Álbum autoral de Livaldo Sarmento destaca ‘Encantos do rio Arapiuns’


Dez faixas publicadas em plataforma de streaming de música estão disponíveis gratuitamente. Composições de Livaldo Sarmento falam sobre proteção à floresta, direitos de populações tradicionais e encantos do Rio Arapiuns
PSA / Divulgação
Aos 65 anos, Livaldo Sarmento da Silva, natural da comunidade São Pedro, região da Resex Tapajós-Arapiuns, em Santarém, oeste do Pará, comemora a realização de um sonho: a gravação do primeiro álbum, após mais de 25 obras oficialmente compostas. O ribeirinho que é agricultor extrativista, ativista social, liderança sindical e articulador comunitário do Projeto Saúde e Alegria, tem quase 60 anos de relação com a música. As primeiras experiências foram ainda criança, por volta dos 6 anos.
Apoiado pelo Programa Vozes do Tapajós através do Projeto Saúde e Alegria, Livaldo pôde gravar seu primeiro álbum. As faixas já estão disponíveis neste link. São elas: Encantos do Arapiuns, Água para Todos, Para escutar, Defender nossa floresta, Sementes da Floresta, Vida de Infância, Floresta Ativa, Morar em Santarém, Carimbó do Remador, Terra Natal.
Livaldo foi convidado pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita) para fazer o lançamento de seu álbum autoral na Aldeia Marituba, na noite de sábado (27).
Para o coordenador do Programa de Educação, Cultura e Comunicação do PSA, Fábio Pena, a estreia das faixas fortalece a produção de músicas locais e regionais, da base para o mundo, ecoando o protagonismo das comunidades. “As músicas de Livaldo embalam as mobilizações dos movimentos sociais da região de várias gerações. Exemplo é a música que compôs para a Romaria do Bem viver, evento de ativismo juvenil em defesa do rio Arapiuns”, comentou.
Álbum disponível no Youtube Music reúne dez faixas do compositor
Reprodução
Mostrar o valor da gente da floresta está no centro de toda a vida profissional de Livaldo. Ele já atuou em todas as esferas políticas e participativas de Santarém. Das reuniões da catequese da Igreja Católica na sua juventude na comunidade São Pedro, localizada na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, passando pela presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do município, por representações no então Conselho Nacional dos Seringueiros e até mesmo exercendo um mandato de vereador de Santarém, entre 2000 e 2004.
No entanto, é fazendo música que os olhos de Livaldo brilham, e é por meio dela, enquanto instrumento de mobilização, que ele consolida o trabalho de organização comunitária que realiza com as comunidades. “Uma coisa é chegar e fazer uma reunião, apresentar a pauta. Outra coisa é quebrar o gelo com a música, para as pessoas relaxarem”, explicou, apontando para o violão que fica pendurado ao lado da sua escrivaninha na sede da organização.
Livaldo já tocou guitarra, teclado e violão e desde cedo compunha para os amigos da sua comunidade. Ele acredita que a música é uma das melhores atividades para motivar as pessoas, principalmente a juventude.
Quando o PSA conclui o serviço em alguma comunidade, como a entrega de um novo sistema de abastecimento de água, o momento é de festa, segundo Livaldo. “O pessoal fica esperando o momento e faz questão de fazer um banquete, celebrar mostrando sua cultura. Quando me vem uma certa inspiração eu componho”.
Músicas de Livaldo embalam eventos comunitários na resex Tapajós-Arapiuns há décadas
PSA / Divulgação
Esse contato com os comunitários é a atividade favorita de Livaldo. “É uma tarefa que sempre fiz na vida, discutir como organizar uma associação, uma cooperativa, levar informações para as comunidades sobre como podem fazer pedidos, requerimentos ou projetos junto às instituições governamentais”, contou.
Trajetória de luta
Em 2012, aos 54 anos, ele se formou no curso de Ciências Sociais. Livaldo viveu na comunidade São Pedro até o ano de 1991, quando se mudou para a área urbana de Santarém para seguir a vida sindicalista. Na época, seu principal trabalho era encaminhar os trabalhadores rurais no requerimento de seus direitos previdenciários.
