Osteointegração: o que é a técnica que se mostra como alternativa de conforto a amputados com prótese


Em dezembro, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) fez o 1º procedimento que trabalha osso com haste de titânio. Em 2024, unidade deve atender 30 pacientes e tenta habilitar cirurgia no SUS. Cirurgia inédita de osteointegração é realizada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
🚲 Aos 17 anos, Silvia Martinelli, de 51 anos, teve diversos sonhos interrompidos por conta de um acidente que a deixou sem a perna esquerda. Ela foi atingida por um carro, quando estava de bicicleta a caminho de um clube de campo em Santa Rosa de Viterbo (SP).
“Eu precisei amputar a perna esquerda acima do joelho. Eu fraturei o braço e a perna direita, coloquei platina, aí eu peguei infecção hospitalar, pneumonia, precisei colocar traqueostomia e também tive traumatismo craniano”, conta.
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Depois de ficar 30 dias na UTI, os médicos decidiram que Silvia deveria voltar para casa. Um quarto foi montado com uma cama hospitalar. Um médico e um enfermeiro foram contratados pelos pais. A reabilitação durou cerca de cinco meses e a ajuda da família foi fundamental.
🦵 Há 34 anos, Silvia usa uma prótese, mas a relação com o equipamento sempre foi difícil. “Eu nunca me adaptei, não porque as próteses não eram boas. O joelho era maravilhoso, que é o 3R80. Só que o que acontece, como o meu coto era ruim, eu não conseguia articular ele bem. Então foi um trabalho fisioterápico, mas é que o meu coto não ajudava”, relata Silvia.
No fim de 2023, o médico de Silvia sugeriu que ela poderia ser uma boa paciente para um método inédito em fase de implantação no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto (SP): a cirurgia de osteointegração.
🏥 O procedimento, o primeiro da unidade, foi realizado no dia 20 de dezembro, e a paciente, agora, tem expectativas de melhorar a qualidade de vida.
“Estou superconfiante, ansiosa e espero que dê certo”, afirma Silvia.
Silvia Martinelli passa por consulta após realizar cirurgia de osteointegração no HC de Ribeirão Preto, SP
Carolina Castro/g1
O que é a osteointegração
👨‍⚕️ O professor Edgard Eduard Engel, que é o coordenador do Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, explica que a ideia surgiu entre as décadas de 1940 e 1950 quando Per-Ingvar Branemark, cirurgião ortopédico e professor pesquisador sueco, criou a técnica de implante dentário.
“Isso funcionou sempre muito bem na odontologia e na ortopedia isso sempre foi um pouco mais lento. Agora, tem vários fatores que estão juntos, a gente consegue controlar melhor a infecção. A osteointegração é muito melhor do que qualquer outro tipo de fixação dessa haste no osso. Nós temos um equipamento nacional e já existe uma tecnologia desenvolvida que faz isso funcionar. Então tudo isso junto faz com que a gente agora esteja bem animado em fazer isso dar certo”, diz Engel.
A cirurgia de osteointegração busca melhorar a qualidade de vida de pessoas amputadas, principalmente, de membros inferiores, através da junção de osso e titânio. É criada uma cavidade no centro do osso para encaixar perfeitamente uma haste do material, feita especialmente para o paciente.
“O que se faz é colocar uma haste metálica que fica parcialmente dentro do osso para fazer uma fixação rígida. E a outra extremidade dessa haste fica exposta, para fora da pele. Com isso, o encaixe que é a parte da prótese que se encaixa ao coto, em vez de ela ser uma cesta, que envolve o coto, ela passa a ser uma fixação rígida nessa haste”, explica Engel.
😞 A principal reclamação de pessoas que usam prótese é o desconforto envolvendo o coto.
“O fato de ele ter essa coxinha de pele, de gordura, faz com que tudo fique um pouco mole, então a adaptação às vezes não é tão boa. De 30% a 40% dos pacientes se queixam desse encaixe. Ele começa a machucar o coto, a pele começa a ralar dentro desse encaixe, fazer feridas, fazer pontos de apoio que são dolorosos, então o coto, de uma forma geral, ele pode dar problema”, afirma o professor.
Silvia Martinelli deixa de participar de desfiles após precisar amputar a perna esquerda por conta de acidente em Santa Rosa de Viterbo, SP
Arquivo Pessoal
O professor atuou na cirurgia de Silvia. Ele explica que esse método pode ser uma nova alternativa para o amputado, já que o encaixe fixo tornará mais simples, fácil e rápida a colocação da prótese.
👍 Segundo o médico, o buraco feito no osso precisa ter o tamanho da prótese ou um pouco maior para que ela seja colocada sob pressão, garantindo a firmeza do encaixe.
“Essa prótese, ela tem uma outra característica que ela não é uma superfície lisa, ela tem uma superfície porosa. A superfície porosa faz com que exista a possibilidade do osso à medida que vai se remodelando, isso é um mecanismo normal do osso, nunca é estático, ele sempre vai se remodelando, ele penetra esses poros da superfície, por isso que a gente chama de osteointegração”, explica.
🚶‍♀️ Segundo Engel, a literatura mostra que a pessoa amputada comum anda, em média, 500 metros por semana. Já os pacientes adaptados a nova técnica de osteointegração tendem a andar 5 mil metros, valor próximo a quem não é amputado.
