rio de Janeiro), Odilo Scherer (75, arcebispo de São Paulo) e João Braz de Aviz (77, arcebispo emérito de Brasília).

O padre Fábio Potiguar é o responsável pela Cáritas Diocesana de Olinda e Recife. Foto: Arquidiocese de Olinda e Recife

Além deles, participa do conclave Raymundo Damasceno (88, arcebispo emérito de Aparecida), que pode ser votado, mas não pode votar, porque a idade limite para isso é os 80 anos. O arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Paulo Jackson, 2º vice-presidente da CNBB, não é cardeal e não participa do conclave.

O legado do “profeta” Francisco

Perguntado sobre a morte do papa, Fábio Potiguar disse ter tido um sentimento duplo: “a alegria da Páscoa, porque Francisco morre e ressuscita com Jesus, um final com a delicadeza de Deus; mas também tenho o sentimento de luto, porque a humanidade perde um profeta”, explicou. “Considero ele um profeta, porque o profeta está fora dos templos e palácios, mas junto ao povo e aos pobres. E Francisco é esse profeta do nosso tempo, para a Igreja e para a humanidade”, opina Potiguar.

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O sacerdote ligado à CNBB também destaca o papel político e social assumido pelo papa argentino. “Diante do avanço de políticas excludentes e exclusivistas no mundo, o avanço de uma aliança ultraliberal que tem como deus supremo o mercado, o papa Francisco foi uma voz em defesa da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento econômico com equilíbrio ecológico, a ecologia integral”, afirma Potiguar.

O padre também lembra a encíclica Laudato Si’ e o encontro do papa com movimentos populares, na Bolívia, como sinalizações importantes do que foi o papado de Francisco. “Era muito clara essa posição do papa em condenar esse modelo econômico que gera a morte. Ele defendeu os ‘três T’s’: terra, teto e trabalho”, avalia Fábio Potiguar. “Nós perdemos um pai ou um avô, mas herdamos dele a esperança”, completa o clérigo, que menciona ainda a atitude de acolhimento do papa à comunidade LGBT.

Para o sacerdote, são três os principais legados do papado de Francisco: o Deus misericordioso, a defesa da justiça social e da ecologia integral. “Ele falou do Deus do amor, perdão, da misericórdia e da comunhão, não do Deus da exclusão. Francisco resgatou a causa dos pobres, excluídos, marginalizados, migrantes, e também a urgência climática, quando ele diz que ‘ou nos salvamos todos, ou nos perdemos todos’. Esses são os seus três grandes legados”, opina Potiguar.

Durante missa realizada nesta segunda-feira (28), na Igreja das Fronteiras, no bairro da Boa Vista, centro do Recife, o padre Fábio Potiguar trouxe um testemunho pessoal de quando recebeu naquela igreja Lourdes Peñaloza, secretária pessoal de Mario Jorge Bergoglio antes de o argentino ser escolhido papa.

Peñaloza passou pelo Recife para conhecer o Memorial Dom Hélder Câmara, aprendendo sobre a história do ex-arcebispo de Olinda e Recife. “Ela ficou em silêncio, chorou emocionada e depois disse: ‘como eles são parecidos’. Francisco e Hélder foram homens abertos ao diálogo, ao ecumenismo, ao acolhimento de todas as pessoas. São expressões da beleza de Deus”, contou o sacerdote.

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