Conforto térmico: a eficácia de toldos, vegetação, ventilação e isolamento térmico em época de ondas de calor


Reformas e construções são oportunidades para diminuir o gasto energético com ar-condicionado. Atitudes simples, como a aplicação de proteções externas, também podem amenizar o desconforto. Telhado verde em área residencial urbana
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O Brasil tem dimensões continentais e regiões com diferentes climas, mas o calor extremo é comum a muitas delas. Neste mês, a seca histórica e o calor intenso levaram o país a ter quase 200 cidades com umidade igual ou menor que a do Saara. E o que fazer para ter mais conforto térmico diante de tanto calor? Será que é possível usar menos ar-condicionado nesse cenário alarmante?
Com as ondas de calor cada vez mais frequentes, algumas estratégias podem ser eficientes para amenizar a sensação de abafamento nas residências e trazer mais conforto térmico no dia a dia:
o uso de toldos,
vegetação,
fachadas duplas e com ventilação,
cores mais claras nos telhados e paredes externas,
telhas sanduíches – que garantem um isolamento térmico nos telhados;
telhado sobre a laje de piso impermeabilizada.
As reformas e construções são oportunidades para mudanças estruturais que podem inclusive diminuir o gasto energético com ar-condicionado (ou amenizar o calor quando não é possível a instalação de um desses aparelhos.). Uma parede dupla de alvenaria, por exemplo, consegue proteger o interior da habitação – tanto do calor quanto do frio extremo – permitindo uma maior estabilidade térmica.
Entenda mais sobre as estratégias para permitir mais conforto térmico nas construções:
Janelas e a ventilação noturna
Janelas muito pequenas e concentradas em apenas uma parte da residência prejudicam a ventilação cruzada. Além disso, o sol não incide da mesma forma em todas as paredes. Quando é possível escolher, as aberturas voltadas para o sol da manhã são melhores.
Janelas que têm folha de vidro grandes e fixas acabam prejudicando a ventilação. O ideal é optar por janelas que se abram mais realmente, que tenham boa vedação e, de preferência, evitar as viradas para o oeste (quando pegam o sol da tarde).
Deixar as janelas abertas à noite ou bem no início da manhã pode ajudar a renovar o ar e refrescar o ambiente, quando a temperatura não está tão quente. Em lugares com calor extremo, manter as janelas fechadas durante o dia pode ajudar.
Deixar as portas internas abertas também permite com que ar circule e favoreça a ventilação cruzada.
⚠️ Lugares mais úmidos precisam de mais ventilação para evitar o mofo. Em alguns casos, um sistema de desumidificação artificial pode ajudar a controlar a umidade em ambientes mais fechados. Já em lugares onde o clima é mais frio, o ideal é que as janelas sejam fechadas à noite e no início da manhã.
A ventilação também é importante para garantir conforto térmico.
“Uma fachada dupla não ventilada pode estar conectada ou não a uma fachada interna. Se ela não estiver conectada, já ocorre um ganho, porque ela não transfere calor para a fachada interna. E se ela estiver ventilada, melhor ainda, porque ela dissipa o calor dela para o ambiente e diminui a intensidade do calor que seria transferido para a fachada interna”, explica o arquiteto mineiro Rafael Yanni.
Proteções externas: toldos, varandas, beirais, brises e vegetação
Toldo usado como proteção solar externa em edifício garante sombreamento e evita que a radiação solar incida diretamente no ambiente interno
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As melhores proteções contra o sol são aquelas colocadas externamente à janela, como os toldos, porque evitam a incidência solar antes que ela entra no ambiente. Como a cortina é interna, o calor acaba entrando na residência. Sendo assim, a cortina tem mais eficiência quando há uma proteção externa também.
A varanda é mais uma possibilidade de proteção externa. Ela sombreia tanto as janelas quanto as paredes. Nesses ambientes, também podem ser usados elementos arquitetônicos chamados de brises, que funcionam como uma espécie de quebra-sol e que permitem o sombreamento e a ventilação da própria varanda também.
Quando o beiral – o espaço do telhado que pode se prolongar um pouco mais para além da fachada – conseguir sombrear a janela, já é mais uma forma de garantir conforto térmico em regiões mais quentes.
Outra estratégia para permitir o sombreamento e diminuir a sensação de calor nas residências – principalmente nas áreas urbanas – e evitar a pavimentação e investir na vegetação, seja nas fachadas ou nos telhados.
“A vegetação é um elemento muito importante. Se você tiver na sua área externa mais árvores, mais sombra, mais vegetação, você vai ajudar também a criar um microclima ao redor da sua habitação e ajudar também a contribuir para o aumento da vegetação na cidade”, defende a engenheira civil, docente e pesquisadora em conforto térmico e eficiência energética do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos (IAU USP) Karin Maria Soares Chvatal.
Telhados e paredes externas
Telhado e paredes claras absorvem menos radiação solar
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Alterar a cor da superfície exterior é uma solução mais fácil para muitas pessoas. As coberturas das residências recebem sol o dia todo e têm um impacto maior no conforto térmico. Por isso, é recomendável escolher telhados mais claros.
E se as paredes forem escuras, o ideal é pintar de cores mais claras, que absorvem menos a radiação solar, permitindo aquecer menos o interior da habitação.
