O múltiplo Moacir Pereira

Caminhar pela magnífica orla de sua cidade natal, aumentar a rotina de exercícios físicos e pilates, tomar um cafezinho pelos pontos de encontro mais emblemáticos, bater papo e programar mais e mais viagens, sempre ao lado de Adir, a mulher amada e companheira de mais de cinco décadas de jornada. E, obviamente, escrever e escrever muito, e sempre.

Moacir Pereira em ensaio para o seu caderno especial de 60 anos de carreira

Moacir Pereira em ensaio para o seu caderno especial de 60 anos de carreira – Foto: Anderson Coelho/ND

O futuro se revela tranquilo e promissor para o jornalista, colunista e escritor manezinho com muito orgulho, Moacir Pereira. Ah! Embora o jornalismo seja a profissão protagonista em sua vida, ele também é advogado. Formou-se em Direito em 1970, exerceu funções no serviço público e aposentou-se como procurador do Estado, junto ao Tribunal de Contas.

Mudar é sempre um desafio. E mudar aos 79 anos requer, mais que determinação e disposição, muita coragem. E coragem não falta a Moacir, às vésperas da aposentadoria de uma carreira no jornalismo diário de mais de 60 anos. Uma meia aposentadoria, é verdade, porque a veia de escritor clama, e ele anunciou que vai agora se dedicar à vida acadêmica, que já soma mais de 50 livros e mais dezenas por escrever.

Além da aposentadoria do colunismo político diário, Moacir também viverá uma mudança radical, que é deixar a casa dos sonhos da família, construída há 25 anos no aprazível Canto dos Araçás, na Lagoa da Conceição. Ele também chama a morada de “A Casa das Sete Mulheres”, em uma referência a Adir, as duas filhas e as quatro netas.

Colocar à venda a casa de 500 metros quadrados e dois pisos, sonhada por décadas e projetada com tanto carinho em meio a um amplo terreno desnivelado,  tomado por árvores frutíferas e frequentado por vários espécimes da fauna local, não foi uma decisão fácil. A propriedade, a quinta morada da família, já funcionava como destino de lazer dos Pereira há muitos anos, quando a região era uma estrada de terra só acessada a pé ou a cavalo.

Pesou na decisão o fato de que o casal decidiu curtir a aposentadoria em um apartamento de um andar, de preferência na Beira-Mar Norte. Adir é muito ativa, se exercita com frequência, mas tem um problema no joelho e, embora ame de paixão a escada em caracol que dá acesso ao segundo piso, decidiu desapegar da sua morada.

Esta escadaria, em meio a um jardim de inverno e iluminada por uma claraboia, é um dos espaços preferidos de Adir na casa. “Acredita que estas folhagens têm 25 anos?!”, exclama Moacir, acrescentando que não tinha ideia de que as plantas ornamentais durassem tanto tempo assim.

E o que o múltiplo Moacir Pereira, um típico manezinho da Ilha, primogênito dos quatro filhos do marceneiro Manoel e da dona Hercília, nascido no bairro da Agronômica, em 10 de agosto de 1945, quando tudo por lá era sítio, não faria por Adir?

Muita perseverança para conquistar a amada

Adir e Moacir, juntos há 55 anos – Foto: Anderson Coelho/ND

Desde a primeira vez em que colocou seus olhos na garota ousada de minissaia – e acompanhada por um namorado –, numa festa em meados dos anos 1960, Moacir soube que ela seria a mulher de sua vida. Recorda que se recuperava de um fora monumental, que hoje agradece ter levado, pois foi graças a ele que grudou os olhos em Adir. Ou melhor, nas suas pernas. “Foram as coxas dela que me conquistaram”, brinca.

Logo tratou de descobrir quem era Adir Maria Cardoso, que ao casar, em 1967, incorporou o Pereira ao sobrenome. Em meio à cumplicidade cultivada ao longo das mais de cinco décadas, em que em vários momentos um puxa a memória do outro para corrigir datas e a cronologia dos eventos, Moacir se diverte ao recordar os longos meses que passou tentando chamar a atenção de Adir.

