Glauber Braga denuncia retaliação política e percorre o país contra cassação articulada

O auditório do Plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul ficou pequeno para comportar os manifestantes da Caravana Nacional “Glauber Fica”, nesta quinta-feira (12), em Porto Alegre. Os que não conseguiram entrar foram direcionados para uma sala ao lado. A atividade, que reuniu diversos movimentos sociais, sindicais e apoiadores, foi marcada por palavras de ordem contra a cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ). O Rio Grande do Sul é o vigésimo estado percorrido pela caravana.

Durante o ato, parlamentares de diferentes partidos expressaram apoio ao deputado. Glauber agradeceu o respaldo popular e afirmou que a decisão de percorrer os estados com a caravana foi política e militante, não institucional. “Sou deputado, mas serei militante socialista por toda a vida”, disse. Segundo ele, bastaria um acordo político para encerrar o processo de cassação desde o início, mas a escolha foi mobilizar nas ruas e dialogar com a sociedade.

O parlamentar relatou que a pressão popular adiou a votação por dois meses. A caravana, segundo ele, tornou-se espaço de convergência de lutas diversas, contra a privatização da água, em defesa da saúde e educação públicas, em solidariedade ao povo palestino e pela responsabilização dos golpistas de 8 de janeiro. “Não é só sobre o meu mandato. É sobre os ataques aos mandatos combativos e aos movimentos populares. Se a cassação se concretiza em Brasília, ela autoriza a perseguição em todo o país.”

Glauber denunciou ainda que, mesmo entre parlamentares da direita, há quem reconheça que o processo é injusto, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segue irredutível. “Ele é a representação de um poder oligárquico que tenta silenciar quem se opõe.” Das oito testemunhas indicadas por Glauber ao Conselho de Ética, quatro foram indeferidas por já terem sido silenciadas anteriormente por Lira.

O deputado reiterou que seguirá na luta até a votação, prevista para 1º de julho. “Não tenho o direito de recuar. Se vencermos nas ruas, será uma grande vitória. Não estou otimista nem pessimista, estou determinado.” Glauber também destacou que os ataques a ele vêm desde 2019, extrapolando a atuação parlamentar e atingindo sua família, inclusive com ofensas à sua mãe e à sua companheira, a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol).

O processo de cassação, segundo ele, é uma retaliação política articulada por Lira. Glauber é acusado de “quebra de decoro” após reagir a uma provocação do Movimento Brasil Livre (MBL). Ele afirma que a perseguição é fruto de sua atuação combativa contra o orçamento secreto e as privatizações. “Se fazem isso comigo, imagina com uma militante do Interior com 10 mil habitantes”, disse em entrevista ao Brasil de Fato RS.

Brasil de Fato: Tu tens afirmado que a cassação é uma retaliação política. Quem estaria interessado em calar tua voz no Congresso? Por quê? A quem serve essa cassação?

Glauber Braga: Arthur Lira. Isso começou no ano de 2022, quando ele tentou colocar em votação um projeto de entrega do controle acionário da Petrobras por maioria simples, na prática, a privatização da Petrobras. Naquela sessão, ele desligou os meus microfones, ameaçou colocar a polícia legislativa para me tirar do plenário, disse que ficaria muito feliz quando eu não mais ali estivesse. De lá para cá, o mandato bateu de frente com ele, vem denunciando principalmente o orçamento secreto.

Ele é o grande articulador dessa prática de não identificação de deputados que mandam verbas para determinadas regiões. Sabe-se lá porque, ou sabe-se bem: porque não querem a identificação de quem está mandando esses recursos. Ele, então, se aproveitou daquela minha reação ao provocador do MBL para ter ali a desculpa perfeita ou imperfeita para iniciar um processo de cassação.

Com que objetivo? Por um lado, vingança, pelas denúncias em relação a ele. Por outro, aviso: ele mostra para outros deputados “olha o que acontece com quem bate de frente comigo”.

“A extrema direita diz defender liberdade de expressão, mas, na prática, quer fechar o regime” – Foto: Débora Fogliatto

Como tem sido a receptividade da caravana pelos estados? O que espera do Rio Grande do Sul?

Está sendo excepcional. Todos os encontros nos outros 19 estados, e tenho certeza de que aqui também será, no ato daqui a pouco no Rio Grande do Sul, foram fantásticos. Muita gente, as pessoas mobilizadas, já conhecendo o caso, manifestando solidariedade. Minha convicção é que a gente já venceu essa batalha socialmente. E vamos vencer também a batalha legislativa.

A caravana faz parte de uma decisão política de não se manter refém exclusivamente de articulações institucionais. Tem que movimentar e organizar a insatisfação das pessoas com o orçamento secreto, com o poder oligárquico. Esse caso de perseguição serve para politizar essa história e fortalecer outras lutas.

