127 anos de BH: Marco Zero, Igreja da Boa Viagem nasceu antes mesmo da criação da cidade; entenda a história


De capelinha de pau a pique a uma das catedrais mais importantes da capital mineira, a Igreja da Boa Viagem foi construída em meados de 1700 pelo português Francisco Homem del Rey. Igreja da Boa Viagem é ponto de partida do tour pelo passado de Belo Horizonte
Luísa Dalcin/Arquivo Pessoal
Belo Horizonte completa 127 anos nesta quinta-feira (12), data que marca a transferência da capital mineira de Ouro Preto para a nova cidade. Mas, antes mesmo de existir uma cidade, uma pequena capela marcou o ponto de origem de BH.
A Igreja da Boa Viagem surgiu em meados de 1700, onde atualmente chamamos de Região Centro-Sul. Em 1709, o português Francisco Homem del Rey conseguiu autorização da Coroa para se estabelecer na região que hoje é Belo Horizonte. Ele trouxe consigo uma imagem da padroeira dos navegantes portugueses, a Nossa Senhora de Boa Viagem.
Agradecido pelas viagens seguras que fazia pelo Oceano Atlântico, Francisco decidiu construir a capela de pau a pique em homenagem à santa.
Marco Zero é um local, um espaço ou uma construção que marca o “nascimento” ou o “ponto de origem” de uma cidade.
A Lei que torna a Igreja da Boa Viagem Marco Zero de BH foi sancionada em julho de 2024. O projeto havia sido aprovado em 2º turno, por unanimidade, na Câmara Municipal.
O escritor e cofundador do movimento BH a Pé, Rafael Sette Câmara, explicou que, quando surgiram os primeiros moradores da antiga Curral del-Rei, muitos imigrantes de outros estados e países vieram para Minas tentar ganhar a vida no garimpo de ouro na Região Central do estado, onde ficam as cidades de Ouro Preto e Mariana.
Um desses navegantes era o português Francisco Homem del Rey.
“O destino final dele [Francisco] era o sertão, então ele faz a capela aqui em BH, e ela é colocada ali perto da atual Boa Viagem, entre a igreja e a Avenida Afonso Pena, onde passava o córrego do Acaba Mundo. Em 1765, tem a construção da primeira igreja colonial da matriz da Nossa Senhora da Boa Viagem”, disse.
A capela acabou ficando pequena para tanta gente e, com o passar dos anos, foi crescendo. Ao redor dela, se desenvolveu o vilarejo do Arraial do Curral Del-Rei, que servia como ponto de apoio e de bênçãos.
Com o estabelecimento da nova capital, uma nova igreja precisava ser construída, e a atual Nossa Senhora da Boa Viagem foi erguida. Em 1923, foi inaugurada.
Em estilo arquitetônico neogótico, a igreja compõe o ambiente paisagístico da capital. Está localizada em uma simpática praça, entre as ruas Sergipe, Alagoas, Timbiras e Aimorés. A imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem está há 300 anos na igreja, desde a época da capela.
Igreja de Boa Viagem
Raquel Freitas/G1
Cemitério extinto
Antes dos grandes cemitérios terem espaço próprio, os falecidos eram velados e enterrados ao lado das igrejas. No caso da Boa Viagem, a história não foi diferente. O cemitério da capela era localizado onde hoje está a praça, em frente à igreja.
O engenheiro e urbanista Aarão Reis, que projetou Belo Horizonte, chegou a estudar demolir a igreja da Boa Viagem. No entanto, a Igreja Católica não permitiu que ela fosse removida dali.
O templo teve três versões desde sua criação, começando pela capela de pau a pique, seguindo para um templo maior e mais espaçoso nos tempos em que BH era Curral Del-Rei, e finalizando na catedral atual, reformada entre os anos de 2015 e 2020.
Apesar de não conseguir demolir o templo que homenageia a santa dos viajantes, em 1894 Aarão Reis extinguiu o antigo cemitério da cidade. Primeiro, os moradores foram impedidos de sepultar seus amigos e familiares no local, depois, os corpos que estavam próximos à Igreja da Boa Viagem acabaram sendo transferidos para outros espaços.
“A gente imagina quão violenta e brusca foi essa mudança, os curralenses estavam todos sepultados ali. Abílio Barreto fala que, durante a exumação, era possível ver que os corpos não se decompunham por causa da superlotação”, explicou o escritor Rafael.
Catedral da Boa Viagem pode ganhar o título de marco zero de Belo Horizonte
Expulsões da elite
O antigo Curral Del-Rei contava com três igrejas, sendo elas a matriz da Boa Viagem, a Igreja do Rosário – ocupada em sua maioria por pessoas negras e ex-escravizados – e a capela de Santana.
O historiador e professor Bruno Viveiros contou que, para erguer a nova cidade de Minas Gerais, a antiga população foi expulsa. Esses moradores mais pobres foram obrigados a ocupar casas nos bairros mais distantes do atual Centro de BH. Para ele, a Igreja da Boa Viagem representa uma parcela da elite branca que ocupou o Curral Del Rey.
“Quando a gente estabelece o Marco Zero, é uma forma de contar uma história pelo ponto de vista de quem está contando, fazendo um recorte que privilegia a elite branca, com poder aquisitivo, que dominava politicamente aquele cenário. Se aceitarmos que a Igreja da Boa Viagem é o Marco Zero, a gente está dando uma cara branca para a cidade”, disse o historiador.
Placa indicativa do Largo do Rosário
TV Globo
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