Maduro ignora veto do Brasil e discursa por inclusão da Venezuela no Brics

O presidente da Venezuela, Nicolás MaduroPedro Rances Mattey

Na quinta-feira (24), um dia após ser excluído da lista de 13 países convidados a se tornarem parceiros do Brics, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fez um discurso em Kazan, na Rússia, ignorando o Brasil, que trabalhou para sua exclusão. Maduro se apresentou como um dos 26 convidados da cúpula e, em sua fala, destacou os “irmãos” de Cuba, Bolívia e Nicarágua e disse “se ver” no bloco.

Na reunião do ano passado, os chineses trabalharam na última hora para incluir o antiamericano Irã e a Etiópia na maior expansão do grupo desde sua criação, em 2006, que também trouxe Egito e Emirados Árabes Unidos — a Arábia Saudita também ingressou, mas não consumou ainda sua adesão.

O Brasil era contrário a isso, não menos pelo caráter antiocidental que a mexida deu ao Brics. O chanceler Mauro Vieira, que representa o ausente presidente Lula (PT) no atual encontro em Kazan, minimiza isso, mas o Itamaraty trabalhou para arrefecer o ímpeto chinês.

Assim, ao longo dos meses que antecederam a cúpula russa, foi adotada a fórmula de convite a países para serem parceiros do Brics, sem os deveres e direitos da adesão plena. A ideia era manter certa coesão nas linhas do grupo e evitar a cacofonia que já se vê num clube com nações tão díspares.

Em seu discurso no encerramento da cúpula, Vieira defendeu os pontos usuais para reforçar a relevância do Brics, mas não citou a ampliação do time. Qualquer alteração na lista atual precisará ser pactuada com todos os membros do Brics (nove na prática). Apesar de uma declaração final com terminologia vaga, algo que tende a aumentar o quão mais houve membros no Brics, na retórica a dupla China e Rússia se manteve na ofensiva.

Para Xi, o bloco “tem de liderar o processo de reforma da governança econômica global”. Há um consenso entre os integrantes do Brics de que o atual arcabouço que rege o sistema monetário do planeta, herdado da conferência de Bretton Woods (EUA) em 1944, está desatualizado. Suas duas principais instituições, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, refletem o balanço de poder do pós-guerra, com predominância de americanos e europeus no seu comando. Mudar isso é um ponto em que Lula, Xi, Putin e os outros líderes do Brics concordam.

O presidente russo, por sua vez, deu um tom ainda mais político em sua fala na reunião final do chamado Brics+, uma versão com 26 convidados e a presença polêmica do secretário-geral da ONU, o português António Guterres — a Ucrânia diz que sua presença em um país em guerra sugere lado na disputa. O Ocidente, diz Putin, “está usando a Ucrânia para infligir uma derrota estratégica à Rússia”. “Isso é ilusão”, afirmou. Ele defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU, instância máxima da entidade, com maior representatividade do tal Sul Global.

O russo também voltou a criticar o regime de sanções aplicado pelos EUA e aliados contra Moscou, como punição pela invasão do vizinho em 2022. Para ele, é um “regime ilegal de manipulação de moedas”, um outro tema corrente no Brics: a tentativa de tirar do dólar a primazia nas transações comerciais entre países do grupo.

Apesar de este ser um problema muito russo, devido às sanções, Lula fez a mesma defesa em discurso na quarta (23). A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que lidera o banco dos Brics, deverá ser reconduzida ao cargo baseada na defesa desta mesma plataforma.

Outro ponto comum nas falas finais foi a condenação a Israel. Putin disse que o Oriente Médio está à beira de uma guerra total, e Vieira criticou a ação em Gaza, chamando-a de “genocídio do povo palestino”. Assoprou ao condenar o ataque terrorista do Hamas que iniciou o atual conflito, há pouco mais de um ano, mas logo virou-se contra “a reação desproporcional” do Estado judeu.

Largamente ausente dos debates oficiais, mas permeando as preocupações do grupo, está a eleição americana. Para diplomatas, a eventual volta de Donald Trump ao poder deverá acirrar ainda mais a Guerra Fria 2.0, de resto lançada pelo então presidente em 2017.

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