Jovens brasileiros são escravizados nas ‘fábricas de golpe’ no Sudeste Asiático

Eles aceitaram promessas falsas de emprego e acabaram sendo vítimas de tráfico humano; três brasileiros foram resgatados na última semana e dois continuam no local. Brasileiros reféns de criminosos cibernéticos não conseguem voltar ao Brasil
Três brasileiros foram resgatados na última semana depois de serem capturados e aprisionados por uma máfia de golpes cibernéticos no Sudeste Asiático.
Um deles é o João, que passou cinco meses no Camboja trabalhando em condições de escravidão e chegou ao Brasil na quinta-feira (19).
“Eles começavam a espancar em público. Eram espancamentos de meia hora, uma hora, na madeirada, com choque”, diz João. “Até agora eu não assimilei que tô em casa, porque lá não existia lugar pra… pra felicidade. Tô tentando entender como é estar feliz novamente”.
Durante a fuga, ele teve que se envolver em uma luta corporal para recuperar o passaporte que estava com os bandidos.
Luckas, outro jovem brasileiro, está preso no sudeste asiático.
Ele tem conhecidos na Ásia e recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas. A mãe dele, Cleide, conta que a proposta veio de um amigo dele que morava na região.
Mas, quando o cassino fechou, ele não tinha dinheiro para voltar ao Brasil. Então, recebeu pelo Telegram o convite para trabalhar num hostel na Tailândia.
Também pelo Telegram, Phelipe recebeu proposta de trabalho numa central telefônica na Tailândia e topou. Ele está desaparecido há cerca de duas semanas.
O Fantástico foi até a casa do pai de Phelipe, seu Antônio.
Seu Antônio conta que Luckas e Phelipe estão na mesma situação e no mesmo local. Chama-se KK Park, em Mianmar, vizinho da Tailândia. A área é considerada uma “fábrica de golpes online”.
Em algum ponto da fronteira entre os países, Luckas e Phelipe, em dias diferentes, foram levados para lá, de carro e de barco, após serem retirados de hotéis da Tailândia.
Mianmar é um país em guerra civil desde 2021. O caos abriu espaço para criminosos internacionais se instalarem no país, segundo especialistas.
Esse tipo de caso tem aumentado, inclusive, em 2022, repatriamos 67 pessoas, diz Aloysio Gomide, diretor do Ministério das Relações Exteriores.
Em 2023, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que ao menos 120 mil pessoas, do mundo todo, estariam sendo mantidas nessa região em Mianmar, passando cerca de 18 horas por dia atrás de vítimas, às vezes, conhecidas.
“Muitas vezes uma vítima, quando chega ao local é explorada, é forçada a recrutar novos brasileiros”, explica Eduardo Bomfim, delegado da Polícia Federal.
“Antes de cometerem esses crimes, eles são vítimas de um crime que se chama tráfico de pessoas”, descreve a Cíntia Meirelles, da ONG The Exodus Road.
No local, tudo é monitorado, passaportes e celulares são apreendidos.
Cleide conta que Luckas disse que eles queriam que eles se falassem em inglês. Seu Antônio disse que o filho manda mensagem para ele pelo computador da empresa quando não tem ninguém por perto, o monitorando.
“Um dos chefes disse que eu precisava trazer resultado para a empresa. Senão eu iria ser agredido até sexta-feira, que é amanhã”, disse Phelipe, em mensagem enviada para o pai na quinta-feira (19). “Resultado”, no caso, é um golpe bem-sucedido.
“A gente tá fazendo tudo para tentar se manter vivo”, completou Phelipe em mensagem ao pai.
“É terrível a gente ouvir isso e não poder fazer nada”, diz Seu Antônio.
O pai de João, que conseguiu voltar ao Brasil, conhece essa dor. “O bem maior para um pai é o filho. A melhor coisa do mundo é ter ele de volta”, diz.
João escapou com o esforço conjunto do governo e da ONG onde a Cíntia trabalha. Ela conta que a ONG dialoga com o governo local e com as polícias locais.
“Cabe a eles julgar a situação e verificar o que pode ser feito para apoiar os nossos esforços de ajudar os nossos nacionais que estão numa situação dessa”, diz Aloysio Gomide.
Cíntia vê uma chance concreta para o Luckas e o Phelipe se livrarem.
Ela conta que tem dialogado com representantes do governo da Tailândia onde há uma pressão para que 361 imigrantes sejam libertados de Mianmar. Segundo Cíntia, Phelipe e do Luckas foram incluídos nessa lista.
O Ministério das Relações Exteriores disponibiliza a cartilha “Tráfico de pessoas e orientações para o trabalho no exterior”.
Segundo Cíntia, o tráfego de pessoas usa sonhos como isca.
“Eles têm o sonho de morar em outro país e trabalhar no exterior e estão dispostos a encarar uma viagem para o outro lado do mundo”, diz.
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