Mulheres no ritmo: presença feminina avança nas baterias de escolas de samba


A Estação Primeira de Mangueira se destaca como um símbolo dessa transformação, sendo a única escola do Grupo Especial com um naipe de ritmistas exclusivamente feminino, que domina o xequerê. Mulheres no ritmo: presença feminina avança nas baterias de escolas de samba
O Desfile das Campeãs acontece neste sábado (8) e marca o fim do carnaval carioca. Este ano, as comemorações das escolas vencedoras da folia se misturam à força feminina com o Dia Internacional da Mulher sendo celebrado na mesma data.
Do samba no pé à magia dos barracões, as mulheres quebram barreiras e conquistam espaço, desafiando a tradição e assumindo o protagonismo em algumas baterias das escolas de samba.
A Mangueira é a única escola do Grupo Especial com um naipe de ritmistas exclusivamente feminino
Stephanie Rodrigues/g1
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A Estação Primeira de Mangueira se destaca como um símbolo dessa transformação, sendo a única escola do Grupo Especial com um naipe de ritmistas exclusivamente feminino, que domina o xequerê. O instrumento possui origem africana e foi introduzido na bateria para o carnaval de 2023, inspirado no enredo sobre ‘As Áfricas que a Bahia canta’.
A ala feminina é um marco na história da Estação Primeira, já que por quase 80 anos, a Mangueira não aceitou mulheres como ritmistas em sua bateria. Este tabu foi quebrado no carnaval de 2007 pelo então presidente da bateria, Ivo Meirelles. 
O mestre Taranto Neto explica que a decisão de criar um naipe exclusivo feminino surgiu tanto do desejo de empoderar mulheres, quanto da predominância delas nos testes para a ala.
“Quando convidamos as pessoas, só vieram mulheres para fazer o teste. Com a diretoria, a gente decidiu que essa ala, pelo menos essa ala da bateria, seria só de mulheres. Não vemos motivo e nem possibilidade de acabar com a ala ou de botar um homem nela. Hoje, essa ala está perpetuada só para mulheres mesmo”. 
Para Gabriela Assis, ritmista da Mangueira, a presença feminina na ala do xequerê representa um movimento dentro da escola de samba para aumentar a participação das mulheres no samba.
“Esse já é o meu terceiro ano no naipe de xequerê. A primeira palavra que me vem à mente é ‘potencializador’. A gente é um grupo muito parceiro, unido, que se ajuda. Um naipe formado só por mulheres faz parte de um movimento de aumentar a nossa representatividade na bateria, que classicamente é formada por homens. É uma honra e um orgulho assim fazer parte disso”.
Xequerê é um instrumento de percussão muito utilizado no ritmo do maracatu e em religiões de matriz africana
Stephanie Rodrigues/g1
Um instrumento tradicionalmente feminino
Instrumento de percussão originário da África Ocidental, especificamente Nigéria e Benin, o Xequerê — conhecido como ‘Ṣẹ̀kẹ̀rẹ̀’ em iorubá e como Agbê no Brasil — é amplamente utilizado em religiões de matriz africana como o Candomblé e nos cultos de Iorubás, tendo chegado ao Brasil no século 19 e se integrado à cultura brasileira, especialmente em maracatus de Recife (PE). 
A confecção do instrumento é feita da cabaça seca — um tipo de fruto — e enfeitada com miçangas ou conchas. Ele é tradicionalmente feito e tocado por mulheres. 
“O xequerê, por si só, já traz consigo a cultura dos ritmos africanos. Só em ser tocado por mulher, já demonstra a força que tem e o poder que ele tem”, explica o produtor cultural e percussionista da Mangueira, Ricardo Guerra.
Naipe de xequerê no desfile da Mangueira, no carnaval de 2025
Stephanie Rodrigues/g1
Batuque das Guerreiras
Com o objetivo de formar uma bateria exclusivamente de mulheres, a escola de samba Unidos de Padre Miguel fundou o grupo Batuque das Guerreiras, um projeto da agremiação regido pela mestra Vivian Pitty.
Criado em 2022 por Vivian e pelo presidente da bateria mestre Dinho, o grupo busca mostrar que talento e dedicação não têm gênero, acolhendo meninas e mulheres a partir de 12 anos que querem aprender a tocar um instrumento de percussão. 
 Vivian reforça que o objetivo não é tomar o espaço de ninguém, mas conquistar o espaço da mulher no samba.
“Mostramos que o lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive no coração do samba, tocando, liderando e fazendo história. Não estamos querendo tomar o espaço de ninguém, e sim conquistar o nosso”.
Este ano, a Bateria Feminina está unindo suas forças com o Departamento Social da Unidos de Padre Miguel para expandir os projetos sociais.
“Por ser um projeto à parte dentro da escola, a Bateria Feminina precisa se adaptar aos trabalhos que a Unidos de Padre Miguel estava desenvolvendo no Grupo Especial. No entanto, a escola sempre tem dado total apoio à bateria, seja oferecendo espaço para as aulas ou disponibilizando os instrumentos da bateria principal para nosso uso”, explica Vivian.
O grupo Batuque das Guerreiras acolhe meninas e mulheres a partir de 12 anos que querem aprender a tocar um instrumento de percussão.
Arquivo pessoal
Inclusão com escolas de samba LGBTQIA+
A diversidade no carnaval também ganha força com blocos e escolas de samba que celebram a comunidade LGBTQIA+. A escola de samba Bangay e a Bateria Cadência Colorida são comandadas por Fernanda Martins, a mestra Fefê.
A escola foi criada com o objetivo de ser um bloco carnavalesco voltado para a comunidade LGBTQIA+ e almeja desfilar na Sapucaí para mostrar a inclusão no carnaval. Porém, a Bangay enfrenta desafios como a falta de patrocínio e a necessidade de um espaço para ensaios e confecção de fantasias.
“Muitos não querem nos ajudar por ser uma escola gay que defende a causa. Recebemos diversas vezes um ‘não’. Estamos lutando também por uma quadra, um espaço para nossos componentes ensaiarem e nossas fantasias serem feitas devidamente”, desabafa Mestra Fefê.
A escola de samba Bangay e a Bateria Cadência Colorida são comandadas pela Mestra Fefê
Arquivo pessoal
Movimento Mulheres no Ritmo
Os principais desafios enfrentados pelas mulheres nas escolas de samba incluem o preconceito em um ambiente historicamente dominado por homens. Pensando em aumentar a ocupação feminina nestes espaços, a percussionista Carol Santos fundou em 2016 um movimento de mulheres ritmistas.
Centralizado no eixo Rio – São Paulo, o Movimento Mulheres no Ritmo surgiu do preconceito enfrentado pela idealizadora no universo das baterias. Segundo ela, o projeto é dedicado a exaltar, incentivar e motivar mulheres nas baterias, seja no carnaval, nas torcidas de futebol ou na percussão em geral.
“Meu sonho é ter pelo menos uma representante do movimento em cada estado brasileiro e porque não em outros países. Por mais que a gente dialogue com todas essas mulheres, queremos mostrar que lugar de mulher é onde ela quiser e juntas somos fortes”, afirma Carol.
Em 2020, o Mulheres no Ritmo se tornou uma imprensa oficial do carnaval de São Paulo, registrando mais de 12 mil fotos durante os ensaios técnicos e desfiles. Atualmente, o movimento segue exaltando as mulheres das escolas de samba com registros publicados nas redes sociais.
Integrante do Movimento Mulheres no Ritmo toca tamborim no carnaval de São Paulo
Reprodução
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