Como a série “Monstros” contribuiu para a reabertura do caso dos Irmãos Menendez

Irmãos Menendez
Netflix produziu uma série documental sobre os irmãos Menendez (Foto: Reprodução/Youtube Netflix)

*Reportagem de Gabs Miranda, estudante de Jornalismo na Estácio.

Após mais de três décadas encarcerados, Erik e Lyle Menendez, condenados pelo assassinato dos pais em 1989, tiveram as penas reduzidas e tornaram-se elegíveis para liberdade condicional.

A decisão judicial na Califórnia reacendeu debates sobre justiça, trauma e o impacto das produções audiovisuais na sociedade e coincide com a crescente atenção pública gerada pela minissérie da Netflix “Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez”, lançada em 2024.

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Em 1989, os irmãos Menendez assassinaram seus pais, José e Kitty Menendez em casa, em Beverly Hills. Durante o julgamento, em 1996, a promotoria alegou que os crimes foram motivados por ganância, visando a herança dos pais. Em contrapartida, a defesa apresentou alegações de abuso sexual e psicológico por parte do pai, argumentando que os irmãos agiram em legítima defesa.

Na época, essas alegações não foram suficientes para evitar a condenação à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

IMPACTO DAS PRODUÇÕES AUDIOVISUAIS NO MUNDO REAL

A minissérie da Netflix trouxe uma nova perspectiva ao caso, explorando as alegações de abuso e o contexto familiar dos irmãos. Com uma audiência massiva, a produção reacendeu o interesse público e gerou debates sobre a justiça do veredicto original.

Um dos elementos que a série trouxe à tona foi uma carta escrita por Erik Menendez em 1988, endereçada ao seu primo Andy Cano. Nessa correspondência, Erik descreve os abusos que sofria por parte do pai, José Menendez.

Além da carta, novos testemunhos surgiram após o lançamento da série. Um ex-integrante do grupo musical Menudo, Roy Rosselló, alegou ter sido abusado sexualmente por José Menendez quando tinha 14 anos. Essa revelação adiciona uma nova dimensão às alegações de abuso feitas pelos irmãos Menendez, sugerindo um padrão de comportamento por parte do pai.

A série criada por Ryan Murphy, ao dramatizar esses elementos, desempenhou um papel significativo em trazer essas informações ao conhecimento público, influenciando o debate sobre o caso e levando a uma reavaliação das circunstâncias que cercaram os assassinatos, ou seja, provocou uma comoção que ultrapassou o universo da ficção e encontrou eco nas instituições jurídicas.

O que se observa é o reflexo direto do poder que séries biográficas ou dramatizações baseadas em crimes reais têm não apenas sobre a opinião pública, mas também sobre o sistema de justiça. A comoção causada por “Monstros” reacendeu investigações, motivou petições e levou autoridades a revisitar o caso à luz de novos argumentos.

Isso nos obriga a repensar o lugar que obras de entretenimento ocupam hoje: não mais apenas como veículos de informação ou narrativa, mas como agentes de influência capazes de alterar o rumo da história real.

Esse não é um caso isolado. Basta lembrar o documentário “Making a Murderer”, também da Netflix, que explorou o caso de Steven Avery e provocou uma verdadeira campanha por sua libertação — incluindo abaixo-assinados, manifestações públicas e novas ações legais.

Outro exemplo emblemático é “The Jinx”, da HBO, que ao longo de seus episódios revelou detalhes até então desconhecidos sobre o milionário Robert Durst. O impacto foi tão direto que, após o episódio final, Durst foi preso com base nas declarações feitas durante as gravações do documentário.

VERDADE REVELADA (REINVENTADA)

Essas produções têm em comum a habilidade de reunir, contextualizar e apresentar informações de maneira acessível e envolvente, despertando indignação, empatia e ação. O público, antes mero espectador, torna-se um participante ativo, pressionando por mudanças, exigindo justiça ou, no mínimo, revendo seus próprios julgamentos. Isso revela uma transformação profunda na forma como consumimos histórias reais — e no quanto esperamos que elas tenham desdobramentos concretos.

Ao mesmo tempo, essa força narrativa carrega um peso ético importante. Quando uma produção dramatiza eventos reais e sugere novas interpretações para fatos julgados, corre-se o risco de simplificar contextos complexos, omitir contradições e manipular o sentimento do espectador.

Ainda que o objetivo seja abrir caminhos para a verdade, é preciso garantir que essa busca seja conduzida com responsabilidade, equilíbrio e respeito aos envolvidos. Afinal, os efeitos são reais: vidas podem ser alteradas, reputações destruídas ou reconstruídas, e decisões judiciais revistas.

No caso dos irmãos Menendez, aquilo que por muito tempo foi visto como um crime frio e motivado por ambição passou, aos olhos de muita gente, a parecer uma resposta desesperada a anos de abusos e traumas. Essa nova forma de enxergar a história não apaga o que aconteceu, mas adiciona uma camada de complexidade que só ganhou força por causa da exposição que a série proporcionou.

A produção conseguiu algo que nenhuma apelação ou estratégia jurídica alcançou em décadas: trouxe os irmãos de volta ao centro da conversa e abriu espaço para que o público revisse um dos casos mais conhecidos da justiça criminal norte-americana.

Esse episódio mostra como a fronteira entre o que é ficção e o que é realidade pode ser muito mais poderosa do que parece. No cenário atual, produções que se propõem a contar histórias reais não são apenas entretenimento: são peças com potencial de interferência direta no tecido social e nas instituições.

Portanto, cabe ao público, à mídia e à justiça o cuidado de discernir os limites, mas também de reconhecer que, muitas vezes, a verdade se revela — ou se reinventa — diante das câmeras.

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