Ações na Justiça, empurra-empurra de responsabilidade, multas e reuniões: quem fez o quê sobre os apagões em SP?


Levantamento do g1 aponta ações tomadas por Aneel, Ministério de Minas e Energia, Procon, Ministério Público, Defensoria, prefeitura e governo de SP. Na segunda (21), Aneel intimou empresa a prestar esclarecimentos; documentação será integrada a processo e, a depender do resultado, contrato de concessão da Enel pode ser reincidido. Queda de postes deixou UPA Norte sem energia nesta semana
TV Globo/ Reprodução
Com apagões e falhas recorrentes no fornecimento de energia pela Enel em São Paulo, uma das principais questões para quem foi afetado é: quais ações estão sendo ou foram tomadas por Aneel, Ministério de Minas e Energia, Ministério Público, Procon, prefeitura da capital e governo do estado para pressionar a concessionária a solucionar os problemas?
Em um ano, o estado teve dois grandes apagões: o primeiro em novembro de 2023, quando moradores de mais de 2,1 milhões de imóveis ficaram cerca de seis dias sem energia elétrica. E o segundo, no dia 11 de outubro, quando mais de 3,1 milhões de residências passaram outros seis dias no escuro.
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Considerando os dois períodos, o g1 realizou um levantamento que aponta que os órgãos públicos emitiram multas, entraram na Justiça, criticaram uns aos outros e fizeram jogo de empurra a respeito das responsabilidades.
Mas antes de considerar as ações, é importante entender qual o papel de cada um no contrato de concessão da Enel:
O contrato de concessão é gerido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que age como representante da União, neste caso, o Ministério de Minas e Energia;
O Procon-SP e a Aneel podem aplicar multas por problemas na qualidade do fornecimento de energia;
Os governos estadual e o municipal podem reclamar, fazer pressão pública e entrar na Justiça, mas o contratante continua sendo a Aneel, que toma as decisões sobre multas, punições e abre investigações que podem levar ao fim ou não do contrato;
O poder de encerrar o contrato de concessão cabe ao Ministério de Minas e Energia. Considerada uma medida extrema, a cassação pode ocorrer quando confirmado que a concessionária descumpre obrigações contratuais e não tem condições de manter a prestação de serviços à população.
O contrato de concessão da Enel com o governo federal é de 30 anos. Iniciado em 2018, ele tem encerramento previsto para 2028, caso não tenha renovação.
Na segunda-feira (21), a Aneel intimou a empresa a prestar explicações pela demora no reestabelecimento de energia após o apagão e alegou que as explicações irão “integrar um relatório de falhas e transgressões” que irá iniciar um processo em que será avaliada a “recomendação de caducidade” do contrato de concessão (leia mais abaixo).
Quem pode suspender a concessão da Enel?
De 2019 até 2023, o Procon-SP e a Aneel já aplicaram diversas multas à Enel. Muitas delas foram derrubadas por ações judiciais. No apagão do dia 11 de outubro, os dois órgãos notificaram a Enel.
A prefeitura, o governo federal, a Defensoria Pública e o Ministério Público também entraram na Justiça contra a empresa.
O que diz a Enel
O g1 pediu que a empresa encaminhasse uma nota sobre o assunto, o que não foi feito. Em entrevista à GloboNews na sexta-feira (18), Guilherme Lencastre, presidente da concessionária, afirmou que indenizações e ações na Justiça serão analisadas caso a caso.
“Com relação à questão da indenização, nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos e a gente vai analisar caso a caso depois, em relação a outras situações.”
Procon
Sobre o apagão de 11 de outubro, o Procon informou que a Enel foi notificada para responder questionamentos, essas respostas serão analisadas e será verificado se atendem à legislação. Caso não atenda, o órgão vai abrir um processo para a aplicação de multa. A empresa tem prazo para recorrer durante o processo.
Até o ano passado, sete multas foram aplicadas pelo órgão de defesa do consumidor, mas nenhuma delas havia sido paga até a última atualização desta reportagem.
A primeira foi aplicada pelo Procon-SP em junho de 2019, no valor de R$ 5 milhões. A multa foi inscrita na dívida ativa.
