Promessas da Câmara contra desmatamento e garimpo não saíram do papel; ambientalistas querem pacote pró-biomas


Presidente Arthur Lira anunciou as discussões para até o fim de seu mandato, mas temas não entraram na pauta. Especialistas afirmam que é preciso que parlamentares discutam a questão ambiental de forma antecipada. Queimadas no Ceará
Thiago Gadelha/SVM
A Câmara dos Deputados ainda não discutiu propostas anunciadas pelo atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como promessas para este ano a respeito do desmatamento de terras e garimpo ilegal.
Ambientalistas defendem que a Câmara vá além e aprove propostas em defesa de biomas, como a Amazônia e o Pantanal, atingidos pelas secas e pelas queimadas que assolam o território nacional.
🌳Entre os textos estão, por exemplo, projetos que endurecem as penas para incêndios florestais.
Eleito em 2021 pela primeira vez, Arthur Lira deixa a Presidência da Câmara em fevereiro do próximo ano. Desde o início de seu mandato, 26 propostas relacionadas a questões ambientais foram aprovadas pelo plenário da Casa, segundo levantamento do g1.
Parte delas integra o que Lira chamou “pauta verde”, uma série de propostas aprovadas às vésperas da 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP28). Esses projetos tratam de medidas e incentivos para transição energética no Brasil.
Outra é um conjunto de medidas criticado por ambientalistas por fragilizar proteções a biomas e legislações ambientais, como a medida provisória do governo Jair Bolsonaro (PL) que afrouxou regras de preservação da Mata Atlântica, aprovada em 2023; e o projeto que amplia brecha para grilagem de terras, aprovada em 2021.
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Em abril deste ano, quando a contagem regressiva para o fim de seu mandato marcava nove meses, Arthur Lira declarou a uma plateia de autoridades e produtores rurais que se comprometia a levar os temas do desmatamento e da exploração de minério ilegal à pauta da Câmara.
“O Brasil tem um problema crônico que precisa ser enfrentado. E eu prometo a todos que, até o final dos meus nove meses — portanto, um prazo de uma gestação — vamos trazer para discussões dois assuntos que o Brasil faz questão de não enxergar que é desmatamento ilegal e exploração de minério ilegal no país. Isso é o que denigre. Nós sabemos que existe e fechamos os olhos para não tratar numa legislação. Quem paga a conta lá fora é o produtor rural. Isso não pode prosperar”, afirmou na abertura da “89ª Expozebu”, em Uberaba (MG).
Passados cinco meses, no universo de textos ligados ao desenvolvimento sustentável ou ao meio ambiente discutidos até o momento na gestão Lira, não há, porém, qualquer avanço em projetos que discutam punições ou freios ao desmatamento ou à exploração de minérios ilegal no plenário da Casa.
No principal ambiente de debate da Câmara, em 2024, o que se viu foi uma sucessão de propostas vinculadas ao desenvolvimento econômico sustentável, patrocinadas por Lira e pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dentre os projetos aprovados pelos deputados neste ano no plenário, porém, ainda houve espaço para um texto criticado por ambientalistas: o que exclui a silvicultura — método artificial de reflorestamento — do rol de atividades poluidoras e que abre caminho para a exploração sem licenciamento ambiental.
Composição do Congresso
O ritmo de Lira reflete, na avaliação de parlamentares e especialistas, a composição da Casa, que tende a frear avanços na pauta ambientalista.
“A nova composição do Congresso fez avançar vários projetos anti-ambientais. Os projetos que avançaram nos últimos tempos não têm a ver com a agenda florestal, os que têm a ver com a pauta florestal e avançaram são negativos”, diz a assessora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Mariana Lyrio.
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Divulgação
Um dos exemplos apontados da demora em discutir temas ligados à proteção do meio ambiente é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga o governo a adotar medidas para mitigar impactos de mudanças climáticas no Brasil.
O texto recebeu aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa em 2022, mas, para avançar, ainda precisa ser analisada por uma comissão especial.
Esse colegiado é criado a critério do presidente da Casa — isto é, não há prazo previsto nas regras da Câmara.
Desde outubro daquele ano, não houve qualquer avanço em relação a isso. O deputado Fernando Marangoni (União-SP) chegou a pedir, via requerimento, em 2023, que Lira criasse o colegiado. Não houve resposta.
“[A PEC] é essencial porque inclui a segurança climática entre os direitos e garantias fundamentais. Em um momento como este, é importante que ela seja aprovada para ajudar a enfrentar a crise climática”, aponta Lyrio.
Projetos de adaptação
Ambientalistas avaliam que é necessário que pautas consideradas positivas para o meio ambiente avancem no Congresso.