“Então a gente espera que a gente tenha esses mesmos resultados, que a pessoa não tenha a locomoção como a limitação da sua vida. Realmente, passe a usar a prótese livremente e não tenha que ficar pensando em colocar a prótese para andar até na padaria, por exemplo. Não, ele engata em cinco segundos e sai andando”, explica.
Disponibilidade no SUS
🏥 A cirurgia de Silvia faz parte de um projeto que está sendo desenvolvido pelo HC-RP em que mais 30 pacientes receberão a nova prótese ao longo de 2024.
Com a contemplação do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas), um programa de estudos, tanto de aplicação clínica quanto estudos científicos, o HC-RP conseguiu captar cerca de R$ 4 milhões para utilizar no projeto de osteointegração.
Com esse apoio, a equipe tem o objetivo de implementar a cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS).
“A situação com o SUS, ela ainda está em evolução, isso quer dizer o seguinte, o equipamento, a prótese osteointegrada, ela foi autorizada pela Anvisa, mas ela ainda não tem cadastro na tabela SUS. Então a gente ainda vai ter algumas dificuldades por enquanto para conseguir fazer com que o SUS efetivamente pague. Existe uma alternativa que é o pagamento por semelhança, então você vai usar o equipamento que é semelhante ao outro e eventualmente o SUS pode aceitar isso como uma forma de pagamento daquele procedimento novo”, afirma o professor.
Cirurgia de osteointegração é inédita no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, SP
Divulgação/HC-RP
Como funciona a seleção de pacientes
👩‍⚕️ O projeto inicial será realizado com 30 pacientes que serão escolhidos através de critérios de saúde e adaptação com a prótese comum. Segundo Engel, pessoas fumantes, diabéticas, com osteoporose avançada ou outros problemas de saúde serão evitadas neste primeiro momento.
“Nós vamos utilizar mais pacientes que são amputados por trauma, que é uma quantidade de 15%, quase 20%, e uma quantidade bem menor que são congênitos, tumores. Então, esses são os pacientes elegíveis”, diz.
De acordo com o professor, o complexo do HC já possui a quantidade suficiente de pacientes amputados para participarem do projeto, porém, caso outras pessoas se interessem no método e estejam dentro dos critérios, há a possibilidade de serem encaminhadas ao hospital e participarem do projeto.
“O ideal é que seja feita uma avaliação em outro lugar, de preferência até no setor de reabilitação. E aí, uma vez identificada a necessidade desse paciente, eles entram em contato e encaminham para nós”.
🙋‍♀️ Ao participar do projeto, será dada ao paciente uma prótese externa, a mesma usada após a cirurgia, a qual ele terá que se adaptar durante um tempo. Também são feitos testes e preenchidos formulários, como pesquisas de qualidade, pesquisas de adaptação, pesquisas de capacidade de marcha, além de usar um aparelho para medir a quantidade de passos dada pelo paciente.
“Feita essa avaliação, é programada a cirurgia e colocada essa haste intramedular osteointegrada. Aí é feita a adaptação, assim que ele estiver bem adaptado, estiver funcional, essa mesma bateria de exames é feita novamente. Aí nós vamos comparar quais são os benefícios que esse novo método de fixação traz em relação ao dia a dia do paciente”, explica o médico sobre o projeto.
📆 Depois da cirurgia, o paciente leva um tempo para se adaptar à prótese. Engel explica que apesar de não haver um período exato de adaptação, o paciente pode demorar até um mês para começar a apoiar a prótese. E para o período de adaptação terminar pode levar de 3 a 6 meses.
“Aquele processo de osteointegração, ele demora um tempo. A gente não coloca prótese e já apoia. A gente tem que esperar realmente que esses ossos reajam e interajam com o metal de tal forma que haja aquela osteointegração. Então isso é um processo demorado, que demora de 3 a 4 semanas para começar, que é quando a gente começa a fazer um apoio daquele membro com muito cuidado”, relata.
Cirurgia inédita de osteointegração é realizada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, SP
Divulgação/HC-RP
Existem restrições após a cirurgia?
🚫 Mesmo quando o paciente estiver bem adaptado à prótese o médico explica que ainda haverá algumas restrições ao longo da vida, como não entrar em piscinas e evitar praias, pois as partículas de areia podem entrar no encaixe e são difíceis de serem retiradas.
Além disso, um cuidado para se ter diariamente ao longo da vida é a limpeza da prótese, mas com jato de água intermitente. O equipamento será entregue aos pacientes.
💪 Quanto a atividades físicas, Engel conta que é possível fazer uma atividade mais pesada, porém é preciso passar por um treinamento primeiro para que o osso se adapte à nova situação.
“Vai ter uma certa limitação sim. Mas são limitações que fazem parte da vida. Ninguém é 100% saudável, não é? Todo mundo tem um probleminha. Otite, por exemplo, também não entra na piscina. Então, são restrições, mas assim, comparadas com a situação que ele [paciente] vivia antes, com certeza vai ter uma melhora importante”, relata Engel.
Para o médico, a solução deve ser duradoura, porém por se tratar de um metal, pode ser que haja necessidade de alguma troca ou manutenção no futuro. “A prótese também desgasta, né? Então, o pé desgasta, o joelho quebra, a barra pode trincar, pode acontecer problemas com a prótese, então nós vamos fornecer também a atualização, como de todos os outros pacientes que têm prótese”.
Mais 30 cirurgias de osteointegração serão realizadas no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, SP
Divulgação/HC-RP
*Sob supervisão de Thaisa Figueiredo
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