Conta que se entusiasmou quando soube que ela não estava mais namorando. Às vezes, a observava na missa e viu uma oportunidade de aproximação quando a encontrou passeando em um DKW com um casal amigo e a irmã Amélia – que eles consideram uma espécie de cupido. Em um bate-papo rápido, falaram em ir ao cinema. Ela disse que iria, e lá foi ele entusiasmado e armado com todo o arsenal de pipoca e guloseimas esperá-la no Cine São José. O filme? Nem se recorda, mas a lembrança dolorida é a de que Adir deu o cano. E Moacir desistiu? Óbvio que não.

Na época, tanto Moacir quanto Adir trabalhavam na UFSC. Ele também já era um radialista conhecido, o que na época não era muito bem-visto pelas ‘moças de família’. Adir atuava na Divisão de Materiais e ele sempre dava um jeito de se aproximar quando a moça estava tomando café. Ela conversava amigavelmente, mas não demonstrava interesse e, orgulhosa, nunca permitiu que ele pagasse seu café.

Semanas e semanas se passaram até que a persistência de Moacir deu resultado e Adir aceitou namorá-lo. Nove meses de namoro e oito meses de noivado depois, em junho de 1969 os dois subiram ao altar, ele com 23 anos e ela, com 19. Foi dada a largada à jornada que resultou em uma família com três filhos – Moacir (54 anos), Liliane (50) e Sílvia (45) – e quatro netas – Caroline (30), Amanda (23), Letícia (19) e Alícia (10).

Na época, o jovem Moacir já acumulava três empregos – uma marca da multiplicidade que é uma de suas principais características – e pediu que a mulher se dedicasse ao lar, pois poderia sustentar sozinho a família. Ela aceitou, comprou uma máquina de costura e já começou a planejar o enxoval do primeiro filho, uma gravidez confirmada seis meses depois do casamento. Hoje, Moacir confessa que se arrepende de ter tolhido a carreira profissional de Adir, mas se rasga em elogios para a excelente mulher, mãe, filha e administradora do lar que ela se tornou.

Família na missa que comemorou as Bodas de Ouro do casal, na Capela do Divino Espírito Santo – Foto: Reprodução

Uma lua de mel inesquecível

Moacir ri e se questiona como o pai de Adir permitiu a insana viagem que empreenderam na lua de mel. O primeiro trecho, até Porto Alegre, foi feito em um fusquinha 67. De lá, partiram para a primeira longa viagem, de 22 dias, um pouco de ônibus, de avião e de navio pelo Uruguai e pela Argentina. Iniciava ali uma jornada que faria parte das melhores memórias do casal, que já perdeu as contas de quantos países percorreu.

Um pai que procurou ser presente, mesmo que ausente

Com Adir administrando a casa e criando os filhos, e Moacir se dedicando a tantos projetos simultaneamente, vieram as habituais reclamações dos filhos sobre a ausência do pai. Ele admite que sempre tentou ser presente, mas quando o dever chamava, não se furtava em interromper encontros familiares. Um desses momentos ocorreu no Dia das Mães de 2015, em que teve que ausentar-se no meio da tarde, assim que recebeu a informação da morte do então senador e ex-governador Luiz Henrique da Silveira.

Também lembra da madrugada de 1º de fevereiro de 2008, quando recebeu em primeira mão a informação da morte do empresário Beto Carrero, e imediatamente lançou-se na cobertura.

As outras paixões de Moacir

Mesmo numa vida dedicada à carreira e à família, o jornalista conseguiu curtir tudo que a vida tem de melhor – arte, viagens e um bom estrogonofe

A infância

O menino Moacir acredita que seu excelente desempenho em todas as atividades a que se propôs deve ser creditado à boa educação escolar que teve. Quando menino, observava o trabalho do pai marceneiro, na fabricação de escadas, portas, janelas, móveis, e logo começou a se aventurar fazendo carrinhos, caminhões, balões e pipa para vender. Ele acredita que, secretamente, sua mãe gostaria que ele fosse padre. Ele não chegou a tanto, mas sempre foi coroinha.