O telhado cerâmico, muito usado no país, é melhor que o teto de laje, mas perde a eficiência de isolamento em situações de calor mais extremo. “O telhado cerâmico refresca, mas depois de algum tempo, ele já não consegue mais cumprir essa função de isolamento. E muito em função da falta de ventilação desse telhado”, explica o arquiteto Yanni.
O chamado telhado sanduíche – que tem uma chapa metálica com isolante térmico não inflamável por dentro– também é bastante recomendado para permitir mais conforto térmico.
Além disso, o ideal é que uma laje impermeabilizada seja sombreada, e esse sombreamento pode ser feito de diversas formas, como: bandejas de grama, argila expandida, lajotas de concreto elevadas (piso elevado) e deck de madeira ventilado, que permite também uma renovação do ar no vão entre a madeira e a laje.
Fachadas duplas e com ventilação
Fachada de vidro com ventilação
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No momento da construção, quando possível, a aplicação de duas camadas de tijolos com um vão de cerca de 10 cm entre cada uma delas evita a transferência de calor e do frio por condução, do ambiente externo para o interno. Porém, em regiões muito úmidas, como a Amazônia, essa estratégia de fachada dupla de alvenaria – até pouco usada no Brasil – pode favorecer a proliferação de mofo e deve ser evitada.
Nesses lugares mais quentes e úmidos, o ideal é as fachadas serem mais leves, com ventilação e elementos de sombreamento, para proteger a insolação direta. A espessura total de uma parede dupla de alvenaria teria, por exemplo, cerca de 25 cm no total.
Também há a opção das fachadas duplas de vidro, com duas camadas de vidro e um vão entre eles, que funciona como isolante térmico. Esse espaço entre um vidro e outro pode ser grande, de forma a permitir a passagem de uma pessoa para fazer manutenção.
O ideal é, ainda, que as fachadas duplas sejam também ventiladas. E a distribuição mais equilibrada das janelas ajuda nesta ventilação.
O arquiteto Yanni conta que já viu, na prática, paredes duplas de alvenaria em fachada permitirem uma diferença em torno de 5°C de temperatura da parte externa para a interna de uma construção.
Ventilação pelo alto das edificações
Algumas aberturas no alto das edificações, também podem promover a captação de vento e o chamado ‘efeito chaminé’, permitindo que o ar quente suba e o frio desça. Essas estratégias são milenares usadas por países árabes, por exemplo.
No Brasil, uma escola em Timóteo (Minas Gerais) é um exemplo de aplicação deste tipo de estratégia:
Escola do Grupo Escolar Vale Verde, projetada pelo arquiteto Éolo Maia, e construída em 1984, em Timóteo (Minas Gerais)
Imagem cedida por Jô Vasconcelos
Circulação de d’água por tubulação
O uso de água para resfriar ambientes não é comum no Brasil, mas pode ter grande eficácia. Yanni comenta que um museu na Suíça conseguiu reduziu em mais de 75% o consumo de energia com o uso de serpentinas embutidas em paredes de concretos. Um reservatório de água no subsolo, que está ligado a um lago com água gelada, permite que a fria circule nas serpentinas e resfriam a edificação. E a mesma técnica, mas com água quente, pode ser usada para aquecer a construção.
Tipos de piso não interferem tanto na temperatura interna
Pisos mais frios, como porcelanato, podem trazer mais sensação de bem-estar, mas não são capazes de alterar a temperatura interna com eficiência.
Da mesma forma, as cores dos móveis não interferem na sensação de abafamento. Eles só não podem ficar na frente de janelas de forma a dificultar a ventilação.
A legislação brasileira e as normas técnicas
Yanni destaca que não observa no Brasil uma preocupação grande com o conforto térmico, pois não há normas técnicas rigorosas para as construções e as construtoras acabam preferindo enxugar os custos, deixando de usar técnicas que trariam mais comodidade e economia de energia. Ele afirma que a falta de especialização por profissionais da área no Brasil leva a desperdícios nesse sentido durante reformas e construções.
“Já vi projeto de uma casa com alvenaria dupla justamente para tentar fazer essa estabilidade térmica – ou seja, segurar o excesso de calor que entra no verão e reter o calor ali no inverno na parte interna – mas com grandes esquadrias de vidro simples, sem nenhum tipo de isolamento térmico. Então, a alvenaria ali não adiantou de nada. E todo o calor gerado dentro da edificação se perde pela janela e o morador passa muito frio dentro de casa no inverno”, lamenta Yanni.
A pesquisadora Chvatal acrescenta que ABNT NBR 15220-3 – norma técnica que trata do desempenho térmico de edificações, e estabelece o zoneamento bioclimático brasileiro – está em processo de consulta pública e que o Brasil foi dividido em 12 zonas.
As normas técnicas são recomendações e são exigidas por algumas construtoras e alguns sistemas de financiamento imobiliário. Além delas, também há os códigos de obras das cidades, mas Chvatal diz que, no geral, nossos códigos de obras não têm exigências que possibilitem o conforto térmico.
“O zoneamento bioclimático brasileiro foi revisado e aperfeiçoado. O conceito é dividir o Brasil em zonas de modo a orientar o projeto arquitetônico. Afinal, climas têm exigências distintas. Os climas no Brasil são predominantemente tropicais e subtropicais, mas há diferenças. O mesmo tipo de estratégia para qualquer clima não faz sentido. O projeto de arquitetura deve ser adequado ao clima. Dessa forma, se tem mais conforto e também maior economia de energia”, afirma a professora.
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