Quatro delas foram suspensas por ação judicial, duas de 2020 e duas de 2021, nos valores de R$ 10 milhões, R$ 1 milhão e R$ 11 milhões.
Uma de novembro de 2023, em decorrência do apagão que deixou imóveis da Grande SP no escuro por 6 dias, no valor de R$ 12 milhões – está em análise para emissão da decisão.
A última multa é de janeiro deste ano, também no valor de R$ 12 milhões, que está aguardando manifestação técnica.
Aneel
A Aneel tem como papel monitorar e fiscalizar o contrato com a concessionária. Em 12 de outubro, um dia após o apagão, a Aneel disse que iria intimar a distribuidora para apresentar uma proposta de “adequação” da prestação do serviço de fornecimento de energia no estado.
Na segunda (21), a agência intimou a empresa a prestar explicações pela demora no reestabelecimento de energia após o apagão. “A intimação da empresa integra relatório de falhas e transgressões, que inicia processo para avaliação de recomendação de caducidade a ser apreciada pela Diretoria da ANEEL e, depois, encaminhada ao Ministério de Minas e Energia (MME)”.
Na próxima segunda-feira (28), um relator será designado para o caso.
Entre 2018 e 2023, a Aneel aplicou sete multas contra a concessionária:
5 delas foram pagas, referentes a problemas com a qualidade de atendimento, o descumprimento de determinação e questões técnicas;
Uma delas, de 2022, e referente à qualidade de atendimento, no valor R$ 95 milhões, foi suspensa;
Outra, sobre o apagão de novembro de 2023, no valor de R$ 165,8 milhões, também foi suspensa por decisão judicial.
Além da cobrança de multas, a agência informou ao g1 que, ao longo dos anos, realizou reuniões e até um workshop com a Enel (veja nota completa no final da reportagem).
“No âmbito do processo de aprimoramentos regulatórios para aumento da resiliência de redes, a ANEEL realizou workshop internacional para avaliar as melhores práticas no Brasil e no mundo com relação à detecção dos eventos, prevenção dos seis efeitos e recomposição do serviço”, afirmou.
Prefeitura de SP
Após os apagões de novembro de 2023 e o deste mês, a Prefeitura de São Paulo entrou na Justiça pedindo que a empresa regularizasse a situação com urgência.
Em 15 de outubro, a prefeitura entrou com uma ação exigindo o religamento, sob pena de multa diária de R$ 200 mil;
Em novembro de 2023, após 5 dias de apagão, a prefeitura ingressou com uma ação civil pública contra a empresa. Também entrou com uma ação exigindo o religamento imediato da energia, sob pena de multa de R$ 1 mil por hora.
Segundo a prefeitura, em 2023, “a aplicação de multa contra a ENEL foi indeferida pela 2ª Vara de Fazenda Pública”.
Na ação deste mês, uma liminar determinou que a Enel restaurasse a energia nos imóveis afetados no prazo de 72 horas, sob pena de multa diária de R$ 2.000. “A multa judicial normalmente é paga ao final do processo, com o trânsito em julgado, quando não cabe mais nenhum recurso.”
Em todas as ocasiões, Nunes reforçou que a prefeitura não tem responsabilidade pelas interrupções e culpou a Enel pelos apagões.
Tarcísio de Freitas em coletiva após reunião com prefeitos.
Reprodução/ TV Globo
Governo de SP
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniu em de outubro com prefeitos da região metropolitana e afirmou, em coletiva de imprensa, que foi feita uma carta pedindo intervenção federal no contrato de concessão da Enel.
A carta foi entregue para Augusto Ribeiro Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), que é relator na Corte de Contas de dois processos sobre os apagões em áreas de atendimento da empresa no estado. Na carta, Tarcísio também pediu a intervenção federal na empresa.
“A intervenção é fundamental porque a empresa não está fazendo o que cabe porque não quer ter despesa com operações simples, essa é a realidade. Por que a empresa não fez o que deveria? Porque ela não queria gastar dinheiro. Esse vira o papel do interventor, que pode determinar as despesas a serem feitas. A sugestão que a gente faz é urgente, ou na próxima chuva a gente vai estar aqui passando pelo mesmo problema”, afirmou Tarcísio.