O cinema

Moacir descobriu o cinema aos 13 anos, quando foi convidado pela dona do Cine São José para trabalhar como baleiro. O convite vinha com um “porém”… ele só seria aceito se tivesse boas notas na escola, o que, para ele, não era um problema, já que elas nunca caíram de 7. E assim, ele conseguiu unir o útil ao agradável, ganhando uns trocados e assistindo aos filmes.

O cinema lhe abriu os horizontes. Foram tantas sessões que ele consegue, até hoje, recitar os diálogos de uma das produções de maior sucesso de todos os tempos, o clássico Os Dez Mandamentos, de 1956, na época em que, à noite, os homens só entravam no cinema se estivesse vestindo paletó.

Hoje, ele e Adir gostam de passar momentos em sua sala de estar no andar térreo, onde desce um telão, assistindo clipes e filmes, ou na sala de TV do andar superior.

Com o tempo, os filmes de faroeste, aventura, policiais e de ação deram lugar a documentários, comédias e romances, pois ele observa que Adir internaliza demais os dramas e resolveram buscar leveza. Um dos últimos filmes que assistiram na Netflix foi o espanhol “Não Posso Viver sem Você”, comédia sobre um homem viciado no celular do trabalho.

As tecnologias

Engana-se quem subestima a aptidão tecnológica do jornalista, que sempre gostou de novidades – Foto: Anderson Coelho/ND

Ao contrário do que os mais jovens possam pensar, Moacir Pereira sempre soube lidar com as tecnologias com a mesma destreza com que percorria o teclado das antigas máquinas de escrever, falava ao microfone ou se apresentava na televisão. Mais do que adaptar-se facilmente, ele é um entusiasta. Foi assim com as máquinas de escrever elétricas, com telex, o fax – ele revela que usava uns três rolos de papel por semana – e igualmente com os computadores. “Como faziam a revisão antes do computador?”, surpreende-se. Foi um dos primeiros profissionais da imprensa catarinense a comprar um notebook nos anos 1980. Também foi o primeiro a usar iPad para coberturas jornalísticas.

Gastronomia

Sua comida preferida é estrogonofe de filé. Também gosta de uma boa língua ensopada com ervilhas, de uma dobradinha bem feita, e adora carne de ovelha. E é louco por doces, em especial pudim de leite, e alguns preparos que remetem à infância, como a caçarola italiana com coco, também conhecida como toucinho (ou docinho) do céu, e torta mineira. Também não dispensa uma barra de chocolate e balas, que procura ter sempre à mão no escritório ou espalhados pela casa.

Dotes culinários

Moacir admite não ter muitos dotes culinários nem destreza na cozinha, onde só se aventura a passar café. Suas produções se limitam ao preparo dos churrascos em família, em especial uma boa costela de chão. Costela esta que aprendeu com um dos daqueles que considera um dos seus mestres no jornalismo, e que se tornou grande amigo, o jornalista e político gaúcho Antônio Britto, que conheceu quando trabalhou na sucursal catarinense do Correio do Povo gaúcho, bem antes dele entrar para a história brasileira como o porta-voz que anunciou a morte do presidente Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985.

Vida esportiva

E não é que trabalhando simultaneamente em rádio, jornal, estudando, na UFSC, cuidando da família, implantando cursos de Jornalismo, viajando e curtindo a vida, Moacir Pereira também encontrava tempo para o esporte? Como canhoto, diz que era um bom jogador de futebol envergando a camisa 4. E também criou um time, o Esporte Clube Juventude, da Agronômica. Moacir também velejava desde cedo e conquistou alguns troféus. E era bom no dominó, mas abandonou as competições porque é um jogo muito parado. Porém, a paixão pelo dominó foi revertida em um livro. “O Mestre da Amizade – Dominó do Estimado”, publicado em 2014, é uma homenagem aos 80 anos de Jorge Seara Polidoro e seu conhecido torneio, valorizando o jogo como um elemento que aprimora as relações sociais, unindo em torno de uma mesa seres de diferentes condições sociais, econômicas, hierarquias e preferências políticas ou religiosas.

