Familiares relatam desafios nos cuidados de pessoas com demência: ‘queria tomar banho no armário da cozinha’


Esse assunto foi discutido no segundo episódio da série “Além do Esquecimento”, no Fantástico deste domingo (24). Depois de cuidar de nove filhos, agora são eles que cuidam de Jurema da Costa, de 84 anos. Beatriz é quem dedica mais tempo à mãe.
“Eu larguei meu emprego para ficar cuidando dela. Passo das 8h30 às 20h com ela. Faço tudo, chamo a atenção dela. Qualquer coisa que tiver que comprar é comigo e levo ela junto porque eu não posso deixá-la sozinha, senão ela faz arte, igual criança pequena”, relata Beatriz Brum Gomes, do lar.
O bom humor de Jurema não é todo dia. A demência dá sinais de evolução que desanimam a filha.
“Às vezes, penso: larguei tudo e não estou vendo resultado. Você se cobra porque acha que não está o fazendo certo. E não tem situação melhor para ser feita”, afirma.
Beatriz e a mãe, Jurema, que sofre de demência.
TV Globo/Reprodução
Essas sensações de culpa e impotência são comuns em outras famílias e chamam atenção dos médicos acostumado a tratar das pessoas com demência. Afinal, quem cuida dos cuidadores? Esse assunto foi discutido no segundo episódio da série “Além do Esquecimento”, no Fantástico deste domingo (24). Veja no vídeo acima.
Série Além do Esquecimento
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“90% dos cuidados das pessoas com demência é realizado por mulheres: filhas, esposas, sobrinhas, netas. Deixam o mercado de trabalho. Então, os efeitos também são na própria identidade dessa pessoa. Que deixa de ser uma profissional e passa a ser aquela que cuida”, destaca a presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer, Elaine Mateus.
Solidão dos cuidadores
Em Belo Horizonte, Cristina dividiu com a irmã os cuidados com o pai enquanto ele morou sozinho. Elas tentaram contratar cuidadores, mas Aroldo não se adaptou. Até que três anos atrás, ela decidiu levá-lo para morar com ela. Aroldo ganhou um quarto só para ele, mas a dinâmica da família mudou.
“Esse cuidado toma conta de tudo. Tenho 20 anos de casada, mas achei que ia separar. Ele [Aroldo] queria tomar banho no armário da cozinha”, conta a fotógrafa, Cristina Montheiro.
Trabalhar como fotógrafa também ficou mais difícil. Mas ela decidiu abrir uma conta em uma rede social para documentar a rotina do pai.
“Isso me salvou. De alguma maneira me possibilitou continuar com a fotografia… Não tinha ideia de como as pessoas se conectam com isso. Compartilham fotos, receitas, aniversários. É mágico”, afirma.
Cristina diz que recebe mensagens de seguidores que passam pelo mesmo que ela.
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Assim, Cristina dribla a solidão dos cuidadores.
“50% dos cuidadores de pacientes com demência sofrem de depressão”, destaca a neurologista da USP, Jerusa Smid.
A realidade limitada no Brasil
Aroldo frequenta centro três vezes por semana.
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Atualmente, Aroldo passa três dias por semana em um centro.
“Cuidar dos pais idosos é uma riqueza, mas precisamos saber o momento de parar ou mudar o rumo. Meu pai tem o salário dele que é o suficiente para arcar com um bom lugar. Ele hoje frequenta um bom lugar. Ele gosta de cumprimentar as pessoas, prosear. Se existe um lugar que pode recebê-lo e eu posso continuar sendo filha, esposa, mãe, profissional, por que não?”, diz Cristina.
No entanto, para quem depende do serviço público, encontrar uma rede de apoio pode ser um grande desafio. A realidade de hoje no Brasil é de poucas instituições de longa permanência oferecidas pelo SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, esse atendimento é feito nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que não só recebe pessoas com demência, mas em outras situações de sofrimento mental, como a dependência química.
“As pessoas que têm caso na família devem se apoiar nas equipes da Saúde da Família, que são as mais próximas da localidade que podem acolher e orientar”, diz a ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Ministra da Saúde, Nísia Trindade
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Elaine ressalta que o Brasil está passando por um processo de envelhecimento acelerado, o que torna urgente a implementação de medidas para enfrentar esse cenário.
“Somos signatários de um documento firmado com a Organização Mundial da Saúde, junto com outros 192 países. O Brasil se comprometeu em 2017 a criar um plano nacional de demência com estratégias especificamente desenhadas para essas pessoas e ainda não cumprimos com a nossa meta”, afirma Elaine.
A lei que criou a política nacional de enfrentamento à doença de Alzheimer e outras demências foi sancionada em junho. A ministra também anunciou planos para atender aos cuidadores não profissionais.
“Oitenta porcento das cuidadoras e cuidadores fazem um trabalho voluntário. É essa pauta que está neste momento em estudo no governo federal para que se adotem as melhores medidas para apoio a essas cuidadoras e cuidadores”, diz.
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