Governo federal
Sobre os problemas do apagão de outubro, o Ministério de Minas e Energia entrou em queda de braço com a Aneel:
A pasta pediu que a agência tenha “rigor” na apuração da responsabilidade da distribuidora. Em ofício encaminhado ao diretor-geral da agência, o ministro interino Arthur Cerqueira Valério afirmou que os repetidos episódios de interrupção da prestação de serviço pela Enel devem “motivar uma firme atuação da agência”;
A Aneel, por sua vez, disse que qualquer “tentativa de intervenção ou tutela indevida” por parte do governo não contribui para solucionar o apagão.
O ministério fez uma força-tarefa com outras concessionárias do país para ajudar no restabelecimento da energia.
A Controladoria-Geral da União (CGU) também entrou na história e afirmou que enviou um ofício à Aneel no dia 14 anunciando que vai auditar ações da agência em relação aos dois apagões.
No apagão de novembro, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, chegou a notificar a concessionária para explicar a interrupção nos serviços essenciais.
Em abril deste ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que determinou à Aneel a abertura de um processo disciplinar para investigar o que ele chama de “transgressões reiteradas” da concessionária.
Ministério Público e Defensoria
O Ministério Público em São Paulo propôs, em dezembro de 2023, uma ação pela Promotoria do Consumidor para o ressarcimento aos moradores do estado pelos prejuízos materiais e morais do apagão de novembro daquele ano.
A ação também foi atualizada para incluir o apagão ocorrido em 11 de outubro e, no dia 15, a Justiça deu prazo de 24 horas para a Enel restabelecer a energia elétrica para os clientes afetados pelo temporal. A decisão liminar, da qual cabe recurso, prevê multa de R$ 100 mil por hora em caso de descumprimento.
Na Defensoria Pública, entre agosto de 2023 e agosto de 2024, foram iniciadas 176 ações pela falta de fornecimento de energia. “Cumpre destacar que, ainda que não tenhamos como fazer o filtro pela Enel como parte do processo, como em São Paulo a empresa tem monopólio do fornecimento de energia, podemos inferir que as ações são relacionadas à empresa”, disse o órgão, em nota.
O que diz a Aneel
“Incumbe à ANEEL a regulação e a fiscalização dos serviços de distribuição, sendo de inteira responsabilidade da concessionária a prestação do serviço de distribuição, nas condições contratadas e reguladas.
Novembro de 2023 – 4,2 milhões de unidades consumidoras tiveram o serviço interrompido em razão de fortes chuvas que afetaram o estado São Paulo, com ventos superiores a 100 km/h, levando à queda de centenas de árvores próximas e sobre as redes de distribuição de energia elétrica.
A ANEEL e ARSESP, imediatamente, iniciaram o processo de monitoramento, coordenação e orientação do processo de recomposição, participaram de reuniões de coordenação de ações junto às distribuidoras e os poderes públicos federal, estadual e municipal; encaminhou Ofícios a todas as distribuidoras afetadas determinando ações e providências quanto ao restabelecimento e comunicação com os consumidores e solicitou à ARSESP a imediata instauração do processo de fiscalização para apuração das responsabilidades a aplicação das sanções cabíveis.
Ainda em novembro, a Diretoria Colegiada da ANEEL realizou reunião com todas as Distribuidoras de Grande Porte do país para determinar a adoção de uma série de medidas de curto prazo para se enfrentar os impactos de eventos climáticos de maior severidade.
Dezembro de 2023 – Ofício-Circular nº 16/2023 do Diretor-Geral da ANEEL formaliza as medidas discutidas na reunião, definindo agenda de curto, médio e longo prazo. (Ofício em Anexo).
Incluída na Agenda Regulatória da ANEEL 2024-25 a atividade “Aprimoramentos regulatórios para aumento da resiliência do sistema de distribuição e de transmissão a eventos climáticos extremos”.
Concluído o Termo de Notificação e o Relatório de Fiscalização do evento de 03/11/2023, disponibilizados para manifestação da Enel SP.
