Relembre o inquérito das joias em que Bolsonaro foi indiciado


Presentes dados pela Arábia Saudita ao governo brasileiro colocaram ex-presidente na mira da Polícia Federal. Três kits de joias sauditas acabaram entregues à Caixa Econômica Federal, depois de determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Diamantes do kit de joias feminino dado ao governo Bolsonaro pela Arábia Saudita
Reprodução/Fantástico
Os primeiros indícios envolvendo o caso das joias — que terminou pelo indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (4) — remontam março de 2023.
Na época, um kit de joias dado pela Arábia Saudita ao governo Bolsonaro ficou retido no Aeroporto de Guarulhos, na Receita Federal, desde o fim de 2021.
Os itens foram encontrados, em 26 de outubro daquele ano, na mochila do militar Marcos André dos Santos Soeiro, que assessorava o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.
Quando ele passou pela alfândega, a Receita pediu para o assessor colocar a mochila no raio-x. Em seguida, agentes da Receita decidiram revistar a mochila. Foi quando encontraram as joias.
As joias de luxo — avaliadas, após conclusão de perícias, em R$ 5,1 milhões — foram apreendidas porque o governo não as declarou como um presente de estado nem pagou os impostos devidos para que os itens pudessem entrar no país como item pessoal.
Um outro pacote com presentes, que incluía um relógio, escapou da fiscalização da Receita Federal na ocasião.
PF vai aos EUA investigar joias vendidas ilegalmente por Bolsonaro

