Ocupação do antigo Dops escancara disputa por memória em BH e autoritarismo de Zema 

Em meio aos 61 anos do golpe militar de 1964 no Brasil, movimentos populares de Belo Horizonte ocuparam o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) —  órgão repressor que privava de liberdade e torturava àqueles que se manifestavam contra o regime — da cidade.

O objetivo é dar continuidade a uma luta antiga: transformar o prédio, marcado por graves violências, em um memorial dos direitos humanos, em homenagem às vítimas do período ditatorial. 

Na última semana, em resposta à reivindicação dos movimentos, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um novo procedimento preparatório com objetivo de acompanhar a solicitação, que é pauta de atuação da entidade desde 2012, quando foi instaurado o primeiro inquérito civil sobre o tema.

“Se a gente não rever o que a ditadura praticou, vai parecer comum e normal uma nova tentativa de golpe, como a gente sofreu no dia 8 de janeiro de 2023. Então, precisamos construir isso em conjunto com a sociedade civil, com os movimentos sociais, os movimentos de direitos humanos, que detêm uma memória viva do que foi esse prédio”, afirma Renato Campos, militante do Movimento Luta de Classes (MLC).

Ação precisa de apoio

Enquanto os movimentos ocupam o prédio para reivindicar a honra à memória daqueles que foram torturados, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) faz um cerco, na portaria, que impede que mais pessoas participem da mobilização.

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O ex-preso político Paulo Geraldo Ferreira, durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na sexta-feira (10), avaliou que a ação da PMMG é coordenada por uma medida ditatorial do governador Romeu Zema (Novo). 

“Eu já tomei tiro na cabeça. Eu tomei tiro nos braços e no peito para poder garantir a luta dos Serpentes Negras contra o processo ditatorial que nós vivíamos e ainda vivemos. É importante que os senhores aqui presentes [na audiência] entendam que nós temos um ditador chamado Romeu Zema”, sinalizou, durante o encontro. 

Para ele, a ocupação dos movimentos populares é legítima, deve continuar e toda a sociedade precisa se engajar para fortalecer a rede e conseguir honrar a memória das vítimas. 

Um passado violento

No espaço, as celas, solitárias e diversas áreas de tortura que abrigam marcas de um passado assombroso ocupam a mesma avenida em que está situada a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), a Afonso Pena, algo que chama a atenção dos cidadãos que passam pelo centro da cidade. 

A própria arquitetura serve para recordar um regime construído a partir de práticas de violência. Nas salas onde ex-presos políticos eram torturados, as paredes revestidas de um material de abafamento acústico impedia que os gritos vazassem e encontrassem os ouvidos da população. E assim, por anos a fio, o sofrimento se perpetuou. 

“É um espaço que nós queremos que traga essa sensação de terror, de quão assombroso foi e até onde pode chegar o regime da ditadura militar, nessas torturas que foram praticadas com ex-presos políticos, com pessoas que pensavam diferente”, defende Mariana Fernandes, presidenta da Unidade Popular pelo Socialismo (UP) em BH.

Ela destaca, sobretudo, o espaço em que há um poço onde ocorriam afogamentos. Na época da ditadura, presos políticos eram acorrentados em um pau de arara e imersos de ponta a cabeça, a força, em um reservatório com água gelada, como prática de tortura. 

A violência aumentava quando os militares decidiam alternar o frio com o calor, rapidamente, para causar queda e aumento brusco na temperatura. Dessa maneira, as pessoas torturadas eram submetidas a uma sauna aquecida e, em seguida, eram forçadas a voltar para o clima gélido da piscina. 

“Ao mesmo tempo, às vezes, os familiares eram submetidos a observar a tortura acontecer. Portanto, é preciso trazer essa sensação para as pessoas para que elas compreendam que esse passado foi tão sombrio que ele precisa ser marcado e gravado na nossa memória para que nunca mais aconteça”, chama a atenção Fernandes. 

Relembre a história da reivindicação

O imóvel foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) em 2016.

A primeira manifestação foi realizada no processo de redemocratização, quando a ex-vereadora pelo PT Helena Greco foi às dependências do prédio para trancá-lo com um cadeado, em virtude de seu reconhecimento enquanto espaço de tortura. 

Um pouco depois, a Lei Estadual 13.448/2000 respaldou a iniciativa dos movimentos populares, já que instituiu o Memorial dos Direitos Humanos de Minas Gerais. No governo de Fernando Pimentel (PT), o processo avançou, mas não foi efetivado. 

No local, por exemplo, há uma placa, que data de 2018, último ano do seu mandato, com indicativo de que o memorial deveria ter sido inaugurado naquele ano. No entanto, a conclusão das obras foi repassada para o governo Zema, que assumiu a gestão do estado em 2019.

“O governador, no entanto, defende o golpe que Jair Bolsonaro (PL) queria dar junto com os generais no 8 de janeiro, não respeita a democracia, os movimentos sociais, faz campanha contra os movimentos. Ele tem uma posição política que não reconhece a necessidade da redemocratização”, critica Renato Campos. 

A luta pela abertura do espaço ao público, portanto, já faz quase oito anos ininterruptos. “Não conseguimos concluir o objetivo de forma institucional, então, nós estamos forçando isso via movimentos sociais. Essa aqui é a questão central”, finaliza Campos.

O outro lado 

O Brasil de Fato MG entrou em contato com o governo de Minas e com a PMMG para apurar sobre as denúncias e aguarda respostas. Quando houver posicionamento, o texto será atualizado. 

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