Fevereiro de 2024 – ANEEL emite o Auto de Infração 002/2024-SFT, aplicando à Enel São Paulo a multa de R$ 165,81 milhões em razão do evento de 03/11/2023. A multa se encontra suspensa por decisão judicial.
ANEEL instaurou a Tomada de Subsídios nº 002/2024, para debater ações relacionadas à gestão da arborização urbana, aos planos de comunicação com a sociedade e o Poder Público, à integração entre organizações, ao compartilhamento de recursos, aos planos de contingência, discussão sobre enterramento de circuitos elétricos. As contribuições agora serão consolidadas para elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e abertura da Consulta Pública com a minuta de regulamento.
No âmbito do processo de aprimoramentos regulatórios para aumento da resiliência de redes, a ANEEL realizou workshop internacional para avaliar as melhores práticas no Brasil e no mundo com relação à detecção dos eventos, prevenção dos seis efeitos e recomposição do serviço.
ANEEL instaurou a Tomada de Subsídios 004/2024 para discutir: i) padrão de relatório de expurgos em situação de emergência a ser elaborado pelas Distribuidoras de energia elétrica; ii) revisar a modelagem dos dados sobre interrupções e ocorrências emergenciais, atualmente recebidos mensalmente pela ANEEL.
Foi realizada reunião com o Grupo Enel para apresentação do modelo regulatório Italiano ARERA de incentivos para aumento da resiliência da rede de distribuição, com a participação dos Diretores da Aneel e áreas técnicas.
Maio de 2024 – foi realizada reunião com a Enel, Diretora Agnes e área técnicas para a Distribuidora apresentar as ações em andamento em relação à resiliência da rede e ao enfrentamento dos eventos climáticos severos.
A ANEEL, em articulação com a Defesa Civil do estado de São Paulo, e as concessionárias de distribuição que atendem o estado, propôs, em maio de 2024, a realização de um Projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) cooperado, voltado à melhoria da infraestrutura meteorológica do Estado de São Paulo, e o aprimoramento das informações sobre variáveis climáticas. A proposta de PDI foi apresentada pelas distribuidoras em agosto de 2024, com previsão de entregas ainda este ano, tendo como escopo a melhoria da cobertura e resposta meteorológica; a definição de zonas elétricas de maior vulnerabilidade; e a implantação de um Centro de Vigilância e Operação Meteorológica. Como resultado desse trabalho, espera-se a melhoria e padronização do processo de previsão meteorológica, além de auxiliar a Defesa Civil do estado na preparação para eventos climáticos extremos
Junho de 2024 – foi realizada reunião nova com a Enel, agora com o Diretor Geral e área técnicas para a Distribuidora apresentar as ações em andamento em relação à resiliência da rede e ao enfrentamento dos eventos climáticos severos.
Foi aberto processo de verificação da regularização pela ENEL São Paulo das não conformidades constatadas no Auto de Infração nº 0002/2024-SFT e emitido o TN n° 0241/2024-SFT.
Realizada fiscalização foi realizada inspeção de verificação da Operação e Manutenção em Alimentadores da Enel SP em campo (2ª etapa a primeira ocorreu em 2023).
Setembro de 2024 – Como etapa preparatória para o início do período de eventos extremos, a ANEEL, convocou todas as concessionárias de distribuição concentradas nas regiões Sul e Sudeste para apresentação dos planos de contingência para o verão de 2024/2025, que terão acompanhamento de sua implantação por parte das equipes de fiscalização da ANEEL e agências estaduais conveniadas.
Outubro de 2024 – Aberta a Consulta Pública para debater os aditivos aos contratos de concessão a serem utilizados no processo de renovação das concessões de distribuição. Os contratos exigirão metas de restabelecimento em razão de eventos climáticos extremos, além de outros avanços com relação à qualidade do serviço e satisfação dos consumidores.
Foi instaurado o processo de intimação da Enel SP como parte integrante de Relatório de Falhas e Transgressões com fim de análise de eventual recomendação de caducidade para análise da Diretoria Colegiada da ANEEL, além de outras penalidades previstas em contrato em razão de falhas na prestação do serviço relacionada aos eventos da última sexta-feira, dia 11/10/24.”
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