Foram sete anos na tarefa até assumir a presidência do STTR, entre 1997 e 2000. A decisão de se lançar vereador não foi sua: Livaldo foi escolhido em uma votação que envolveu mais de 200 delegados sindicais. O objetivo era colocar uma representação dos trabalhadores rurais dentro do parlamento santareno.
Durante todo o mandato, Livaldo foi a única oposição ao executivo municipal da época. Ele destaca que o mandato tinha representação direta de todas as regiões de Santarém, que formavam um conselho político. “Minha estratégia era que quando uma comunidade me procurava para que eu apresentasse algum requerimento, eu chamava as pessoas para a plenária para observar quem votaria a favor ou contra. Com a pressão popular, os demais vereadores acabavam votando a favor da demanda das comunidades”, explicou Livaldo.
Durante todo o mandato, Livaldo foi a única oposição ao executivo municipal da época
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Das experiências em diferentes áreas da política, a defesa do coletivo é o maior aprendizado do cientista social. “Tenho uma forte crença nessa forma coletiva de trabalhar. Nunca foi ‘meu’ mandato, e sim ‘nosso’ mandato”, resumiu.
Quando conheceu o PSA, aos 30 anos, Livaldo ainda nem havia saído de sua comunidade. Quando entregou seu currículo para trabalhar no PSA, em uma vaga recém aberta, ele já tinha 56 anos. “Muita gente desejava trabalhar no projeto e eu também”, lembrou.
Caboclo e ribeirinho, Livaldo se sente diretamente beneficiado pelo trabalho do projeto. “Por tudo que eu já vi, vivi, observei e aprendi com outros eventos passados antes de entrar no PSA, entendo que é uma entidade que presta um serviço muito importante para as comunidades, principalmente as ribeirinhas”, afirmou.
Até hoje, Livaldo volta para São Pedro todos os meses para trabalhar na sua roça. É membro da associação comunitária e atua como ponte entre os comunitários e autoridades públicas em Santarém. Quando passa pelo Porto de Santarém, sai conversando com todo mundo como se estivesse em família.
Música é a grande paixão de Livaldo Sarmento
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O violeiro sonha em se aposentar e passar o resto da vida no lugar onde nasceu, “sossegado e sem o estresse da cidade”. “Eu gosto muito da minha comunidade, da floresta e da roça”. O outro sonho de Livaldo é que, como ele, os ribeirinhos sigam motivados para ter sua própria autonomia. “Sem assistencialismo e paternalismo, defendo que as comunidades sejam protagonistas de suas próprias vidas”.
A obra que dá nome ao Álbum, reforça a beleza do rio Arapiuns e a necessidade de proteger o manancial que abriga o povo originário da região da reserva extrativista. Confira o vídeo e a composição na íntegra abaixo:
Encantos do Arapiuns (Letra e música – Livaldo Sarmento)
Tom: Dm
A…. Arapiuns / A…..Arapiuns / A…..Arapiuns
Das cabeceiras à sua foz
Povo guerreiro ergue tua voz
Na Amazônia o nosso rio, Brasil
Das cabeceiras à sua foz
Povo guerreiro ergue tua voz
Na Amazônia o nosso rio, é tão bonito é no Brasil
No ventre da grande floresta amazônica
Destaca-se o lindo rio Arapiuns
Com suas florestas, praias e cachoeiras
Riquezas de um povo nativo, com suas culturas e tradições ê ê
Tem dias que o orvalho carinhosamente o envolve como um véu
E às vezes parece um espelho refletindo lá no céu
É berço de lindas caboclas e líderes contemporâneos
Encantos das ilhas e lagos, cenário da luta dos cabanos
Histórias contadas mantém as lembranças de nossos pais
eternas lendas, culturas e mitos, heranças dos nosso ancestrais
Da força da terra, da mata, das águas e da fé
Memórias da sabedoria de Merandolino o grande pajé ê ê.
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