
O decreto publicado pela Prefeitura do Rio prevê a proibição de caixa de som, instrumentos musicais e garrafas de vidro, entre outras. Após protesto de barraqueiros e ambulantes, prefeitura remarcou reunião com os trabalhadores e admite rever algumas normas. Prefeitura admite que pode rever pontos do decreto sobre a orla do Rio
A polêmica provocada pelo decreto da Prefeitura do Rio com as novas regras para o ordenamento da orla segue forte. O g1 preparou um material com todos os detalhes do decreto, as reinvindicações dos trabalhadores e a reação de vereadores que tentam suspender os efeitos da nova legislação, que entra em vigor no dia 1° de julho.
Na última segunda-feira (26), ambulantes e barraqueiros fizeram um protesto na Zona Sul e fecharam parte do trânsito na região. A Secretaria de Ordem Pública do Rio (SEOP) vai receber, nesta terça-feira (27), representantes dos trabalhadores para debater a possibilidade de rever algumas medidas.
As normas estabelecidas pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) no último dia 16 incluem a proibição de música ao vivo, venda de bebidas em garrafas de vidro e atuação de ambulantes sem autorização. O objetivo, segundo o prefeito, é combater abusos e garantir a ordem pública, a mobilidade e a limpeza urbana.
Na última semana o Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) entrou na Justiça para suspender parte do decreto.
O que diz o decreto:
Utilização de caixas de som, instrumentos musicais, grupos musicais, apresentações com som amplificado, música ao vivo ou qualquer equipamento que produza emissão sonora, independentemente de horário, salvo eventos autorizados;
Comercialização ou disponibilização de bebidas em garrafas de vidro por quiosques, barracas ou pontos de venda na areia ou calçadão;
Instalação e funcionamento de estruturas móveis de comércio ambulante (carrocinhas, food trucks, trailers etc.) sem autorização;
Circulação e estacionamento de ciclomotores, patinetes motorizados ou veículos similares no calçadão;
Funcionamento de escolinhas de esportes ou atividades recreativas organizadas na areia ou calçadão sem alvará e autorização municipal;
Exercício de comércio ambulante na orla sem permissão específica, incluindo venda de alimentos em palitos (churrasco, queijo coalho, camarão), uso de churrasqueiras, fogareiros, botijões de gás ou equipamentos de preparo de alimentos, e uso de isopores ou bandejas térmicas improvisadas;
Uso indevido de áreas públicas com guarda-sóis, tendas ou estruturas de grandes proporções sem autorização;
Acampamentos improvisados com barracas, colchonetes, redes ou estruturas similares que configurem pernoite irregular;
Prática de comércio abusivo ou enganoso, incluindo abordagens insistentes;
Uso de animais para fins de entretenimento, transporte ou comércio na orla sem autorização sanitária e controle legal;
Hasteamento ou exibição de bandeiras em mastros ou suportes;
Fixação de objetos ou amarras em árvores ou vegetação;
Prática conhecida como “cercadinho” (cercamento de área pública com cadeiras além dos limites autorizados);
Permanência de carrinhos de transporte de mercadorias ou equipamentos em área pública, exceto para carga e descarga;
Armazenamento de produtos, barracas ou equipamentos enterrados na areia ou depositados na vegetação de restinga;
Atribuir nomes, marcas, logotipos, slogans ou outras formas de identificação nominal às barracas de praia, permitindo-se apenas numeração sequencial oficial.
Segundo o município, a fiscalização será feita pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP), com apoio da Guarda Municipal.
Orla da praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio, em imagem de setembro de 2024
Felix Averbug/Ato Press/Estadão Conteúdo
O decreto prevê sanções como advertência, multa, apreensão de equipamentos e cassação de alvarás. As penalidades podem ser aplicadas de forma isolada, conforme a gravidade da infração.
As novas regras se aplicam a toda a extensão da orla marítima da cidade, abrangendo o calçadão, a areia das praias, os equipamentos públicos a ela vinculados, os quiosques e as barracas de praia.
Música ao vivo aquece o setor
Uma das 16 medidas mais criticadas é a proibição total de música ao vivo e uso de caixas de som, instrumentos musicais ou qualquer equipamento sonoro, independentemente do horário. Apenas eventos previamente autorizados pelo poder público estão liberados.
