Falas de Trump prejudicam conservadores nas eleições do Canadá, avalia especialista

As eleições canadenses, realizadas nesta segunda-feira (28), tiveram uma forte influência de falas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A análise é da professora Bárbara Mota, coordenadora do Observatório de Política Exterior do Brasil, em entrevista ao programa Conexão BDF, do Brasil de Fato. Para ela, as provocações de Trump ao Canadá, como sugerir que o país deveria ser anexado pelos EUA e se tornar o “41º estado norte-americano”, causaram ressentimento entre os canadenses e alteraram a dinâmica eleitoral.

Segundo Mota, esse ressentimento abriu espaço para que o liberal Mark Carney ganhasse fôlego na disputa pelo cargo de primeiro-ministro, mesmo herdando o passivo político do ex-ministro Justin Trudeau, que renunciou ao cargo. Na sua avaliação, a resposta dura de Carney às investidas de Trump, afirmando que os Estados Unidos já não são um parceiro confiável, independentemente de quem ocupe a Casa Branca, foi bem recebida pela população canadense e reforçou sua imagem de liderança capaz de defender a soberania nacional.

O líder do Partido Conservador, Pierre Poilievre, mesmo tentando adotar uma pauta semelhante à de Trump, foi afetado negativamente pela retórica agressiva do ex-presidente estadunidense, especialmente após implementar novas tarifas econômicas aos países. “Pela primeira vez, a presença e as falas do Trump não só deixam de ajudar, como prejudicam um candidato conservador. Isso chama atenção para as articulações da extrema direita e da direita internacional. Será que o Canadá é um caso isolado ou veremos repercussões semelhantes na Europa, por exemplo?”, questiona Mota.

Apesar do baque, o Partido Conservador ainda encontrou espaço para discutir temas como o aumento do custo de vida, a imigração e a eficiência do governo. No entanto, a coordenadora observa que, mesmo entre os conservadores canadenses, há propostas como a defesa de um sistema de saúde público e acessível, um contraste com o modelo estadunidense que Trump representa. “O Canadá historicamente se construiu pela negação dos Estados Unidos: um sistema de saúde diferente, maior cobertura social, entre outros pontos. Já a Europa não tem essa separação tão marcada em relação à imagem dos EUA.”

Sobre a crise econômica, Mota avalia que o desafio atual dos canadenses, especialmente na questão da habitação e do custo de vida, está mais ligado a tendências globais do que a erros específicos da gestão Trudeau. A perda de poder aquisitivo e a percepção de que as novas gerações terão menos condições econômicas que seus pais são fenômenos observados em diversos países e indicam, segundo ela, um “esgotamento do capitalismo e do modelo neoliberal”.

A professora também comentou a dificuldade dos partidos menores, como o Partido Verde, em romper a polarização entre liberais e conservadores. Embora o Canadá tenha um sistema parlamentarista que poderia favorecer mais pluralidade, o medo de governos minoritários leva muitos eleitores a votarem estrategicamente nos partidos maiores, repetindo, em parte, a lógica do sistema bipartidário dos Estados Unidos.

Brics se reúne para discutir reforma global e conflitos

Durante a entrevista, Bárbara Mota também analisou o início da reunião dos chanceleres dos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Ela destacou que o bloco tenta reforçar sua coesão para enfrentar desafios globais como o genocídio em Gaza, a guerra na Ucrânia e também propor reformas na governança internacional, como a ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Com a presidência brasileira dos Brics, a coordenadora também vê uma oportunidade de o Brasil recuperar seu papel diplomático internacionalmente. “O Brasil parece ter se afastado dessas pautas no cenário internacional. A expectativa é que a presidência brasileira nos Brics ajude a recuperar o protagonismo diplomático que o país já teve.”

Para a professora, a reunião de chanceleres, que aconteceu nesta segunda-feira (28) é um “passo preliminar importante”. Embora não sejam esperadas decisões práticas imediatas, ela afirma que esses encontros ajudam a consolidar agendas comuns entre os países-membros e fortalecem o posicionamento do Brics como um contraponto relevante no cenário internacional.

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