Com mercado de trabalho ‘assustador’, população trans dribla barreiras para garantir espaço e renda


O dia da visibilidade trans e travesti é comemorado nesta segunda-feira (29). Fora de uma visão marginalizada, a comunidade trans tem cada vez mais buscado espaço no mercado de trabalho formal. É possível retificar nome e gênero em programação da semana da visibilidade trans no AP
Glauber Tiriyó/GEA
Momento marcante no trabalho de Targino: a aceitação, quando ela contou aos colegas sobre a transição e eles ao invés de negarem, aceitaram e continuaram a por ela no grupo.
Marginalização: ato ou efeito de marginalizar. Muitas vezes, quando pessoas trans e travesti são vistas com os olhos do senso comum, o sentido é levado para os estereótipos. Entretanto, pessoas da comunidade têm lutado para desconstruir este olhar, seja pela garantia de direitos básicos ou até mesmo com o sucesso no mercado de trabalho.
Na vanguarda, Mato Grosso do Sul se colocou como a 1ª unidade federativa a criar uma subsecretaria voltada à pauta. No estado, desde 1995, há um decreto que estabelece a obrigatoriedade de incluir a discussão sobre “orientação sexual” nos currículos das escolas estaduais.
Entretanto, a legislação não excluí a visão, muitas vezes preconceituosa, da sociedade com transsexuais e travestis. Na luta por mais espaço, algumas pessoas da comunidade conversaram com o g1 MS e compartilharam algumas experiências de sucesso e dificuldades no mercado de trabalho.
“Sabe por que as pessoas pensam assim? Porque as pessoas nunca viram uma pessoa LGBTQIAPN+ como liderança, e nunca nos foi ensinado que poderíamos ser liderança”, afirma a geógrafa e produtora cultural em Campo Grande Targino.
Conheça a história da Targino, do Depiere e da Bel abaixo:
Aceitação como abrigo no mercado de trabalho
Targino, uma das personagens da reportagem
Arquivo pessoal
Targino é geógrafa e produtora cultural. Ela começou a transição recentemente, em 2023, quando ainda estava na faculdade. A pesquisadora se orgulha da profissão, mas tem a produção cultural como forte na área profissional.
Na praça do Preto Velho, Targino é a responsável por produzir o evento “A Noite das Marias”, uma gira de umbanda e de candomblé.
“É assustador”, diz Targino sobre o mercado de trabalho. A geógrafa fala das dificuldades, que são quase que inerentes a existência. Entretanto, para ela, toda barreira faz parte do processo. “Já sofri vários tipos de preconceito, as pessoas usam os pronomes errados e julgam minha aparência”.
O momento marcante para a profissional: a aceitação. Targino relata que ao relatar aos colegas sobre a transição, temia pela resposta. Porém, a devolutiva foi positiva e cheia de aceitação.
“A aceitação das pessoas em saberem que eu posso e consigo fazer um trabalho que qualquer outra pessoa pode fazer”, frisou a produtora cultural e geógrafa.
Apoio dos que são próximos
DEPIERE, DJ e cantor
Redes sociais
Para o cantor e DJ Depiere, a transição foi uma libertação. Na música, muitas vezes como um espaço que abraça as minorias, o músico encontrou dificuldades, até mesmo em espaços exclusivos para comunidade LGBTQIA+.
O músico afirma que já sofreu preconceito, durante a transição, quando as pessoas percebiam as mudanças. O DJ relatou que funcionários de um local já o tiraram de uma apresentação, sem nenhum motivo.
“Cantava e tocava que nem outras pessoas, e me tiravam sem justificativa. Recebia um não aqui, mas tinha um outro espaço”, declara o músico.
Uma história marcante para o músico, foi quando se entendeu um homem trans. Depiere achava que teria algum problema na empresa em que trabalhava. Porém, o chefe foi o primeiro a apoiá-lo. O cantor afirma que foi bem aceito e foi algo que o incentivou.
Luta pelo nome social em todos os espaços
Bel, assistente social
Arquivo pessoal
Bel Silva é assistente social. Ela atua no acolhimento, defesa dos direitos da população LGBTQIA+ e é ativista do movimento trans e travesti. Conciliando o trabalho com a pesquisa, Bel está concluindo uma residência multiprofissional e segue na profissão de servidora pública estadual.
“Ambas as experiências de trabalho foram através de provas, então não enfrentei as dificuldades do processo seletivo. É um medo e receio que sempre tive, causa uma ansiedade”, explica Bel sobre o trilhar profissional.
“Infelizmente, aprendemos a lidar e filtrar um pouco do que nos acontece. Para mim, o pior são os preconceitos velados, que se dão diariamente nas atitudes cotidianas”, afirma Bel.
Bel afirma que teve muita sorte por ter sido acolhida, por grande parte dos colegas. Mesmo dois anos após conseguir retificar o nome de batismo, a assistente social destaca que ainda há profissionais que não respeitam o nome social.
“Duas das violências mais fortes que sofri foram no trabalho. Foram situações em que eu nem havia atendido a pessoa, não havia falado. Só o fato do meu corpo, de eu estar presente, dentro de uma unidade de saúde, como profissional da equipe”, lembra a profissional.
Bel explica que busca o melhor diariamente como assistente social. Acolher, orientar, empoderar e emancipar as pessoas estão entre as tarefas da profissional. Mesmo com as barreiras, Bel segue lutando por espaço e mais aceitação.
A assistente social demarca território, se empodera e luta para que outras pessoas da comunidade trans e travestis ocupem espaços de liderança.
Direitos e acolhimento
Desde 1995, o estado homologou propostas para a comunidade, instituiu datas, conselhos, comitês e estabeleceu parâmetros de acolhimento em ambientes socioeducativos e criou a Comissão Especial Processante, ligada ao Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+.
O Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+ oferece orientação para retificação de nome e/ou gênero no registro civil, carteira de identificação por nome social (CNS), registro de denúncia, encaminhamento para defensoria pública, acolhimento, orientação e encaminhamento psicossocial.
Para atendimento, a população trans e travesti pode procurar o Centro na Avenida Fernando Corrêa da Costa, 559 – Centro, e pelo telefone: (67) 3316-9183.
*Estagiária sob supervisão de José Câmara.
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