Quiosque Ginga Rio terá show de forró
Reprodução/Instagram Ginga Rio
Essa proibição, em particular, tem sido amplamente criticada por barraqueiros, quiosqueiros e músicos, que a consideram um dos principais atrativos e fonte de renda.
A Orla Rio, concessionária responsável pela gestão dos quiosques, estima que a medida pode causar a perda de mais de 1,2 mil empregos diretos e indiretos, além de prejuízo milionário por ano.
“A questão de não ter música é algo primordial para todos os quiosques. Não só como atrativo para turistas, mas como geração de empregos. São mais de 550 músicos por mês que a gente contrata” afirmou o empresário Bruno de Paula, que é sócio de cinco quiosques na cidade.
De acordo com o Sindicato de Bares e Restaurantes (SindRio), a música ao vivo aumenta o ticket médio dos estabelecimentos em mais de 10% e ajuda a manter empregos, especialmente na baixa temporada.
O secretário municipal de Ordem Pública, Brenno Carnevale, defendeu a medida, alegando que alguns quiosques vinham operando como “casas de espetáculo”, com shows fora do horário permitido.
Especialistas, no entanto, apontam que a proibição pode contrariar a Lei Complementar 172/2017, que permite apresentações até as 22h, respeitando limites de decibéis.
Possível revisão
As novas regras provocaram reações imediatas. Comerciantes, músicos e vereadores criticaram pontos considerados excessivos, como a proibição da música e a retirada dos nomes das barracas.
Na última semana, uma audiência pública na Câmara Municipal reuniu dezenas de representantes do setor para debater o tema.
Novo decreto da Prefeitura do Rio proíbe música ao vivo e garrafas de vidro nos quiosques da orla
O Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) entrou com ação civil pública pedindo a suspensão dos artigos que vetam a música, alegando prejuízos à atividade econômica e cultural.
Diante da repercussão, a Prefeitura admitiu que pode rever ou flexibilizar alguns pontos. Vereadores anunciaram a criação de uma comissão para dialogar com o prefeito e discutir possíveis ajustes no decreto.
A vereador Mônica Benicio (Psol) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos do Decreto do Prefeito. Segundo ela, o prefeito afrontou a legislação em vigor.
“O Decreto do prefeito atinge fatalmente todos os trabalhadores precarizados que buscam seu sustento trabalhando honestamente nas praias, seja trabalhando em barracas ou ambulantes”, disse Benicio.
“O excesso ne normas dificulta ao extremo a concessão de licenças para esses trabalhadores, privilegiando os “empresários” que dispõem de recursos para investir em barracas padronizadas e nos próprios quiosques”, completou a vereadora.
Em contato com o g1, Benicio admitiu que a orla precisa de regras para normatizar as atividades comerciais, mas as mudanças precisariam ser debatidas com a participação de todos os atingidos e os vereadores.
Projeto de lei alternativo
Em paralelo ao decreto apresentado pela prefeitura, a Câmara de Vereadores já vinha discutindo um projeto de lei com o mesmo objetivo de regular as atividades na orla da cidade.
De autoria do vereador Flávio Valle (PSD), o projeto pretende instituir o “Estatuto da Orla da Cidade”, com o objetivo de regulamentar o uso da área litorânea de forma unificada e sustentável.
Principais diferenças:
Música: O projeto propõe a proibição do uso de caixas de som nas areias, mas não nos quiosques;
Barraqueiros e vendedores ambulantes: O projeto propõe a regulamentação para atividades que ainda não são regulamentadas e normas claras para a atuação e destinação de resíduos;
Esportes de praia: Prevê um cadastro digital simplificado para os instrutores de esportes, visando equilibrar a exploração comercial e a preservação ambiental;
Eventos na orla: Inclui autorização prévia com critérios rigorosos de segurança e sustentabilidade;
Governança: Propõe o restabelecimento do Comitê Gestor da Orla, um órgão consultivo que reuniria o Poder Público, a sociedade civil e empresários para garantir o cumprimento das políticas públicas.
Por ser do mesmo partido do prefeito, o vereador Flávio Valle acredita que o projeto de lei possa ajustar as regras estabelecidas pelo decreto.
Além disso, uma Comissão de Representação da Câmara, liderada pelo vereador Renato Moura, foi criada especificamente para dialogar com o prefeito Eduardo Paes sobre os pontos mais sensíveis do decreto.