Enquanto governo quer cortar gastos, Congresso amplia renúncia fiscal

O governo federal se prepara para apresentar um conjunto de medidas sobre a revisão dos gastos públicos nos próximos dias. Em contrapartida, o Congresso Nacional parece caminhar na direção contrária. Isso porque parlamentares têm se movimentado para votar pautas que ampliam a renúncia tributária e fiscal no país.

Com a “tesourada”, a equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende reduzir as despesas no Orçamento da União e garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal — a nova regra de controle das despesas públicas.

Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a conversa é outra. Os parlamentares focam em propostas que expandem a renúncia fiscal e estendem prazos para quitação de débitos com a União.

Nesta semana, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a incluir na pauta do plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 5/2023, que amplia a imunidade tributária de organizações religiosas. A matéria não chegou a ser analisada, mas a expectativa é de que volte ao plenário na próxima semana.

A proposta, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), visa conceder imunidade tributária a bens e serviços considerados necessários para o funcionamento e expansão do patrimônio das entidades religiosas.

Outra proposta que está na Câmara dos Deputados é a PEC nº 66/2023, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), que aguarda a criação de uma comissão especial por parte de Lira. O projeto tem como objetivo abrir prazo para os municípios parcelarem as dívidas com a previdência e definir limites para o pagamento de precatórios.

A PEC º 66 foi aprovada pelo Senado Federal. Na segunda-feira (18/11), Arthur Lira prometeu aos prefeitos eleitos que avançaria com a proposta ainda neste ano, visto que ele deixará a presidência da Câmara.

“Nós vamos fazer um esforço grande de debate com todo esse momento de discussão de corte de gastos pra gente levar ao plenário a PEC 66”, adiantou o presidente da Câmara.

Apesar da resistência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Congresso Nacional manteve benefícios fiscais, como é o caso da desoneração da folha de pagamento a empresas de 17 setores e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Tal medida demonstra o contraponto na condução da agenda econômica pelo Legislativo e Executivo.

Em abril, o Congresso Nacional aprovou novas regras para a concessão de benefício fiscal por meio do Perse, programa criado durante a pandemia da Covid-19 para socorrer os setores afetados pelo isolamento social. A proposta reserva R$ 15 bilhões para a desoneração entre abril de 2024 e dezembro de 2026.

Diante da ampliação da renúncia fiscal, o Senado aprovou, no ano passado, um projeto de lei (PL) que cria mecanismos de avaliação e revisão de benefícios fiscais concedidos a pessoas jurídicas por parte da União. A matéria foi apensada a uma proposta na Câmara dos Deputados, onde aguarda deliberação no plenário, mas sem expectativas para ir a votação.

Incentivo à economia

Marilson Dantas, professor de governança da Universidade de Brasília (UnB), reforça a legitimidade do Congresso Nacional em ampliar benefícios fiscais, com o intuito de incentivar setores para o crescimento da economia brasileira. No entanto, ele destaca a necessidade de tornar o setor privado mais competitivo, sem beneficiar grupos específicos.

“É legítimo o Congresso Nacional discutir uma política de Estado para que os benefícios tributários possam incentivar setores da economia a serem mais competitivos e impulsionarem o crescimento econômico, que tem sido aquém do desejo nos últimos anos”, pontua Marilson.

“O crescimento econômico vai acontecer quando Congresso, governo e sociedade possam discutir benefícios tributários de forma republicana, sem a captura por interesse de grupos, construindo uma política pública que torne o setor privado brasileiro mais competitivo e também atraia investidores externos, aumentando de forma saudável a arrecadação”, completa o professor de governança da UnB.

A revisão de gastos

Desde o fim das eleições municipais, o titular da Fazenda, Fernando Haddad, se encontrou diversas vezes com o presidente Lula e os ministros das pastas que, possivelmente, serão impactadas pelas medidas de revisão de gastos.

Mas as conversas e o anúncio dos cortes foram paralisados em decorrência da 19ª reunião de cúpula do G20, que ocorreu no Rio de Janeiro em 18 e 19 de novembro, além do feriado nacional do Dia da Consciência Negra e da visita do presidente da República Popular da China, Xi Jinping, ambos em 20 de novembro.

Os encontros retornaram nessa quinta-feira (21/11), quando Haddad se reuniu com o chefe do Executivo e ministros da área econômica no Palácio do Planalto para ajustar os últimos detalhes da revisão das despesas.

O anúncio, no entanto, não tem data, mas é cogitado para sair no início da próxima semana, entre segunda (25/11) e terça-feira (26/11). Após uma última reunião com Lula na segunda-feira, o governo estará pronto para divulgar as medidas, segundo o ministro.

“Faremos isso nas próximas segunda ou terça. É uma decisão que a comunicação vai tomar, mas os atos estão limitados. Nós vamos fechar pela manhã, a partir das 10h. O presidente liberou a agenda para encerrar o debate sobre redação, e estaremos prontos para o anúncio”, afirmou Haddad.

Até o momento, não se sabe quanto seria economizado com os cortes. Questionado sobre o valor envolvido nesse conjunto de esforço fiscal, o ministro se limitou a dizer que o número total é “expressivo” e “o suficiente”.

O único valor confirmado pela Fazenda é de que o impacto fiscal das medidas de corte de gastos que atingirão militares gira em torno de R$ 2 bilhões por ano, como foi informado por Haddad nessa quinta-feira.

Os ministérios que devem ser impactados pelos cortes de gastos são: Educação, Saúde, Trabalho e Emprego, Previdência Social e Defesa — este último entrou após pedido de Lula.

Entre as possibilidades ventiladas pela equipe econômica estão:

  • revisão do abono salarial;
  • correção de irregularidades no Benefício de Prestação Continuada (BPC);
  • mudanças no Fundo de Educação Básica (Fundeb) e no recém-criado programa Pé-de-Meia;
  • alteração no seguro-defeso;
  • limitação dos supersalários no serviço público; e
  • alterações na pensão às famílias de militares expulsos, presente no instituto da “morte ficta”.

As medidas de revisão de gastos públicos serão enviadas ao Congresso Nacional na forma de proposta de emenda à Constituição (PEC) e de um projeto de lei complementar (PLP). Há expectativa de que o envio seja feito ao Congresso ainda em novembro.

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