Em 29 de dezembro de 2022 – às vésperas do fim do governo Bolsonaro e um dia antes de o então presidente da República embarcar para os Estados Unidos –, um sargento da Marinha foi enviado em voo oficial pelo gabinete de Bolsonaro ao Aeroporto de Guarulhos para tentar pegar as joias, mas não conseguiu.
Em março de 2023, a Polícia Federal, abriu um inquérito para investigar o caso e os envolvidos. No caso, Jair Bolsonaro e o entorno dele.
Uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) do mesmo mês entendeu que o presidente não poderia, ao deixar o cargo, levar consigo bens de valor elevado. Portanto, pediu que o presidente entregasse as joias.
Em abril daquele ano, Bolsonaro prestou depoimento à PF sobre o caso. Ele negou irregularidades e disse que soube das joias um ano depois da apreensão, mas que não se lembra quem o avisou sobre a existência dos itens.
Após a decisão do TCU, a defesa de Bolsonaro, então, fez entregas de pacotes de joias à Caixa Econômica Federal. Ao todo, foram três pacotes entregues.
Além do conjunto que foi retido pela Receita Federal, outros dois pacotes de joias dados de presentes a Bolsonaro foram entregues pela defesa do ex-presidente.
Um conjunto, também com relógio, joias e abotoaduras em ouro, que chegou ao Brasil com a mesma comitiva em 2021 mas não foi barrado (veja todos os itens em detalhes abaixo).
Casa de leilões em Nova York mostra kit de joias que aliados de Bolsonaro tentavam vender.
Nesse kit havia:
uma caneta;
um anel;
um par de abotoaduras;
um rosário árabe (“masbaha”);
e um relógio.
Esse pacote — que escapou da fiscalização na época e embarcou para os EUA — foi anunciado por uma casa de leilões sediada em Nova York com valor inicial de US$ 50 mil (R$ 245 mil) e valor estimado entre US$ 120 mil (R$ 588 mil) e US$ 140 mil (R$ 686 mil). Ele não chegou a ser arrematado.
O anúncio feito pela casa de leilões indica que o relógio da Chopard foi fabricado em ouro rosé 18 quilates (o mesmo das outras peças) e faz parte de uma série limitada – apenas 25 desse modelo foram produzidos.
Além do ouro rosé, há diamantes no rosário e na caneta. Nas abotoaduras e no anel, a superfície mais destacada é lisa – “ideal para um monograma de prestígio”, sugere a empresa de leilões.
Depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou Bolsonaro entregar esse kit à Caixa Econômica Federal, em março, os bens foram “resgatados” na casa de leilão e devolvidos ao governo.
Quais são e quanto valem as joias que auxiliares de Bolsonaro tentaram vender.
Mas esses não teriam sido as primeiras joias dadas a delegação brasileira durante viagem à Arábia Saudita.
Em outubro de 2019, durante outra viagem oficial de Bolsonaro à Arábia Saudita, o governo recebeu um kit com:
anel;
abotoaduras;
um rosário islâmico (“masbaha”);
e um relógio da marca Rolex, de ouro branco com diamantes.
O relógio em ouro branco foi negociado junto com o relógio Patek Philippe. Ao todo, os dois foram vendidos por US$ 68 mil (pouco menos de R$ 347 mil na cotação da época, segundo a PF).
O relógio Rolex negociado ilegalmente nos Estados Unidos é fabricado em ouro branco cravejado em diamantes e com mostrador em madrepérola branca, também cravejado em diamantes.
Já nos Estados Unidos, após ter sido transportado em voo oficial no fim de 2022, o kit foi desmembrado pelos assessores de Bolsonaro. O relógio foi vendido a uma empresa especializada, e as joias, entregues para venda em outra firma.
Assim como o kit de ouro rosé, esse kit de ouro branco teve de ser resgatado pelos aliados de Bolsonaro depois que o TCU determinou a devolução dos itens ao governo federal.
A operação de resgate envolveu Frederick Wassef, advogado e amigo de Jair Bolsonaro, e o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid. Cid chegou ao Brasil em 28 de março com as joias, e Wassef, no dia seguinte, com o relógio.
Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL), durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em Brasília, nesta quinta-feira, 24.
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Operação da PF
Em agosto de 2023, a Polícia Federal deflagrou operação para investigar a venda ilegal de presentes de luxo dados ao ex-presidente.
Os agentes cumpriram mandados de busca e apreensão em Brasília, São Paulo e Niterói (Rio de Janeiro).
A investigação envolviam:
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Barbosa Cid;
O pai de Cid, o general da Reserva Mauro César Lourena Cid, que foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras e teve cargo no governo;
O segundo tenente Osmar Crivelatti, também ex-ajudante de ordens, atualmente um dos auxiliares pessoais escolhidos por Bolsonaro na cota a que ele tem direito como ex-presidente;
E o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef.
Naquele mesmo mês, o advogado Cezar Bittencourt, que, na época, defendia o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, disse que seu cliente iria dizer que vendeu as joias da Presidência nos Estados Unidos a mando de Jair Bolsonaro e que entregou o dinheiro para o ex-presidente.
Na ocasião, Cid estava preso — por envolvimento num esquema de falsificação de vacinas.
No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou quebra dos sigilo bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
E, também autorizou pedido de cooperação internacional feito pela PF para solicitar aos Estados Unidos a quebra de sigilo bancário das contas dos investigados no caso das joias presenteadas pela Arábia Saudita na Flórida.
Indiciamento de Bolsonaro
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta quinta-feira (4), no inquérito das joias — investigação que apura se ele e ex-assessores se apropriaram indevidamente de joias milionárias dadas de presente quando era presidente do Brasil.
O encerramento do inquérito é o momento em que a PF conclui quem praticou crimes – e quais foram os crimes.
O relatório final com as conclusões e os detalhes sobre os possíveis indiciamentos foi enviado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do caso.
Moraes, então, encaminhará o caso à Procuradoria-Geral da República — que vai analisar os resultados e decidirá se há evidências suficientes para pedir o indiciamento de Bolsonaro ou se novas diligências são necessárias.
Veja, a seguir, em detalhes, ponto a ponto dos próximos passos:
Com o indiciamento, provas serão enviadas à Procuradoria-Geral da República pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o indiciamento em mãos, a PGR avalia as provas colhidas na investigação e decide se o material é suficiente para denunciar o indiciado, se pede o arquivamento do caso ou se pede mais investigações à polícia.
Se optar pela denúncia, a PGR pode mudar a lista de crimes atribuídos ao indiciado – seja para incluir ou para retirar itens. Isto é: a lista de supostos crimes pode aumentar ou diminuir.
Se houver denúncia, o STF decidirá se torna os acusados réus, manda arquivar ou envia os casos à primeira instância.
O ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou joias e presentes no exercício do mandato, e investigações da PF mostram que os itens começaram a ser negociados nos EUA em junho de 2022.
Entre elas estava um kit de joias composto por um relógio da marca Rolex de ouro branco, um anel, abotoaduras e um rosário islâmico entregue a Bolsonaro em uma viagem oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019.
Parceria com o FBI
Em abril deste ano, uma equipe da Polícia Federal esteve nos Estados Unidos para aprofundar as investigações sobre as joias.
Após a viagem, em junho, a PF informou sobre a descoberta de uma nova joia que seria “importante para as investigações sobre o grupo de Bolsonaro”. A ação foi em parceria com o FBI.
Na ocasião, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que apurava se o item foi negociado pelo grupo ligado ao ex-presidente nos Estados Unidos.
Atraso na conclusão
Novas descobertas no celular do advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, atrasaram a conclusão do inquérito. Em junho de 2024, a PF informou que se tratavam de informações relevantes, que corroboravam com outros achados das investigações sobre as joias.
Wassef é personagem importante nesse inquérito porque, segundo a PF, ele participou da “operação de resgate” dos kits que tinham sido negociados no exterior e tiveram de ser recuperados para a entrega às autoridades.
O advogado teria agido em conjunto com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Barbosa Cid – hoje delator.
– Esta reportagem está em atualização

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