Mansões de Bashar Al-Assad revoltam sírios: ‘Gastava todo esse dinheiro enquanto nós vivíamos como miseráveis’


Neste domingo (15), moradores de Latakia entraram em uma das três residência de verão do presidente deposto, agora vigiada por combatentes rebeldes, e demonstram choque e raiva diante de tamanho luxo. Homem caminhando em meio a mansão destruída de Bashar Al-Assad em Latakia
Ozan KOSE / AFP
Uma estrada serpenteia a entrada de uma mansão com vista para o mar, entre o gramado bem cuidado e uma piscina de azulejos: o luxo da residência de verão do presidente sírio deposto, Bashar al-Assad, em Latakia, principal porto do país no Mediterrâneo, vem gerando revolta.
“Pensar que gastava todo esse dinheiro enquanto nós vivíamos como miseráveis”, lamenta Mudar Ghanem, 26 anos, libertado depois de passar 36 dias detido em Damasco pela acusação de “terrorismo”.
Mudar foi uma das pessoas que visitou o local neste domingo (15) “para ver com os próprios olhos” como o ditador vivia “quando as pessoas nem sequer tinham energia elétrica”, afirmou diante das janelas da enorme sala de mármore branco.
“Não me importa se o futuro presidente vai morar aqui, desde que ele cuide das pessoas. Que não nos humilhe”, disse.
A província de Latakia é o berço do clã Assad, que permaneceu mais de meio século no poder. Bashar al-Assad foi deposto por uma ofensiva relâmpago de uma coalisão rebelde.
A mansão, que está sendo vigiada por alguns combatentes rebeldes, é uma das três residências de Assad na região. Os moradores de Latakia demonstram choque e raiva diante de tamanho luxo.
Mármore e mosaico
Residência de verão de Bashar Al-Assad foi saqueada e destruída pela população
Ozan KOSE / AFP
A casa foi completamente saqueada, mas o tamanho dos quartos e o mosaico antigo que adorna a entrada atestam sua opulência. Noura, 37 anos, diz que vivia com a família nestas terras:
“Nos expulsaram. Nunca mais ousei voltar”, conta, antes de afirmar que pretende recorrer aos tribunais para recuperar seus bens.
Assim como Noura, uma semana após a queda do presidente, muitas pessoas que se reuniram no domingo em Latakia estão dispostas a falar, mas no momento de revelar os nomes esbarram no medo provocado pelo clã que governou o país de maneira violenta por mais de 50 anos.
“Nunca se sabe se eles voltarão”, disse Nemer, 45 anos, que estacionou suam moto diante de uma residência luxuosa no distrito de Al Zeraaha: a casa de Munzer al-Assad, primo de Bashar que liderou uma milícia mafiosa conhecida por seus abusos e tráfico com seu irmão Fawaz, que morreu em 2015.
A casa teve os dois andares saqueados. Nada resistiu à fúria da população: fotos de família quebradas, retratos pisoteados, candelabros quebrados, móveis roubados.
“Ganhamos 20 dólares por mês, tenho dois empregos para alimentar minha família”, diz Nemer Emer, que se lembra dos comboios que percorriam as ruas.
Dinheiro sujo
Apenas um carro, destruído pela população, segue exposto em concessionária que pertencia à família Al-Assad
Ozan KOSE / AFP
Na concessionária “Syria Car”, do filho de Munzer, Hafez, resta apenas um automóvel exposto na vitrine quebrada: como não conseguiram retirá-lo, a multidão destruiu o carro.
Hassan Anouar tem outros planos. O advogado de 51 anos inspeciona as instalações e carrega todos os documentos que podem ser utilizados em processos: Hafez era conhecido por confiscar ou comprar os carros que cobiçava muito abaixo do preço, em detrimento de seus proprietários, explica Anouar.
“Várias denúncias foram apresentadas”, relata.
A “Syria Car” era um grande local de lavagem de dinheiro sujo que mascarava o tráfico da família, diz o advogado.
Na calçada, duas pessoas param sobre uma grade da rede de esgoto, a levantam e retiram centenas de pequenas pílulas brancas: é o “Captagon”, segundo eles, uma droga sintética encontrada em quantidades industriais em todo o país.
Saco com pílulas de droga sintética encontrada escondida perto de concessionária da família de Bashar Al-Assad
Ozan KOSE / AFP
Anouar afirma que a droga era exportada de Latakia com etiquetas de roupas ‘Made in China’.
No porão de um prédio, o policial Hilal encontrou balanças novas, ainda nas caixas, “para pesar as drogas”, conta, e caixas de pipetas de vidro, tubos de ensaio e tubos que, segundo ele, foram usados para produzir comprimidos de metanfetamina.
“Estou chocado com o nível de criminalidade”, disse Ali, 30 anos, um dos jovens combatentes de Idlib. “Deus se vingará”, afirma o outro, Moudar Ghanem.
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