Música

Moacir e Adir gostam de músicas new age, MPB e as trilhas sonoras dos grandes sucessos do cinema. Duas músicas citadas com frequência por ele são “My Way”, de Frank Sinatra, cuja letra ele admira demais e diz “…Arrependimentos, eu tive alguns. Mas ainda assim, tão poucos para mencionar. Eu fiz o que eu tinha que fazer. E persisti, sem exceção. Eu planejei cada caminho do mapa. Cada cuidadoso passo ao longo da estrada. E mais, muito mais que isso. Eu fiz do meu jeito…” E se orgulha de contar que até foi aplaudido cantando “My Way” em um cruzeiro.

A outra é “Memory”, de Barbra Streisand, cujos efeitos da letra, que ele frisa ser profunda e belíssima, descreve em “Navegar é Preciso”. “Fica mais tocante executada numa noite de luar, com boa companhia e um bom vinho”, para logo depois lembrar a inclusão da mesma no musical “Cats”. Ele também não dispensa um bom rock, ainda mais se for trilha sonora do próximo cruzeiro.

De Andrea Bocelli à Broadway, a música está sempre presente em seu lar – Foto: Anderson Coelho/ND

As viagens

“Navegar é Preciso! – Viaje e Descubra um Mundo de Riquezas Culturais”, livro que o jornalista lançou no ano passado, e que é uma de suas produções favoritas, fala sobre uma das últimas viagens do casal às Ilhas Britânicas, em um dos mais frequentados cruzeiros da Europa. O local da partida não poderia ser mais emblemático – Southampton, porto de onde partiu o Titanic, em 1912.

Moacir já perdeu a conta de quantas viagens fez e de quantos países já conheceu. Com certeza, foram mais de 50, e a lista dos que pretende ainda visitar ou retornar é grande. Moacir é um aficionado por cruzeiros. Na obra, ele cita os benefícios e o conforto oferecidos nos cruzeiros, com a vantagem de poder percorrer diferentes cidades ou países sem ter que ficar arrastando malas e bagagens. E entre informações sobre o mercado do turismo e o efervescente crescimento do setor dos cruzeiros, ainda destaca a riqueza cultural e histórica dos locais por onde passa.

Na sala de estar, Moacir e Adir reúnem em prateleiras de vidro fechadas as lembranças de suas viagens. Cada objeto ali tem uma história que merece ser contada. Os barcos ganharam um espaço inteiro.

As lanchas

As lanchas, depois das viagens, seriam o símbolo máximo de ostentação de Moacir Pereira, que é um manezinho de hábitos rotineiros muito simples. Ele começou com as menores e foi gradativamente aumentando. A última tinha 30 pés e era sua verdadeira paixão, mas depois de um pequeno acidente, Adir conseguiu convencê-lo a vendê-la. “Era um amor… Ele cuidava tanto que chegava a lamber”, diz ela, enciumada.

As obras de arte

Na sala de estar, uma parede inteira é dedicada às pinturas de paisagens da Capital do artista plástico João Feliciano, conhecido como Nicson, cuja morte foi anunciada pelo próprio Moacir em 2 de março deste ano, no portal ND. “O pintor era um craque em pintar cenários da Ilha de Santa Catarina usando apenas a espátula. Pintou, também, paredes de restaurantes e instituições públicas e privadas de Florianópolis e outros municípios”, descreveu. Por lá também tem um Martinho de Haro, um Juarez Machado…

Devoção à Santa Catarina de Alexandria

Artistas clássicos e locais decoram as paredes e estantes da casa. – Foto: Anderson Coelho/ND

Devoto de Santa Catarina de Alexandria, a Padroeira dos Filósofos, Moacir também reserva espaço especial para uma coleção de esculturas em diferentes materiais, onde se destacam peças em madeira da escultora Ingrid Thales, de Treze Tílias.

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