A tua mãe foi atacada nessa história. É um ataque também às famílias e às mulheres da esquerda?

Sim. Um dia desses eu estava no aeroporto, fui pegar a Sâmia e, na hora que eu estava saindo com ela, um sujeito falou: “lá vem aí a cassação”. Aí eu calmamente voltei para ele e perguntei: você defende Arthur Lira? Ele: “não, de jeito nenhum”. Você defende o orçamento secreto? “Não”. Você defende a família? “Defendo”. E o que você faria se sua mãe, com uma doença avançada, fosse atacada de maneira covarde? Ele não respondeu. Esticou o braço e me cumprimentou.

As pessoas entendem isso rapidamente. Mesmo quem não se define como de esquerda. Ninguém acha razoável atacar de maneira covarde a mãe de alguém. A minha mãe estava fora da arena política exatamente por conta do Alzheimer. Se querem me atacar, que façam diretamente comigo, mas não ajam com covardia como fizeram.

A tua atuação é marcada por enfrentamentos diretos. Isso tem um custo?

Tem um custo, mas é uma necessidade política. O custo é esse: estabelecer como prioridade um mandato contra o majoritário. Colocar em prática o que Lenin falou sobre o mandato como tribuna do povo. Priorizando a luta social em detrimento das articulações institucionais. Isso desagrada ao poder oligárquico. Mas, se é para exercer um mandato de esquerda no Parlamento burguês, tem que ser para fazer isso.

Há uma criminalização da esquerda no Brasil. O que teu caso revela sobre os limites da liberdade de expressão no Parlamento?

Diz respeito diretamente ao ferimento das liberdades democráticas. A extrema direita diz defender liberdade de expressão, mas, na prática, quer fechar o regime. Não ampliam a participação política, não querem ouvir os movimentos. Querem impor sua linha autoritária e fascista.

Combinado com isso, tem aqueles elementos que trabalham de maneira incisiva o fortalecimento de instrumentos do poder oligárquico. E o que ficou mais evidente nos últimos anos é exatamente isso do orçamento, que ficou conhecido como orçamento secreto pela não identificação dos autores na indicação de emendas. Mas é mais do que isso.

Se você imaginar que o governo federal hoje tem, para a realização de obras e projetos novos, R$ 200 bilhões para investimentos, e de emenda nós estamos falando de mais de R$ 50 bilhões, um quarto do orçamento público praticamente congelado ou capturado, melhor dizendo, sem a utilização, em boa parte, desses recursos, de mecanismos mínimos de transparência. Eu, evidentemente, quero “salvar” o mandato. Quero que o mandato continue, porque essa foi uma tarefa para a qual eu fui designado.

Mas, além de salvar o mandato, a gente quer mudar a política. E, para mudar a política, não dá para aceitar esse jogo de captura do orçamento público como o Congresso faz.

O que essa disputa revela sobre o momento que o Brasil vive?

Revela que estamos vivendo um momento dificílimo, onde você tem um acordo tácito, em determinados momentos, estabelecido entre a extrema direita fascista e representantes da chamada velha política do poder oligárquico. E que, para ultrapassar isso, é fundamental priorizar a mobilização junto com o povo, com os movimentos sociais, com a sociedade civil organizada. Quem tem que verbalizar a indignação, a insatisfação com esse estado de coisas é a esquerda, e não aqueles que, historicamente, foram beneficiados pelo status quo. Esse casamento entre velha direita e extrema direita.

Como você vê a atuação da esquerda hoje, especialmente em debates sociais, como, por exemplo, a escala 6×1?

Acho que ainda é tímida. Para que a gente consiga ampliar o fortalecimento dessas lutas que são fundamentais, tem que ter uma opção inegociável pela mobilização a quente, que não fique esfriada ou congelada pelas articulações de bastidor ou pelas articulações institucionais.

A extrema direita não gosta de praça pública. Ela pode, ocasionalmente, ocupá-la para o atendimento a objetivos imediatos. Mas quem tem vocação para o espaço público, é a esquerda. Quem tem que estar fazendo trabalho de base, estar nos territórios, estar organizando a luta para além dos espaços institucionais, somos nós, a esquerda.

E essa timidez pode ser ultrapassada com uma mobilização que priorize a organização a quente, mas isso tem que vir acompanhado, evidentemente, da pauta política. E entre as pautas fundamentais, aquelas que são de garantias de direitos fundamentais da classe trabalhadora têm que estar na ordem do dia, como, por exemplo, o fim da escala 6×1.

Foi exatamente nesse momento que a extrema direita foi para onde? Foi para as cordas. A única vez que o deputado Nicolas Ferreira teve que se explicar nas suas redes, ou pelo menos de uma maneira mais evidente, foi porque ele não tinha assinado a proposta de emenda à Constituição que acabava com a escala 6×1. Nós temos que ampliar essa mobilização, porque a maioria do povo, inclusive, está do nosso lado.