Na Câmara, por exemplo, eles defendem a análise de dois projetos que elevam as penas para incêndios florestais criminosos.
Uma das propostas já recebeu requerimento de urgência da liderança do governo na Casa — o que pode acelerar a tramitação do texto e levá-lo à votação diretamente no plenário.
O projeto, que agora recebe apoio da base governista, teve origem no Senado sem tratar de queimadas. Está travado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desde 2021.
O relator, deputado Patrus Ananias (PT-MG), decidiu reformular a proposta e propor uma série de revisões em punições de delitos ambientais, entre eles o de provocar incêndio em floresta ou demais formas de vegetação.
Atualmente, a pena é de reclusão de dois a quatro anos. Pelo parecer do deputado, passaria a ser de três a seis anos.
Na última semana, a base do governo tentou incluir o projeto como um item extrapauta na agenda de votação da CCJ, que previa somente a análise de uma proposta que perdoa condenações de golpistas de 8 de janeiro.
Em meio à uma mobilização de oposicionistas para dar largada à análise da anistia, o pedido foi derrubado por 31 votos a 2.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem ponderado, no entanto, que é preciso equilíbrio em eventuais mudanças legislativas. Na reunião com Lula na última semana, Pacheco disse que já há instrumentos para punir os crimes na legislação e que mudanças no tamanho das penas poderiam se tornar “populismo legislativo”.
Rodrigo Pacheco
Jefferson Rudy/Agência Senado
Propostas para elevar penas para quem comete incêndios florestais vão ao encontro do que defendeu, nesta terça, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.
Durante a reunião com membros dos Três Poderes, ele afirmou que o Planalto deseja endurecer a punição criminal e rever valores de sanções administrativas aplicadas contra danos ao meio ambiente.
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A avaliação é semelhante à da secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos. Segundo ela, nem todos os parlamentares entenderam a “emergência e a relevância das mudanças climáticas” e, por isso, tratam o aumento de penas para crimes ambientais como “populismo”.
“O que estamos vivendo de aceleração dos impactos das mudanças climáticas vai ter que ser enfrentado com mudança de várias políticas, não só na ambiental.
A infraestrutura tem que ser adaptada, geração de energia tem que ser adaptada, política de transportes em geral, inclusive em áreas urbanas, as políticas de moradia e até as políticas de saúde”, afirma Adriana Ramos.
Para Mariana Lyrio, o Congresso tem atuado de modo “reativo” – ou seja, depois de situações extremas já estarem em curso, como no caso do recorde de queimadas enfrentando em boa parte do país neste ano.
Até a última quarta-feira (18), 26 projetos sobre o tema estavam parados na Câmara e no Senado. O número de textos registrados somente na Câmara relacionados a incêndios ambientais era 14.
“O que a gente tem visto é que o Congresso funciona de modo reativo. Pensam em projetos contra incêndios quando já temos incêndios Seria importante se a gente conseguisse avançar com projetos bons em momentos que não têm necessidade”, avalia.
Ainda no âmbito das queimadas, ambientalistas defendem que é preciso avançar em uma proposta que regulamenta a profissão de brigadista florestal.
Esse projeto prevê, entre outras coisas, que o governo deve capacitar membros de comunidades tradicionais e povos indígenas para atuar como brigadistas.
A despeito da declaração de Rodrigo Pacheco, ambientalistas defendem que os senadores se debruçem sobre um projeto, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que prevê tornar crime hediondo (sem direito a fiança) atear fogo em lavoura, pastagem ou mata. O texto também estabelece um endurecimento das penas.
Outros temas
Outro projeto destacado é o que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar). Segundo especialistas, o bioma marinho carece de uma legislação específica para as ameaças que vem enfrentando por conta das mudanças climáticas.
Os especialistas também destacam projetos que tratam do uso sustentável do Pantanal. “O Pantanal é um bioma que sofreu muito nos últimos tempos”, afirma Lyrio. “Precisamos de um projeto que estabeleça proteção em diversos níveis para esse bioma.”
Os ambientalistas afirmam, entretanto, que alguns projetos avançam com alterações que, na verdade, são prejudiciais para o meio ambiente.
Os chamados “jabutis” são pontos inseridos em um projeto que não são relacionados com sua intenção original, mas colocados para desvirtuar o conteúdo do texto ou fazer uma alteração legislativa por um caminho mais curto, em um projeto já em fase adiantada de análise.
Isso aconteceu, por exemplo, durante a tramitação do “combustível do futuro”, projeto que aumenta a mistura do biodiesel no diesel.
Um trecho foi inserido no projeto para beneficiar a energia eólica, o que poderia encarecer a conta de luz para os consumidores, com repasses de até R$ 24 bilhões entre 2024 e 2045 em subsídios.
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