
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), repreendeu o ex-ministro Aldo Rebelo (MDB-SP) e ameaçou prendê-lo por desacato durante audiência realizada nesta sexta-feira (23).
O episódio ocorreu no âmbito da ação penal que apura a suposta tentativa de golpe de Estado por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), após as eleições de 2022.
Rebelo foi arrolado como testemunha de defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, acusado de aderir ao plano golpista.
A audiência foi conduzida por Moraes na Primeira Turma do STF, com presença do Ministério Público Federal, da defesa do réu e de outras testemunhas.
O ex-ministro, que chefiou a Defesa entre 2015 e 2016, foi convocado para argumentar que o almirante não teria autonomia para movimentar tropas de forma independente, em razão da estrutura hierárquica das Forças Armadas.
Garnier é acusado de ter colocado a Marinha “à disposição” de Bolsonaro em reunião com outros comandantes militares em novembro de 2022.
O ponto central do embate foi a tentativa de Rebelo de contextualizar a frase atribuída ao almirante como uma expressão idiomática.
“A força da expressão nunca pode ser tomada literalmente. Quando alguém diz ‘estou frito’, não quer dizer que está numa frigideira”, disse o ex-ministro, ao comentar a declaração de Garnier.
Moraes interrompeu a resposta e questionou se Rebelo esteve presente na reunião em que a frase foi dita.
“Então, o senhor não tem condição de avaliar a língua portuguesa naquele momento. Atenha-se aos fatos”, afirmou diante da negativa.
“A minha apreciação da língua portuguesa é minha e não admito censura.”, reagiu Rebelo. O ministro respondeu com ameaça de prisão: “Se o senhor não se comportar, o senhor vai ser preso por desacato.”
Rebelo então afirmou: “Estou me comportando.” Moraes finalizou: “Então se comporte e responda à pergunta. Testemunha não pode dar seu valor à questão. Mas, tem toda a liberdade para fazer uma resposta tática.”
O Portal iG entrou em contato com o STF e também com o gabinete do ministro Moraes, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Testemunho de Aldo Rebelo

Na sequência, Rebelo foi questionado sobre a possibilidade de um comandante da Marinha movimentar tropas sem autorização superior. Ele negou essa possibilidade e explicou a estrutura de comando naval.
“O comandante da Marinha rigorosamente dirige uma mesa, um bureau. Quem comanda a tropa é o comando das operações navais, o comando da esquadra, o comando da força de submarinos. Se não passar por essa cadeia de comando de transmissão, o comando de fato fica apenas na palavra.”
O ex-ministro tentou questionar se havia sido apurado se a suposta ordem de Garnier foi transmitida na cadeia de comando.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, interrompeu. “Ministro, eu acho que quem faz as perguntas são os advogados e não a testemunha para o tribunal.” Rebelo respondeu: “Não estou fazendo pergunta nenhuma.”
Moraes voltou a intervir e afirmou que Rebelo, por ser civil e historiador, não tinha base técnica para avaliar se a Marinha poderia executar um golpe sozinha.
Ele mencionou o golpe de 1964 como exemplo de ação militar sem consulta ampla à cadeia de comando.
“Rebelo é historiador… ele sabe que em 64 não foi ouvida toda cadeia de comando. Não podemos fazer conjecturas.”
O ministro encerrou o impasse pedindo regularidade na audiência: “Por favor, doutor Demóstenes, tenho o maior respeito pelo senhor, mas vamos levar isso com regularidade, por favor.”
Aldo Rebelo e sua trajetória
Aldo Rebelo teve atuação destacada na política entre 2003 e 2016, quando passou pelos ministérios da Defesa, Esporte, Ciência e Tecnologia, além de ter presidido a Câmara dos Deputados.
Filiado ao PCdoB por mais de três décadas, teve relação profissional com Garnier durante o segundo mandato de Dilma Rousseff.
Almir Garnier é réu por cinco crimes, entre eles tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada.
Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica afirmaram, em depoimentos anteriores, que Garnier foi o único a demonstrar apoio ao plano golpista. A defesa sustenta que não houve ação concreta por parte do almirante.