No RS, vimos ataques à bancada negra, especialmente às mulheres. Como você interpreta isso?

Faz parte de um consolidado histórico acumulado de discriminação, preconceito, ataque machista, misógino, racista, inclusive inserido no racismo estrutural e institucional, que, evidentemente, os parlamentos também estão inseridos. E vejo também como uma reação à ascensão de lideranças que dialogam diretamente com o movimento social, fazendo a luta anti-machista, a luta feminista, a luta antirracista, a luta em articulação com o movimento negro, com os coletivos.

E essa reação dos setores reacionários tem que vir da nossa parte com o fortalecimento da luta e com a ampliação dos espaços coletivos da nossa mobilização.

“Só vencemos com mobilização, de peito aberto, organizando, sem medo de enfrentar” – Foto: Débora Fogliatto

É possível tentar um diálogo com extremistas/fascistas?

Eu não estou preocupado em conversar com liderança fascista. Fascistas, nas suas lideranças, têm que ser enfrentados, têm que ser combatidos.

Agora, eu acho que a gente tem que fazer uma diferenciação. Qual é a diferenciação? Entre aquele que é liderado por uma estrutura reacionária, mas que faz parte da classe trabalhadora historicamente excluída e que está sendo influenciado por essa liderança reacionária.

E como se faz essa disputa? De várias formas. Entre outras, é não abrir mão de fazer a luta ideológica. Não adianta imaginar que, fazendo um discurso que possa ser considerado mais palatável ou mais moderado, a gente vai conquistar setores que estão de saco cheio com a política. É o contrário disso. É falando e dialogando com a classe trabalhadora, nas suas pautas fundamentais, como, por exemplo, o fim da escala 6×1 e outras pautas que são de ampliação de direitos fundamentais e materiais.

Mas, combinado com isso, não como uma esquerda que só leva a mensagem, mas como uma esquerda que as constrói junto com essa classe trabalhadora. E, para isso, tem que ter espaços de acolhimento com rotina. Os movimentos sociais fazem muito isso. Podem ser os centros socialistas, os núcleos de base. Ter um esforço nacional planejado de milhares, milhões, de núcleos organizados, de convivência e disseminação das nossas ideias, é o que faz com que a gente tenha a capacidade de virar esse jogo que, atualmente, parece tão desigual.

Quais os próximos passos, independentemente do desfecho da cassação?

Até o dia 26, estou rodando todos os 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal. Do dia 26 de junho ao dia 1º de julho, que pode ser a data dessa matéria ser votada no plenário, eu vou estar fazendo uma jornada do Rio de Janeiro até Brasília, percorrendo 23 municípios.

Algumas pessoas, como disseram na greve de fome, dizem agora também que isso é para aparecer. Exatamente, é para aparecer. Para amplificar a denúncia, para dialogar com as pessoas, para mostrar o que está acontecendo, para fazer com que a nossa voz não seja silenciada. Depois disso, nós vamos seguir com a mobilização.

Mesmo confiante de que a gente vai reverter esse jogo, eu posso dizer que eu estou deputado federal, mas militante eu vou ser para o resto da minha vida. Eu sou um militante de esquerda. Um militante da esquerda socialista.

E eu vou seguir militando até o resto da minha vida.

Por que o processo de cassação contra ti avança tão rápido, e contra a direita nada acontece?

Porque, se fazem isso comigo, nessas circunstâncias, com todos os holofotes, imagina o que não vão fazer com a companheira do município do Interior, de 10 mil habitantes, que tem uma relação com os movimentos sociais, que toca uma agenda contra-majoritária, que faz denúncias naquela cidade. Evidentemente, ela vai ser perseguida, porque se deu um sinal verde nacional para legitimar esse tipo de ação.

Por que não acontece com eles? Porque há uma blindagem ao tipo de acordo político de vale-tudo que eles fazem. Você pega, por exemplo, aqueles que estão diretamente envolvidos na mobilização da tentativa de golpe de Estado do 8 de janeiro. Tem um bocado de deputados lá. Desde o início, eles foram blindados, para que o caso deles sequer fosse mandado para o Conselho de Ética. Em troca, o que eles deram? O apoio a Arthur Lira para, entre outras coisas, dar manutenção ao esquema do orçamento secreto.

Mensagem final?

De agradecimento e de reafirmação da luta. Essa disputa é contra o poder oligárquico, simbolizado hoje pela figura de Arthur Lira. Só vencemos com mobilização, de peito aberto, organizando, sem medo de enfrentar.

O post Glauber Braga denuncia retaliação política e percorre o país contra cassação articulada apareceu primeiro em Brasil de Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.