Pirâmide “mais antiga do mundo” é desmascarada; entenda

Gunung PadangReprodução

Há pouco mais de um ano, um artigo publicado na revista acadêmica “Archaeological Prospection” chamou a atenção da imprensa e da comunidade científica. Assinado pelo geólogo indonésio Danny Natawidjaja, o texto afirmava que um importante sítio arqueológico na Indonésia era, na verdade, uma pirâmide soterrada.

“Mais que isso. Os autores cravaram que o monumento começou a ser construído há 25 mil anos, o que faria dela, de longe, a pirâmide mais antiga do mundo. Mas de muito longe!”, dizia o texto.

Para colocar em perspectiva: a diferença entre o nosso tempo presente e a época em que a Grande Pirâmide de Gizé foi erguida é menor do que o intervalo que separa a pirâmide egípcia da indonésia, segundo o artigo. Quando Gizé foi construída, há 4,6 mil anos, a pirâmide no Sudeste Asiático já teria aproximadamente 20 mil anos.

De acordo com Natawidjaja, a pirâmide foi obra de uma civilização sofisticada e desconhecida. Enquanto a maior parte do planeta estava coberta de gelo e os humanos precisavam caçar e colher para sobreviver, um povo em Java era tão avançado que já construía pirâmides.

Gunung Padang

Gunung Padang é um sítio arqueológico em Java Ocidental, composto por cinco terraços artificiais localizados no alto de um vulcão extinto, sustentados por muros de contenção. O artigo de 2023, no entanto, afirmava que o vulcão é uma pirâmide soterrada. Uma escadaria de 370 degraus de pedra conecta os terraços ao vale, onde estruturas megalíticas retangulares, formadas por centenas de blocos de andesito, cobrem os terraços.

Geólogos chamam os blocos de juntas colunares, formados por aquecimento e resfriamento devido à atividade vulcânica no passado. Essa evidência reforça a ideia de que se trata de um vulcão extinto, não de uma pirâmide, e foi um dos vários argumentos usados para criticar o artigo de Natawidjaja. Em março, a revista se retratou, esclarecendo que as datações de carbono aplicadas em amostras de solo não analisaram nenhum artefato humano. Logo, a interpretação de que o local se trata de uma pirâmide de pelo menos 9 mil anos é incorreta.

Cientificamente, isso foi um golpe nas alegações que já vinham sendo discutidas há anos. Natawidjaja passou um tempo defendendo a hipótese, conseguindo até convencer Susilo Bambang Yudhoyono, presidente da Indonésia entre 2004 e 2014, a criar uma força-tarefa para estudar e, preferencialmente, comprovar a teoria. “Não é difícil entender por quê. Um governante, em qualquer lugar do mundo, afirmar que, em seu mandato, o país descobriu ter a pirâmide mais antiga do mundo é um marco histórico, uma vitória política e um potencialmente enorme ganho econômico.”

A Indonésia, com suas paisagens exuberantes e rica cultura, poderia ganhar um ativo turístico de grande relevância, tornando-se uma potência nesse setor. Esse caso exemplifica como a arqueologia pode influenciar a política, embora, neste caso, de forma fictícia.

A Busca por Civilizações Antigas

O episódio evidencia a fascinação por teorias pseudocientíficas que falam sobre civilizações superantigas e superdesenvolvidas. O caso é comparável ao da “pirâmide” de 12 mil anos na Bósnia, uma teoria absurda, até mesmo apoiada pelo tenista Novak Djokovic.

Apesar de não ser uma pirâmide feita há milhares de anos, Gunung Padang é um dos sítios arqueológicos mais importantes de Java. Do último terraço, a vista para os vulcões é impressionante, atraindo visitantes em busca de beleza e espiritualidade. Muçulmanos sobem para ler o Corão entre as pedras, enquanto hindus vêm de Bali para realizar rituais durante a lua cheia. Até praticantes de pencak silat, uma arte marcial indonésia, se sentem atraídos pela montanha.

Os questionamentos sobre quem construiu as estruturas em Gunung Padang começaram há mais de 100 anos, com o arqueólogo holandês Nicolaas Johannes Krom. Uma lenda local diz que Siliwangi, inspirado por Sri Baduga Maharaja, um dos últimos governantes hindus de Java Ocidental, teria construído Gunung Padang da noite para o dia.

As estruturas mais antigas do local datam de cerca de 2 mil anos, segundo estudos mais confiáveis do que o polêmico artigo de 2023. Embora isso seja muito menos do que os alegados 20 mil anos, ainda assim faria de Gunung Padang um dos templos do tipo “punden berundak” mais antigos da Indonésia. É o maior e mais antigo desses templos, construídos em Java, em um período de contato com reinos budistas e hindus.

Por volta do século 5º, a região onde está o templo foi incorporada ao império de Srivijaya, que promoveu a expansão do budismo pelo Sudeste Asiático ao explorar a Rota da Seda Marítima. Esse comércio, que trocava utensílios de metal e têxteis da Índia e da China por ouro e madeiras de Java, pode ter possibilitado aos habitantes locais construir templos como Gunung Padang.

Após o trabalho de Krom, Gunung Padang ficou esquecido por mais de 50 anos. Em 1979, três fazendeiros redescobriram o local, e desde então o governo da Indonésia, que conquistou a independência dos holandeses em 1945, começou a investigar o sítio em busca de seu passado remoto.

A empolgação sobre Gunung Padang cresceu ao longo das décadas, culminando na absurda afirmação da pirâmide, que se baseou em uma amostra de solo sem vestígios humanos. Um arqueólogo britânico resumiu a questão em entrevista ao jornal “The Observer”: “Se você fosse ao Palácio de Westminster e retirasse uma amostra do solo a 7 metros de profundidade, você poderia datá-lo como tendo 40 mil anos. Mas isso não quer dizer que o Palácio de Westminster foi construído há 40 mil anos por humanos antigos. Significa apenas que há carbono lá embaixo com 40 mil anos.”

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