Entenda o papel da Enel e de cada ente da federação no apagão de SP

Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.

Conteúdo analisado: Posts, incluindo publicação de um vereador paulistano, que afirmam que o apagão teria sido proposital a fim de alavancar a campanha de Guilherme Boulos (PSol) nas eleições municipais. Posteriormente, o assunto ganhou alcance e chegou a ser tema de discussão no primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, Boulos e Ricardo Nunes (MDB).

Comprova Explica: O apagão ocorrido na Grande São Paulo no dia 11 de outubro foi ocasionado por um forte temporal, e chegou a atingir 3,1 milhões de imóveis na região metropolitana da capital, segundo a Enel. Além disso, de acordo com a Defesa Civil do Estado, sete mortes foram registradas.

A situação, que já durava mais de 120 horas no momento da publicação desta reportagem, ainda sem uma previsão de restabelecimento completo do serviço – 36 mil imóveis ainda seguiam sem energia, nesta quinta-feira (17) –, trouxe à tona questionamentos sobre a responsabilidade do poder público e da Enel, empresa privada responsável pela distribuição de eletricidade em São Paulo, principalmente após a empresa, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), trocarem acusações sobre a culpa pela crise.

A seguir, a seção Comprova Explica traz o papel de cada ente da federação.

Quem é responsável pelo apagão e qual a responsabilidade dos governos?

Enel

É a principal distribuidora de eletricidade de São Paulo, com 37% de todos os clientes paulistas, segundo dados de 2021. A maior parte dos consumidores atingidos – 3,1 milhões, mais do que os 2,1 milhões informados inicialmente – está em área sob concessão da Enel. Portanto, a empresa tem responsabilidade direta pela falta de luz.

No entanto, no contrato de prestação de serviço de distribuição de energia elétrica da Enel, que é público, não está previsto prazo para restabelecimento do serviço em caso de um evento climático que provoque a falta de luz. No documento, só constam tais prazos para casos de suspensão por falta de pagamento, que são de 6 horas no meio urbano e 24 horas no meio rural.

Governo federal

A Enel é regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), instituição federal responsável por fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no país. O atual diretor-geral é Sandoval de Araújo Feitosa Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL) em abril de 2022, ainda durante a gestão do ex-presidente.

Nos últimos dias, o órgão tem sido alvo de discussão e até de reclamações do prefeito Ricardo Nunes. Para ele, a  responsabilidade seria da esfera federal, não municipal. A mobilização foi tamanha que a Aneel emitiu uma nota à imprensa em que reforçou o papel que cumpre e repudiou “qualquer tentativa de intervenção ou tutela indevida”.

Além da Aneel, o setor elétrico brasileiro é composto, a nível federal, por seis outras instituições, com papéis principalmente de planejamento e monitoramento. São elas, por ordem de hierarquia:

  • Ministério de Minas e Energia (MME): responsável pela condução das políticas energéticas do Brasil.
  • Conselho Nacional de Política Energética (CNPE): órgão interministerial que assessora o presidente da República; suas principais atribuições são a formulação de políticas e diretrizes de energia que assegurem o suprimento a todas as áreas do país.
  • Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE): acompanha e avalia a continuidade e a segurança do suprimento elétrico em todo o território nacional; é composto tanto pelo MME quanto pelas instituições seguintes.
  • Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE): reúne empresas e instituições que viabilizam operações de compra e venda de energia em todo o Brasil.
  • Empresa de Pesquisa Energética (EPE): realiza estudos e pesquisas com o objetivo de subsidiar o planejamento do setor energético.
  • Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS): opera, supervisiona e controla a geração de energia elétrica no Sistema Integrado Nacional (SIN), além de administrar a rede básica de transmissão de energia elétrica no país.
  • Na quarta-feira (16), a Controladoria-Geral da União (CGU) abriu uma investigação para apurar irregularidades envolvendo dirigentes da Aneel. A ação é em resposta a denúncias encaminhadas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Governo estadual

O governo paulista também tem uma agência reguladora estadual. É a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), que fiscaliza todas as concessionárias do estado. A agência tem, entre as próprias competências:

  • Estabelecer normas e padrões para otimizar a prestação dos serviços;
  • Fazer com que sejam cumpridas as regras estabelecidas em contratos e regulamentos, bem como aplicar penalidades quando necessário;
  • Assegurar o equilíbrio econômico-financeiro e o efetivo cumprimento dos contratos de concessão.
  • Ou seja, embora não possa solucionar o problema de energia, a Arsesp cumpre um papel voltado principalmente ao aspecto de cobrar a Enel.

Governo municipal

O papel de uma prefeitura é basicamente o de realizar ações preventivas – por exemplo, a poda e o manejo das árvores. No primeiro semestre deste ano, dados da Prefeitura de São Paulo mostram que há mais de 13 mil pedidos de poda em aberto na cidade. A queda de árvores foi uma das razões que levaram ao apagão na capital paulista.

Vale notar que, em 2020, a Prefeitura de São Paulo firmou um convênio com a Enel para que a empresa fizesse a poda de árvores próximas ou em contato com a rede de energia elétrica – outra justificativa que tem sido apresentada por Nunes para eximir a prefeitura de responsabilidade na gravidade do blecaute.

Na Resolução Normativa Aneel n° 1.000/2021 é citado, ainda, que são de responsabilidade do poder público municipal: a elaboração do projeto, a implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública.

O Comprova procurou o Ministério de Minas e Energia e a Enel, mas não houve retorno.

Fontes consultadas: Contrato de prestação de serviço da Enel; Aneel, do governo federal; Arsesp, do governo do estado e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova realizou outras verificações sobre blecautes no país, como quando concluiu que uma postagem enganava ao relacionar apagão em 25 estados brasileiros e no DF a decreto para compra de energia na Venezuela, em 2023.

Próximo ao período eleitoral do ano anterior, o tema sobre queda de energia foi usado para falsas alegações de que as Forças Armadas haviam descoberto fraudes decorrentes de apagões nas eleições de 2014 e 2018. Ainda em 2022, ano da Copa do Mundo de Futebol, o Comprova mostrou que um conteúdo afirmava, de forma satírica, que Richarlison havia protestado contra falta de eletricidade no Amapá poucas horas antes de o Brasil entrar em campo contra o Uruguai.

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