Moradores da favela do Moinho – a única remanescente do centro de São Paulo – foram às ruas nesta terça-feira (15) contra o plano de remoção da comunidade. Já nos próximos dias o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende começar a retirada gradual das 813 famílias que vivem há quatro décadas entre duas linhas de trem.
A manifestação aconteceu pouco depois de um grande efetivo da Polícia Militar, incluindo a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), circular dentro da comunidade por cerca de uma hora. Jane*, moradora do Moinho desde 1997, conta que teve sua casa invadida e seu filho, de 20 anos, enforcado por um policial.
“Só porque meu filho tem tatuagem, o policial pegou no pescoço, botou na parede, falou ‘você é vagabundo’. Para eles todo mundo é bandido. E eu não aceito. Depois foi embora e falou que se eu passasse na frente do cachorro deles, ele ia me estraçalhar”, denuncia Jane, mãe de cinco filhos, em entrevista ao Brasil de Fato.
“Estão oprimindo a gente porque querem que a gente saia. A gente apenas quer direito de ter uma moradia digna”, ressaltou Jane, segurando um cartaz. Com instrumentos de percussão e batidas de tampas de panela, o ato bloqueou e percorreu a avenida Rio Branco até a Câmara Municipal.

A iminência da remoção
Localizada na fronteira entre os bairros Bom Retiro e Campos Elíseos, em região cobiçada pela especulação imobiliária, a área será destinada, nos planos do governo estadual, para um parque.
A proposta da gestão Tarcísio, contestada pela associação de moradores, é transferir os residentes do Moinho para residências subsidiadas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). A maior parte das habitações, no entanto, não está pronta.
Na região do centro, apenas 100 unidades foram ofertadas. Segundo as lideranças comunitárias, as habitações têm de 25 a 33 metros quadrados. Para todas as outras famílias, a opção é viver com um auxílio aluguel de R$ 800, custeado em 50% pelo governo estadual e 50% pela prefeitura de Ricardo Nunes (MDB). As outras unidades habitacionais ainda não estão construídas e têm previsão de entrega em cerca de dois anos. “Eles estão querendo jogar a gente para a periferia”, avalia Rosana*, residente do Moinho há 20 anos.
Para as famílias adquirirem suas novas moradias, terão que pagar parcelas de 20% de seus salários ao longo de 30 anos. Janaína*, que nasceu e cresceu na Favela do Moinho, considera a proposta “indecente”: “Querem expulsar a gente e ainda que a gente pague por isso, assumindo uma dívida por três décadas”.
Segundo nota da CDHU ao Brasil de Fato, 513 das 813 famílias aderiram à proposta. Lideranças da comunidade rebatem que estão sendo coagidas.
“É uma questão que a gente coloca como muito injusta. Quem recebe um salário mínimo, se for pagar 20% da sua renda, ela não vai conseguir sobreviver. Tem conta de água, conta de luz, a pessoa não vai poder nem ficar doente. Vai viver de que? Vai acabar perdendo esse apartamento ou casa em dois meses porque não vai ter condição de pagar. Depois vai virar população de rua ou fazer outra favela novamente. É isso que a gente não quer. Se for para ser assim, que a gente continue na nossa moradia ou que vá para uma moradia digna”, reivindica Yara*, da associação de moradores, em boletim de áudio da comunidade.

“A gente quer exigir a gratuidade porque a gente tem esse direito. São quatro gerações dentro da favela. Minha avó é daqui, minha mãe é daqui, eu sou daqui, minhas filhas também nasceram aqui, vão fazer sete anos. Eles estão exterminando histórias. Não há dinheiro no mundo que pague esse apagamento”, argumenta Yara.
Área da União
O terreno onde a favela se ergueu é de posse da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que pretende ceder a área gratuitamente ao governo estadual. Por este motivo, residentes também cobram responsabilidade do governo federal na garantia à moradia digna. “Lula e Tarcísio juntos pelo fim da favela do Moinho”, criticava um dos cartazes erguidos no ato.
Questionada pela reportagem, a SPU informou que “a transferência do terreno está condicionada à garantia do direito à moradia das quase mil famílias que vivem no local”. Em nota, afirmou que “ainda não há previsão para a cessão da área, pois o processo depende de ajustes e complementações, por parte da CDHU, no plano de reassentamento enviado em abril deste ano, para que contemple as necessidades dos moradores”.
A SPU declarou que também aguarda o detalhamento do projeto do governo de São Paulo que deve ser implementado na área. “Somente após esse acordo será possível avançar nos trâmites administrativos para a formalização do contrato de cessão.”