Estudante preso na Uerj junto com deputado relata ter temido pela vida

“Temi pela minha vida em todos os momentos. Não resistimos à polícia”, afirma Davi Araújo de Lima, de 24 anos, estudante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ele e outros dois alunos, junto com o deputado Glauber Braga (PSOL), foram presos durante ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar na desocupação da universidade, ocorrida na última sexta-feira (20/9).

A Justiça autorizou o uso da força policial após a faculdade ficar ocupada por estudantes durante 56 dias e a Uerj entrar com pedido de reintegração de posse no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Mesmo após o fim do prazo de 24 horas para desocupação, dado pela Justiça, os estudantes permaneceram no local.

Os universitários protestavam, desde o dia 26 de julho, contra cortes nos auxílios de assistência estudantil, após a instituição estabelecer novos critérios para a transferência dos benefícios. Cerca de 1,2 mil estudantes de graduação da universidade podem ser afetados pela decisão. A reitoria é acusada pelo grupo de não tentar uma negociação junto do comando de greve estudantil.

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Antes da entrada do Batalhão de Choque, estudantes afirmaram que queriam negociação

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Apesar de autorizada pela Justiça, Davi Araújo denuncia, em entrevista ao Metrópoles, irregularidades ocorridas durante a ação policial. Segundo ele, por exemplo, não ocorreu a presença de um oficial de justiça na universidade antes que o Batalhão de Choque chegasse ao local.

“Em nenhum momento houve diálogo da polícia com os estudantes. Além disso, as imagens mostram o uso da força usada contra a gente, com cassetetes, sprays de pimenta… sendo que não estávamos representando nenhum tipo de resistência”, conta.

Davi afirma, ainda, que só soube do que era acusado quando chegou na Cidade Policial, para onde foi levado, através dos advogados de defesa. Uma estudante detida, de acordo com Davi, chegou a ser algemada com uma fita de nylon, conhecida como enforca gato.

Assista ao momento da abordagem policial aos estudantes e ao deputado Glauber Braga. As imagens são do Jornal A Nova Democracia:

 

O estudante nega que os manifestantes portavam pedras e pedaços de madeira e que o grupo teria agredido os policiais, conforme afirmado pelo comandante do Batalhão de Choque, André Batista, em entrevista ao O Globo.

“Estávamos com bandeiras, escudos e máscaras com o objetivo de nos defender da polícia, do gás de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta, porque não dá para respirar, o nariz fecha, a garganta fecha. O [Batalhão de] Choque é treinado. A gente só queria fugir.”

Assista à entrada do Batalhão de Choque da PM na Uerj:

 

Ele diz, ainda, não saber o que poderia ter acontecido com ele e com os outros estudantes presos, caso o deputado não estivesse junto deles.

“Eu moro em favela. Nasci e fui criado em frente a uma boca de fumo. Ver fuzil e arma todo dia, operação policial, desde criança, sempre foi uma coisa muito normal para mim. Mas sempre estive na perspectiva de um morador. Nunca me visualizei, apesar de que eu podia ser confundido, com um alvo nas minhas costas. Na Uerj Maracanã eu estava sendo o alvo. Eu estava com medo por mim e pelos meus amigos”, finaliza Davi.

Policial ferido pelo próprio equipamento

Durante a ação, um policial ficou ferido “por um problema de manipulação de artefato explosivo”, segundo o porta-voz do Batalhão de Choque. O policial precisou de cirurgia. “Se explodiu em uma pessoa que era treinada para isso, imagina o perigo para um estudante”, pontua Davi, que afirma que o PM perdeu um dos dedos da mão.

O chefe do Programa com Forças Policiais e de Segurança da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Edmar Martins, afirma que o tipo de falha que ocorreu deve ser identificado. “Pode ter sido por causa do equipamento, uma falha da pessoa e, ainda, de treinamento. Deve ser avaliado cuidadosamente”, explica.

Ainda segundo o porta-voz, em grandes manifestações, de acordo com normas e padrões internacionais, o uso da força policial é autorizado apenas contra grupos que oferecem resistência ou que não são pacíficos. “Existem níveis do uso da força, entre elas a presença, o diálogo, a persuasão e a mediação. Depende muito do comportamento de quem está sendo submetido para que esse gradiente seja elevado”, afirma.

Denúncias de uso abusivo da força

A organização não governamental Justiça Global afirma que enviou um informe às Nações Unidas e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, denunciando violações cometidas pela polícia na “desocupação forçada dos estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)”, na zona norte da capital, na última sexta-feira (20/9).

“Foram utilizadas bombas de efeito moral, spray de pimenta e até um caveirão, veículo militar blindado de uso da Polícia Militar para incursões policiais, contra os estudantes. De acordo com relatos, irritantes químicos foram jogados nos corredores da universidade e estudantes prensados contra grades e paredes”, descreve a organização na denúncia.

O documento foi enviado para os relatores especiais da ONU sobre Defensores dos Direitos Humanos (Mary Lawlor) e sobre Direito à Educação (Koumbou Boly Barry). Na Comissão Interamericana, o documento foi enviado à relatora para Brasil, Roberta Clarke, para o relator especial para direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, Javier Palummo Lantes, e também para o relator especial para a liberdade de expressão, Pedro José Vaca Villarreal.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSol), sigla do deputado Glauber Braga, preso junto com os estudantes durante a desocupação, afirma que acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) pela não obediência à prerrogativa constitucional.

“É gravíssima e ilegal a prisão do deputado Glauber. A Constituição é clara: um deputado só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. Definitivamente, não é o caso. Ele estava no seu papel de parlamentar, justamente para negociar com a polícia, diante de um processo de reintegração de posse, que infelizmente foi concluído com muita truculência e violência”, disse a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) à coluna Paulo Cappeli, do Metrópoles.

O que diz a PMRJ?

O Metrópoles entrou em contato com a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMRJ), porém, até a publicação desta reportagem, não obteve retorno da instituição. O espaço segue aberto para manifestações.

O que diz a reitoria da Uerj?

O Metrópoles entrou em contato com a assessoria de imprensa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que encaminhou ao Portal uma nota. Leia na íntegra:

“Na ação determinada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi concluída a desocupação do pavilhão João Lyra filho e assinada a reintegração de posse dos espaços da Uerj. Houve inicialmente a entrada dos oficiais de justiça e da comissão de direitos humanos da OAB, para empreender uma negociação. Na sequência, se deu a entrada das forças policiais no campus Maracanã da Universidade.

A Reitoria da UERJ lamenta profundamente que, apesar de todos os esforços de negociação – oito reuniões com entidades representativas dos estudantes, audiência de conciliação com a juíza do Tribunal de Justiça -, a situação tenha chegado a esse ponto de intransigência por parte dos grupos da ocupação.

As aulas e as demais atividades no campus retornaram hoje, 24 (terça-feira).”

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