As diversas vozes da esquerda que tentam se fazer ouvir antes do G20 no Rio

Um grupo de mulheres com camisas e bonés do MST, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, em 14 de novembro de 2024Mauro Pimentel

Mauro PIMENTEL

Estampada em sua camisa, a icônica fotografia de Che Guevara acompanha o venezuelano Miguel Hernández enquanto ele percorre o movimentado centro do Rio de Janeiro, onde militantes de esquerda esperam ser ouvidos na cúpula do G20, apesar de um mundo que se inclina para a direita.

Assim como milhares de ativistas, este camponês do estado de Zulia, no noroeste da Venezuela, atendeu ao chamado do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para que a sociedade civil apresente soluções aos problemas globais.

Aos 33 anos, Hernández se preocupa com o meio ambiente e os direitos humanos, mas confia que as sugestões das organizações sociais serão ouvidas na cúpula que os líderes das maiores economias do planeta realizarão na segunda e terça-feira, no Rio de Janeiro.

“Os movimentos discutem sobre o que causou toda a crise climática: o desenvolvimento industrial, o desenvolvimento capitalista”, diz o homem que chegou ao Brasil há dois meses para intensificar seu ativismo.

“Procuram gerar propostas que parem ou controlem” esses problemas, acrescenta, distante do fracassado atentado contra o Supremo Tribunal Federal ocorrido na última quarta-feira em Brasília, que abalou o Brasil.

– “Somos escutados” –

Ao assumir a presidência do grupo das potências em Nova Délhi em 2023, Lula lançou o G20 Social, uma iniciativa inédita de participação cidadã que, na quinta-feira, no primeiro de seus três dias, reuniu 40.000 pessoas na Praça Mauá e seus arredores, no centro da “Cidade Maravilhosa”, segundo os organizadores.

O líder da esquerda latino-americana receberá um documento com as demandas da sociedade civil, que espera ser incorporado — ao menos os temas de consenso — na declaração final da cúpula do G20.

Os assuntos discutidos são tão variados quanto os rostos e as vozes que ecoam nas ruas cariocas.

“É muito importante saber que somos escutados de alguma forma”, afirma Maiara Viana, uma professora de 25 anos.

Povos indígenas, comunidades negras, estudantes, trabalhadores e jovens das favelas debatem estratégias para enfrentar o racismo, a desigualdade e o imperialismo, além de como proteger a água.

Também há espaço para conversas sobre feminismo, direitos da população LGBTQIAP+ e disparidade de gênero, além de coloridas feiras para comercializar artesanato. As noites são de lazer, com um festival musical que reúne ícones da música brasileira.

– A “ameaça” Trump –

“Espero que tudo o que for aprovado seja enviado e cumprido, porque viemos aqui para debater, ouvir e tratar de temas que são importantes para a sociedade”, aponta Claudio Oliveira, um vigia de 62 anos.

Embora o ambiente seja festivo e os debates ocorram de forma propositiva, não são poucos os que estão atentos à chegada do que consideram uma ameaça: Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, cético em relação ao aquecimento global e crítico do multilateralismo.

“Eu acho que é uma reviravolta muito grande o que vai acontecer. Vamos ver como é que vai ser em diante, mas eu acredito que coisas boas não vão vir”, afirma Elisangela da Silva, que trabalha com agricultura urbana em Recife, no nordeste do Brasil.

Apelidada de “Janja”, como a esposa de Lula, uma das promotoras do G20 Social, essa mulher negra de 45 anos usa uma camiseta vermelha com a frase “Solidariedade sem teto”, um lema que considera vital diante dos desafios que podem surgir no futuro.

“A gente fica um pouco resguardado, mas qualquer tipo de ameaça a gente vai para cima também”, aponta.

Alguns colocam em dúvida esse espírito. Na entrada do evento, diante de um cartaz que pede o combate à fome e à pobreza, um morador de rua dispara em voz alta, após não receber ajuda para comprar comida: “Tudo isso é hipocrisia!”.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.