Sociedade deve ‘mudar sua atitude sobre o estupro’, diz Gisèle Pelicot

Gisele Pelicot posa em Avignon, em 23 de outubro de 2024, durante o julgamento de seu ex-companheiro acusado de drogá-la por quase dez anos e de convidar estranhos para estuprá-la em sua casa em Mazan, uma pequena cidade no sul da FrançaCHRISTOPHE SIMON

Christophe SIMON

A sociedade deve “mudar sua atitude sobre o estupro”, instou nesta terça-feira (19) Gisèle Pelicot, em sua última aparição neste mega julgamento realizado na França referente aos abusos que sofreu durante décadas nas mãos de seu marido, que a drogava para que fosse estuprada por desconhecidos.

“Para mim, este julgamento será o julgamento da covardia”, repetiu três vezes na frente do ex-marido, Dominique Pelicot, que está sendo julgado em Avignon (sul da França), junto com outros 50 homens. Ele admitiu tê-la entregue a desconhecidos que recrutou na internet.

“Desde o início do julgamento, ouvi muitas coisas. Vi pessoas desfilando perante o tribunal que, em sua maioria, negam o estupro e é muito difícil para mim encarar esta banalidade”, declarou a mulher.

“Quero perguntar a eles em que momento, quando entraram naquele quarto, eu lhes dei meu consentimento? Em que momento, quando viram aquele corpo mole, eles tomaram consciência?”, indagou.

“Eu ouvi ‘eles estavam me manipulando’, ‘eu bebi um copo d’água, fui drogado’, mas em que momento eles não perceberam?”, questionou indignada a septuagenária, que se tornou um ícone feminista desde o início deste longo julgamento que teve início em 2 de setembro no tribunal criminal de Vaucluse.

“Poucas pessoas assumem a responsabilidade por seus atos. Eu ouço o homem que diz que ‘um dedo não é um estupro’. Que ele questione isso”, disse ela com veemência.

O último dos 51 réus a depor na terça-feira, Philippe L., 62 anos, adotou a mesma linha de defesa, explicando que estava “sob as ordens” do “demônio” Dominique Pelicot, e que na época acreditava estar participando do cenário de um casal libertino no qual a mulher fingia dormir.

“Eu não sabia que estava fazendo algo doentio. Não sabia que estava lidando com um ser maligno. Só entendi depois”, explicou o homem, apontando para Dominique Pelicot.

Acusado de “estupro agravado”, ele enfrenta, como a maioria dos 51 réus, uma pena de 20 anos de prisão.

– “Nada me fez suspeitar” –

Interrogada por vários advogados de defesa, Gisèle Pelicot se defendeu de ter estado “sob controle” ou “manipulada” pelo marido durante os 50 anos de vida em comum. “Absolutamente nada me fez suspeitar!”, repetiu ela.

“Ele tinha muitas fantasias que eu não conseguia satisfazer (…) e como eu não queria ir a um clube de swing, ele teve a ideia de me apagar! Perdi 10 anos da minha vida que nunca recuperarei. Esta cicatriz nunca vai sarar!”, exclamou.

Com o interrogatório de Philippe L., o julgamento conhecido como os “estupros de Mazan” terminou de examinar os 51 acusados com idades entre 26 e 74 anos. Dez deles voltaram várias vezes, convidados por Dominique Pelicot, até seis vezes em alguns casos.

Poucos pediram desculpas a Gisèle Pelicot, mesmo depois de serem confrontados com vídeos de suas ações, projetados diante do tribunal, com imagens chocantes em que a vítima aparece totalmente inerte.

Dominique Pelicot, de 71 anos, foi o primeiro a depor no início de setembro, sem explicar os motivos desta tendência, que se acelerou ao longo dos anos, com cerca de 200 estupros no total, metade deles cometidos por ele mesmo.

O julgamento entrará em sua fase final a partir de quarta-feira (20), com o início dos argumentos das partes civis, antes de ser provavelmente suspenso até segunda-feira para permitir que o Ministério Público prepare suas acusações, que durarão três dias.

Posteriormente começarão os argumentos da defesa, durante três semanas.

Restará então uma semana para os cinco magistrados profissionais do tribunal deliberarem, com um veredicto esperado até 20 de dezembro.

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