Açaí vira bio-óleo e aponta solução sustentável na Amazônia

Professor Menyklen Penafort.Luan Rodrigues/Ueap

Um estudo realizado no Amapá transformou caroços de açaí — resíduo que corresponde a 85% do fruto e é descartado massivamente na região — em bio-óleo, um combustível renovável.  

A pesquisa, liderada por Menyklen Penafort, utilizou o processo de pirólise (aquecimento sem oxigênio) para converter o material em um líquido denso e escuro, rico em energia.

O projeto surgiu da necessidade de resolver problemas sobre o descarte dos caroços do fruto, comuns na região, sendo presente em igarapés, feiras e quintais. Da situação surgiu a oportunidade em “transformar o que era visto como rejeito em fonte de energia e inovação”, relata o pesquisador.

Além de reduzir o lixo, o bio-óleo pode substituir parcialmente combustíveis fósseis, como diesel, em caldeiras e motores, contribuindo para a descarbonização.

Carvão ativado do caroço de açaí.Luan Rodrigues/Ueap

O grupo de pesquisadores ainda planejam apresentar os resultados do estudo na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá em novembro deste ano, em Belém (PA).

Do resíduo ao biocombustível

O estudo partiu de observações do desperdício: “O caroço de açaí sempre me pareceu mais do que apenas um resíduo — ele carrega o coração da Amazônia”, explica o pesquisador.

Após coletar e secar o material, a equipe triturou os caroços e os submeteu à pirólise em equipamentos desenvolvidos localmente.

O vapor gerado foi condensado em bio-óleo, que passou por análises de eficiência energética. “A ideia foi usar um resíduo típico da nossa região para gerar energia limpa”, destacou. 

Bio-óleo.Luan Rodrigues/Ueap

Aplicação sustentável

O bio-óleo pode ser usado para geração de calor, como em motores ou, após tratamento, como substituto parcial de derivados do petróleo, com possibilidade de ser matéria-prima para fabricação de plásticos sustentáveis.

Pesquisas ainda buscam diversas outras aplicações como na fabricação de madeira plástica, pavimentação de vias, usos na indústria farmacêutica, próteses ósseas, entre outros.

Um de seus grandes diferenciais está no papel ambiental. Ao contrário dos combustíveis fósseis “o carbono que ele libera na queima já foi previamente absorvido da atmosfera pelas plantas durante o crescimento”, explica Menyklen.

Desse modo o combustível gerado tem um ciclo de carbono mais equilibrado que fontes tradicionais, contribuindo para a redução do aquecimento global.

O professor ainda ressalta que a queima do bio-óleo libera menor quantidade de enxofre e poluentes, contribuindo também para uma melhor qualidade do ar.

Caroço de açaí e carvão ativado.Luan Rodrigues/Ueap

Desafios para expansão

No entanto, desafios como a instabilidade do produto e a necessidade de equipamentos acessíveis ainda precisam ser superados.

“Trabalhar com bio-óleo é como lidar com um material vivo: ele muda com o tempo”, comparou. “Tivemos que aprender a conservá-lo, já que ele tende a se degradar rapidamente”.

Também, como não é como a gasolina ou o diesel, o bio-óleo tem uma mistura complexa de compostos que ainda precisam ser estudados para compreender a melhor forma de usá-lo.

Segundo o professor, por tratar-se de uma região com menos acesso a tecnologias industriais, foram desenvolvidos protótipos próprios para a produção do combustível. “Essas dificuldades têm sido uma experiência rica, que nos força a inovar com os recursos que temos e a pensar em soluções adaptadas à realidade amazônica”, explica.

Menyklen enxerga grande potencial no produto: “Utilizá-lo é, ao mesmo tempo, um gesto técnico e poético: é devolver à Amazônia um novo ciclo, onde até o que sobra pode florescer em forma de bioproduto, energia limpa e esperança.”

O trabalho faz parte de um projeto mais amplo coordenado pelo professor Nélio Machado, da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulado “Gasolina Verde” que, além do açaí, também utiliza caroços de tucumã na produção de combustíveis

O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Amapá (UEAP), vinculado ao Centro de Transição Energética do Amapá (CETEA/UEAP). 

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