
Sebastião Salgado era um mestre da fotografia para muitos, inclusive para mim. Porém, com os momentos de convívio com ele, percebi algo muito além disso. Conheci um ser humano humilde, sensível e atencioso. Alguém que se importava não só com pessoas, mas também com a natureza.
Pessoas com a capacidade de mudar o mundo são raras. E ele era uma delas. Ao menos o meu mundo ficou diferente, inspirado por ele.
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Considerava-o um amigo, que vai fazer muita falta. Para mim e para o mundo!

A foto acima é especial. Nunca gostei de tietar pessoas famosas, e com o Sebastião e com a Lélia não era diferente. Mesmo realizando trabalhos para eles há 10 anos (na época da foto), nunca tinha pedido para tirar foto com eles.
Sebastião, para minha surpresa, percebeu isso e me perguntou: “Léo, você sempre está nos fotografando, e nunca tira foto conosco. Gostaria de uma foto?” Foi um dos dias que senti na pele sua sensibilidade para com as pessoas.
Inspiração
Desde a Universidade, há 20 anos, sempre ouvia falar do grande Sebastião Salgado. Seu trabalho com questões sociais era marcante e muito prestigiado, não só no meio da fotografia.
Tanto que em minha iniciação científica, em que eu estudava a crítica genética de trabalho de artistas, seu trabalho tomou grande parte de minha atenção.
Muito pelo que ele representava além da fotografia. Bons fotógrafos são muitos, porém, existem alguns que conseguem fazer com que suas imagens tenham um propósito maior.
E foi exatamente nesse ponto no qual me inspirei. Lembro de meus primeiros anos na fotografia, nos quais pensava na possibilidade de buscar aquele sonho. Me questionava se seria possível. E inspirado pela história do Sebastião Salgado e da Lélia Wanick, decidi que sim, era possível.

Alguns anos depois de ter começado a traçar meu caminho na fotografia de natureza, para minha surpresa, o trabalho dele teve uma “guinada”. O olhar voltando-se para a necessidade de dar voz à natureza, com a exposição Gênesis, me pareceu quase como um sinal.
Foi a primeira exposição de fotografia de natureza que eu fui na vida. E que fortaleceu meu propósito, dando-me indicações de que eu estava no caminho certo.
Aquilo que me movia, realmente era algo a ser mostrado para a sociedade. Vale lembrar, que na época, a fotografia de natureza não era considerada uma opção profissional no Espírito Santo.
Surpresa para um jovem fotógrafo
Alguns anos depois, após já ter me formado na Universidade, com meu primeiro livro publicado e com o Instituto Últimos Refúgios em seus primeiros anos de atuação, estava em uma reunião traçando estratégias para os próximos passos.
Em meio à reunião, recebi uma ligação que, inicialmente, pensei ser um trote. Quase desliguei. O Sebastião Salgado querendo conversar comigo sobre um projeto. Quem iria imaginar?
Me convidou para ir até sua casa, em uma de suas vindas ao Brasil. Me tratou muito bem, de uma forma que eu não estava acostumado.
Naquele dia, me contou que havia recebido meu livro de presente e ficou muito feliz em encontrar um capixaba com uma conexão tão bonita com a natureza. E me disse uma das frases das quais tenho mais orgulho em minha trajetória como fotógrafo:
“Muitas pessoas tiram fotos, mas fotógrafos são poucos. E você, você é um fotógrafo!”
Naquele momento, me controlei para uma “gota de suor” não sair dos meus olhos. Uma emoção indescritível ter alguém que você se inspirava desde o início de carreira, falar algo do tipo. Uma validação do que eu pretendia para o futuro.
E o projeto? Ele havia acabado de me convidar para registrar, pela primeira vez, a biodiversidade do impressionante Instituto Terra.



Há 15 anos conheci o Instituto Terra
Naquela época, meu equipamento era longe de ser suficiente para realizar um trabalho daquela magnitude. Um trabalho para um dos fotógrafos mais reconhecidos do mundo.
Lembro-me bem de que Sebastião tirou o recurso para aquele trabalho do próprio bolso. Não era muito, mas o suficiente para que eu pagasse os custos das viagens ao Instituto.
E o restante, daquele pagamento de 1 ano de trabalho, foi TODO investido em um novo equipamento, que na época era tão bom (para a realidade brasileira), que uso muitos dos itens até hoje.

A grande conquista foi quando consegui registrar a tão falada jaguatirica do Instituto Terra. Os rumores do retorno delas para aquelas terras haviam deixado Sebastião e Lélia animados.
Aquele animal que ele via nas trilhas quando era criança, antes da região inteira ser desmatada, havia retornado para casa, após anos de trabalho intenso de reflorestamento promovido pelo Instituto Terra.
Foram 3 meses de busca e estratégias elaboradas, para finalmente conseguir um registro por meio de um estúdio fotográfico no meio da floresta. Até onde sei, aquelas imagens ajudaram o Instituto Terra em sua causa.
Contei essa história em uma outra matéria aqui na coluna no Folha Vitória – LEIA AQUI

10 anos depois
O tempo passou e voltava de tempos em tempos para o Instituto Terra em trabalhos variados. De registro de aniversários da iniciativa a expedições para registrar a tragédia do Rio Doce.

Mas foi somente 10 anos depois do primeiro trabalho, que voltei a realizar expedições constantes ao Instituto, captando imagens para a BBC de Londres, parte do documentário Green Planet.
Dessa vez, os mamíferos de maior porte já haviam voltado. Vinte anos após o plantio da primeira muda, a floresta já era capaz de receber os predadores de topo de cadeia, como a onça-parda e o lobo-guará.
Foi uma emoção poder contar esse caso de sucesso para o mundo. Da volta da floresta, da volta da água e do retorno dos animas.


Foram nessas idas e vindas que vez ou outra encontrava Sebastião nos lindos caminhos do Instituto Terra, nos quais ele parava pacientemente para conversar sobre fotografia e coisas da vida.
Inspirando pessoas, promovemos mudanças!
Durante 15 anos fiz parte da história de uma das maiores iniciativas de recuperação florestal que já vi na vida. E o slogan do Instituto Últimos Refúgios “Inspirando pessoas, promovemos mudanças!” faz muito sentido nessa história.
Porém, nesse caso, como disse no início deste texto, eu fui a pessoa inspirada e com toda certeza, tenho intenção e trabalho muito para promover mudanças! Um sonho que se sonha juntos…
Deixo meu muito obrigado a essa pessoa especial. Que a memória da vida abençoada que Sebastião Salgado teve conforte à família, amigos e aos admiradores de seu trabalho!